Por Lucas Scatolini.
Com pouco mais de um ano desde que a Covax entregou as primeiras remessas de vacinas anticovid aos países de baixa renda, a oferta de imunizantes está se tornando mais abundante. Ao todo, o consórcio arranjado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para entregar vacinas a países do Sul global já conta com cerca de 1,37 bilhão de doses entregues. Mas o desafio não tem sido somente abastecer essas nações. A carência de pessoal, mistura imprevisível de vacinas de diferentes procedências, datas próximas da validade, dificuldade de armazenagem e cronograma irregular de entrega têm dificultado o planejamento. O New York Times reportou a luta diária dos agentes de saúde para imunizar a população de Serra Leoa, uma das muitas regiões do continente que sofrem com extremo subfinanciamento dos sistemas sanitários.
A sede de vacinação narrada pela reportagem é um local com paredes em ruínas, que possui apenas um freezer desgastado e armazena pilhas de caixas com dezenas de frascos de vidro. Em meio a variadas vacinas para sarampo e rotavírus, uma caixa contém quatro diferentes marcas de imunizantes contra a covid. Administrá-las é uma tarefa árdua: às pessoas mais jovens e saudáveis, a equipe entrega a Sinopharm, porque é a que possui menor eficácia contra a ômicron; as da Oxford/AstraZeneca vão aos mais vulneráveis; as de única dose, como a da Johnson & Johnson, aos trabalhadores essenciais como professores. Recentemente, o local recebeu 36 doses da Pfizer, única autorizada para adolescentes. Mas esta, depois de aberta, precisa ser finalizada rapidamente – então toma quem entrar primeiro.
Muitas estão sendo entregues em intervalos irregulares, diferentes do recomendado pela OMS. Isso acontece devido à dificuldade de rastrear os destinatários, a maioria de pequenos agricultores em áreas rurais. A meta, em Serra Leoa, é oferecer a primeira dose a 40% da população até junho. Atualmente, o número é de apenas 12% e quase ninguém recebeu injeção de reforço. Com dificuldade para alcançar cada vez mais pessoas, o ministério da Saúde do país descobriu que a melhor maneira de fazê-las aceitar a imunização é levá-la em igrejas e mesquitas, nas partidas de futebol ou em suas casas. O problema é que a estratégia é cara, requer pessoal e desvia recursos de outros programas vacinais tão urgentes quanto a covid, como a pólio e a malária.
A situação em toda a África ainda é dramática. A taxas de vacinação contra a covid estão em média em cerca de 14% em todo o continente, e há países que sequer chegam a completar o esquema vacinal em 10% (veja o gráfico abaixo). Por isso, especialistas em saúde pública temem que a África esteja prestes a experimentar uma quinta onda do vírus nos próximos meses – potencialmente causada por uma nova variante que pode ser mais letal. Segundo a matéria do NYTimes, um funcionário da União Africana relatou que o bloco teve que abrir mão do pedido mais recente de insumos até que consigam utilizar um estoque oriundo da China e da Covax prestes a vencer. Vinte e nove países usaram menos de 50% de seu estoque de vacinas, segundo a Unicef.
Segundo a OMS, a Unicef e a Aliança Global de Vacinas (Gavi), o consórcio está trabalhando sob a liderança dos ministérios da Saúde locais para fortalecer a coordenação dos parceiros e o planejamento logístico, incluindo microplanejamento. Esperam diminuir o hiato de financiamento, rastrear eventos adversos após a imunização, bem como o gerenciamento de dados sobre a vacinação e estoque de vacinas – ao mesmo tempo em que tentam envolver e capacitar as comunidades. Serão capazes?