Afundada na crise, Grécia assume a presidência da União Europeia

A Grécia assume a presidência rotativa da UE no momento em que é novamente questionada pela Troika pelo fracasso dos planos de ajuste

Por Marcelo Justo.

Grecia presidencia UEA União Europeia (UE) da crise está cheia de ironias e paradoxos. Nesta quarta-feira (8), a Grécia assume a presidência rotativa da EU no momento em que é novamente questionada pela Troika (FMI, Comissão Europeia, Banco Central Europeu) pelo fracasso dos planos de ajuste e pela iminência de um novo resgate.

Ao mesmo tempo, a inflação dos 17 países que formam a zona do euro caiu e os comentaristas quebram a cabeça: longe de ser uma boa notícia, a queda dos preços consolida o temido fantasma da deflação.

O editor associado do Financial Times, o alemão Wolfgang Munchau, é pessimista. “E crise do euro não terminou, mas em certo sentido ela mudou. O debate sobre a política a seguir está terminado. Não haverá uma União Bancária ou mutualização da dívida e quanto ao ajuste se seguirá com a austeridade e a deflação na periferia. O ajuste recém está começando. E a dívida será reduzida pagando-a, não por meio da inflação, de uma moratória, ou de um perdão”, escreveu segunda-feira (6).

Quanto à deflação, a Agência de Estatisticas europeia (Eurostat), confirmou o dado nesta terça-feira. A inflação na zona do euro caiu de 0,9% em novembro para 0,8% em dezembro, cada vez mais longe da meta de 2% pretendida pelo Banco Central Europeu (BCE). Em outubro passado havia caído pela primeira vez desde 2010 para menos de 1% e se manteve ali desde então. “A deflação é terrível para a acumulação capitalista. O capitalista é dinâmico quando os preços sobem. Quando baixam, diminuem os lucros que se necessitam para manter o nível de investimento e produtividade”, disse à Carta Maior o economista grego Costas Lapavitsas, da Universidade de Londres, autor de“Financialization: profiting without producing” (Financeirização: lucros sem produção).

Neste quadro, a zona do euro tem que seguir por esse beco sem saída que é pagar a dívida (em média, 93,4% do PIB de 17 países, cerca de 4% a mais que em 2012), com uma mescla de ajustes e resgates que não deram resultado nestes quatro anos. A Grécia é o melhor exemplo. Desde seu primeiro resgate em maio de 2010, não conseguiu sair da recessão e seu Produto Interno Brito (PIB) caiu cerca de 21%, quase o dobro da queda experimentada pela Argentina com o fim da convertibilidade em 2001-2002. E o perfil de sua dívida melhorou? Em nada. A dívida grega hoje é 169% do seu PIB. “A Grécia vive uma crise humanitária pior que a Argentina no fim da convertibilidade. A pobreza absoluta e relativa cresceram. O sistema de saúde colapsou, as pessoas não podem manter a calefação, os bancos de alimentos estão na ordem do dia”, assinala Lapavitsas.

A Grécia não está sozinha. Na Espanha, a Caritas fala de três milhões de pessoas em “pobreza severa” (renda inferior a 307 euros por mês). Em Portugal, 18% vive abaixo da linha da pobreza, segundo cifras oficiais, e até em países fundadores do projeto pan-europeu como a Itália, o número de pobres duplicou entre 2007 e 2012, situando-se em torno de cinco milhões de pessoas. O editor associado do Financial Times é categórico a respeito do que tem pela frente a Itália, cuja economia se contraiu 1,8% no ano passado. “Segundo o acordo fiscal da zona do euro, a Itália tem que pagar 70% de sua dívida nos próximos 20 anos. Isso requer um superávit fiscal primário – antes do pagamento dos juros da dívida – que nunca foi alcançado nem em montante nem na duração dos pagamentos”, diz Wolfgagn Munchau.

No mundo desenvolvido as economias anglo-saxãs alardearam seu êxito graças ao fato de que Estados Unidos e Reino Unido estão crescendo mais que a zona do euro. Mas os EUA estão experimentando a recuperação econômica mais débil dos últimos 90 anos, baseada em uma bolha imobiliária e em um boom creditício com altíssimos níveis de pobreza. E o Reino Unido não fica atrás, registrando 20% de aumento das buscas dos bancos de alimentos de organizações de caridade.

No caso britânico, cabe apontar uma ironia adicional. O crescimento se deve ao aumento do consumo que está sendo financiado com a indenização que os bancos estão pagando aos seus clientes pela venda de produtos financeiros fraudulentos.

“Os consumidores estão gastando mais graças ao fato de que há mais crédito (umas três quatro partes do consumo é feita a crédito) e às compensações PPI.

Nos últimos 18 meses, os bancos pagaram 12 bilhões de libras em compensações. É uma injeção equivalente a 1% do PIB, mais do que o governo aportou desde 2008. Esse dinheiro não vai durar”, assinala o diretor econômico da BBC, Robert Preston.

Em meio a este panorama, o novo presidente rotativo da UE, Grécia, pode disparar o princípio do fim antes que termine seu período de governo, no final de junho.

“Em maio há eleições para o parlamento europeu que nos darão uma ideia se existe apoio às políticas de ajuste em países como Itália e outras nações periféricas”, assinala Muchau. Na Grécia, estas eleições podem ser cruciais porque um partido de esquerda anti-austeridade, Syriza, está à frente das pesquisas e a coalizão governamental dos socialistas do Pasok e seu inimigo histórico, a direita da Nova Democracia, perdeu muito apoio. “É muito possível que a coalizão se saia muito mal e que Syriza obtenha muita vantagem. Se isso ocorrer será muito difícil para a coalizão seguir governando e implementando todas as medidas de ajuste e cortes pactuados com a Troika. Neste caso é muito possível que tenham que chamar eleições”, aponta Costas Lapavitsas.

Sobre uma coisa não resta dúvida. Um ano cheio de emoções aguarda a União Europeia, a zona do euro e seu novo presidente rotativo, a Grécia.

Tradução: Marco Aurélio Weissheimer

Fonte: Carta Maior.

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