Saudado nesta semana por parte da mídia comercial ao defender a vacinação em massa, o ministro da Economia, Paulo Guedes, na prática prejudica as condições de imunização da população contra a covid-19 ao pautar medidas de contenção fiscal, como as que entraram na chamada PEC Emergencial (Proposta de Emenda à Constituição 186). A avaliação é do médico, advogado sanitarista e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP), Daniel Dourado.
Em entrevista a Glauco Faria, no Jornal Brasil Atual, o especialista advertiu que não houve mobilização por parte do governo de Jair Bolsonaro para garantir os recursos suficientes para este ano que já se previa crítico. O orçamento do Sistema Único de Saúde (SUS), por exemplo, retornou a patamares pré-pandemia, sem o aporte de R$ 35 bilhões, mesmo com a continuidade da maior crise sanitária do último século.
Agora, convencido por empresários do seu entorno, Guedes vem defendendo a vacinação em massa como a “primeira medida fiscal, de saúde pública”. Mas que deve ser seguida de “foco nas reformas”. O discurso do ministro não surpreende o médico e advogado sanitarista. “Quando Paulo Guedes começou a falar em vacina, uma das primeiras iniciativas que teve, junto com o próprio Bolsonaro, foi chamar esse grupo de empresários e propor a eles que comprassem vacinas para doar metade ao SUS. Ou seja, até a solução que eles buscam é tentar não usar os recursos dos SUS, como se fosse uma vantagem e não que o fato de o governo estar se omitindo.”
Austeridade acima de tudo
“Mas essa agenda de Paulo Guedes, do Teto de Gastos, da diminuição de recursos, não é compatível (com a vacinação em massa)”, completa Dourado. “Parafraseando o slogan do governo, (o que temos) é austeridade acima de tudo.”
O médico e advogado sanitarista observa ainda que o governo Bolsonaro constantemente alega que “não há dinheiro” para investimentos. No início de março, quando o Congresso Nacional sancionou o Projeto de Lei (PL) 534/2021 para a compra de vacinas, o presidente da República vetou trecho do texto que obrigava a União a garantir recursos para que estados e municípios pudessem adquirir doses do imunizante em caráter suplementar. Assim como aconteceu com outros vetos decretados ao longo da pandemia por Bolsonaro, o argumento era de que “não havia previsão de orçamento”.
Sem kit intubação, sem vacinas
O “artifício retórico”, como descreve o especialista, também foi empregado em agosto, quando o governo deixou de comprar medicamentos que compõem o chamado kit intubação, alegando que os preços estavam mais caros. Agora os produtos estão em falta em diversos municípios no momento em que os casos de covid-19 crescem.
“Teve uma reunião de urgência da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que infelizmente foi remarcada. E uma das demandas do consórcio de prefeituras é esta, porque os insumos de intubação acabaram. O governo vai ter que comprar com um valor agora que está 10 vezes mais elevado do que antes. E é claro, porque o mundo inteiro está demandando. É a mesma coisa em relação à vacina.”