Por Eduardo Maretti.
O ex-deputado estadual pelo PT de São Paulo Adriano Diogo é um “militante antigo”, como diz. Começou com 13 anos e durante a juventude foi fortemente influenciado pelas comunidades progressistas da igreja católica. Em entrevista à RBA há 14 meses, quando deixou o posto de deputado, ele declarou: “O golpe está em marcha. Um golpe não acontece da noite para o dia. É um processo. O golpe começou na Copa do Mundo”.
Pouco mais de um ano depois, essas palavras fazem mais sentido do que quando foram ditas. Consolidado o golpe, Diogo lembra que, quando comandava a Comissão da Verdade de São Paulo Rubens Paiva, encerrada em 14 de março de 2015, ele e seus assessores ouviam comentários do tipo: “Esse negócio de ditadura, de golpe, de participação da Fiesp, das agências estrangeiras, tortura, isso já acabou, é coisa do passado”.
Para ele, “houve ingenuidade do Lula, do PT, de todos nós” diante do processo que foi se desenhando com nitidez a partir da reeleição de Dilma Rousseff, mas começou de fato antes, na Copa do Mundo. Ele dá um exemplo: “Você já viu um país que descobre um tesouro do tamanho do pré-sal e não faz nenhuma mudança geopolítica para a proteção desse tesouro, que evidenciou uma cobiça internacional sem precedentes?”
Para ele, como para inúmeras lideranças de movimentos sociais, cientistas políticos, mídias progressistas e outros setores, houve dois grandes erros a alimentar o golpe longamente: as deficiências na comunicação social dos governos do PT e um segundo, indissociável deste, que foi o descaso com a politização e conscientização do povo.
Segundo Diogo – que presidiu a Comissão de Humanos, a Comissão da Verdade paulista e a CPI das Universidades na Assembleia –, era essencial tornar pública a discussão, no caso da Petrobras, sobre “a soberania nacional, o Estado nacional, o que era o Brasil antes do pré-sal e o que é depois”. “Essa questão da consciência política não foi feita.” Hoje, 52 anos depois do golpe de 1964, sob cujo regime foi preso em março de 1973 e torturado, ele avalia o processo que levou à derrubada de Dilma Rousseff.
Há 14 meses, você afirmou que o golpe era uma ameaça real, estava “em marcha”, que é um processo “que não acontece da noite para o dia” e começou na Copa do Mundo. Como chegamos a isso?
Eu vejo pela lógica do futebol: quem não faz, toma. Não é assim que o Lula usa suas metáforas? O golpe foi cantado e decantado. Quando fiz a Comissão da Verdade de São Paulo Rubens Paiva, o pessoal dizia assim: “você não tem outra coisa pra fazer na vida? Esse negócio de ditadura, de golpe, de participação da Fiesp, das agências estrangeiras, tortura, isso já acabou, é coisa do passado. Vire a página, trate dos assuntos do cotidiano. Falar de passado é fácil”. Eu estava vendo que a onda estava crescendo, e agora nós estamos na ditadura em tempo real. Golpe ao vivo e a cores. No nosso tempo era Repórter Esso, da TV Tupi, agora é Jornal Nacional.
O que provocou esse desfecho?
Houve um vacilo, uma interpretação política na história, a partir de 1985, 1988, que foi embaralhar as cartas do jogo político, e pôr na mesma sala os torturados e os torturadores, os perseguidos e os perseguidores, ou, como dizia Pier Paolo Pasolini, “os gaviões e os passarinhos”, Uccellacci e Uccellini (filme do diretor italiano de 1966), que aqui no Brasil se chama presidencialismo de coalizão, e deu nessa merda. Os mesmos grupos econômicos, empresariais e de mídia, e os políticos que representam esses grupos, a partir de 2013, eles se separaram. E agora, separados, eles voltaram com tudo. Esse negócio de fazer aliança com Sarney, com os Magalhães, com Maluf, com Nilo Coelho, cujo sobrinho foi ministro da Integração Nacional (2011 a 2013), acabou dando nisso. Era tudo misturado, agora separou de novo.
Você vê perspectiva no curto prazo?
Nenhuma. A bola vai ter que rolar, porque um golpe como esse não é um golpe de curto prazo. O programa político, econômico e empresarial que esse golpe desenha não passaria em nenhum processo eleitoral. É um golpe por fora do sistema, com apoio internacional. Eu fui geólogo. Você já viu um país que descobre um tesouro do tamanho do pré-sal e não faz nenhuma mudança geopolítica para a proteção desse tesouro, que evidenciou uma cobiça internacional sem precedentes?
Que medidas poderiam ter sido tomadas, por exemplo?
Primeiro, o departamento de propaganda da Petrobras, que é um dos maiores departamentos de propaganda do Brasil, ganha até do governo brasileiro, deveria explicar para o povo brasileiro o que é a riqueza do pré-sal. Em vez de ficar naquela bobagem de mostrar para que municípios, para onde vão ser destinadas essas verbas, você discutir a soberania nacional, o Estado nacional, o que era o Brasil antes do pré-sal e o que é depois. Isso é fundamental. Essa questão da consciência política não foi feita. E quando foi feita, foi para atenuar.
O Lula deu uma declaração, já nesse período da reta final, em São Bernardo, que ele trabalhou para os de baixo não se rebelarem contra os de cima, e que agora os de cima estavam se rebelando. Até parece que um programa gigantesco de transferência de renda um dia não ia ser ameaçado. Para mim, o parâmetro do marco civilizatório é a Segunda Guerra Mundial, o holocausto. Seria então a mesma coisa, na Segunda Guerra, você ter uma previsão de que o Hitler e o partido nazista iam perseguir os judeus, os comunistas e os ciganos, e não tomar nenhuma providência preventiva.
Houve ingenuidade, de Lula, por exemplo?
Do Lula, do PT, de todos nós. Lógico. Você cria um partido político de arquétipo socialista, ganha as eleições, faz avanços espetaculares, muda a realidade do país, e acha que a lei da luta de classes foi revogada junto com a lei da gravidade? Não é porque você desconhece as regras internacionais do imperialismo e da luta de classes que elas acabaram. É como querer revogar as leis da física.
A criação da Petrobras (1953) foi autorizada quantos anos depois da Segunda Guerra Mundial? Não que não tivesse petróleo. Qual foi o acordo que Getúlio fez? Só fundar a Petrobras depois do fim da guerra. Porque para pesquisar petróleo antes da segunda guerra tinha que pedir autorização para a Inglaterra ou para os Estados Unidos. Aí você descobre as maiores jazidas de petróleo do mundo e acha que a geopolítica não mudou? Que a cobiça internacional não existe? Podemos falar de outros movimentos: alinhamento com os Brics, não estar submetido às leis internacionais da dependência americana.
Precisou o Camilo Tavares fazer o filme O Dia que Durou 21 Anos para mostrar toda a participação americana em 1964. Nós fizemos a Comissão da Verdade mostrando a participação da embaixada francesa, da embaixada americana, da embaixada inglesa, os interesses internacionais, as multinacionais. Mas tudo isso era visto como teoria da conspiração.
Em março do ano passado você lembrava que São Paulo sempre foi o “núcleo duro”, do empresariado que não aceita o povo brasileiro, que começou a revolução de 1932 contra Getúlio Vargas e a República. Como em 2016?
Aqui começou a preparação do golpe, não é? Esses grupos financiados pelo exterior. No nosso tempo a Fiesp era meio dissimulada, agora até o mural da Fiesp comandou o golpe, o Paulinho da Força se uniu à Fiesp. Lógico que a juventude vai reagir, e aí os caras vão reprimir.