Por Clair Castilhos
Olhando as terras devastadas pela guerra civil americana a personagem principal de um antigo romance épico “…E o vento levou”, diz no final: “Amanhã será outro dia!” Fico a pensar nestas narrativas quando observo e sinto a atual situação do Brasil. E, me pergunto se haverá outro dia.
Ordenando os fatos históricos no tempo é possível analisar. Primeiro, em 2014, a campanha pela reeleição da Presidenta Dilma Rousseff foi um difícil e rasteiro processo eleitoral. As propagandas, caríssimas, comerciais a vender mercadorias políticas, muitas vezes de qualidade duvidosa, repletas de infâmias e mentiras, polarização de acusações ao invés de debates de ideias, ausência de propostas reais e consistentes e um terrível aroma de lixão que exalava daquilo tudo. Discussão política, nem pensar! Depois foi a vitória, apertada, mas legítima e inquestionável. Para a oposição a derrota não foi suficiente. Desde o resultado até hoje são produzidas diariamente ameaças, denúncias e difamações que se estendem desde a simples falta de educação até as agressões mais violentas e sórdidas à presidenta reeleita e ao seu partido. O juízo de valores a respeito desse processo é algo a ser feito com muito critério e com um distanciamento, que talvez só o tempo irá proporcionar. No entanto, o dia a dia dos fatos brinda à população brasileira episódios dolorosos de vacilações, entregas, humilhações e subserviência da presidenta às chantagens e pressões dos representantes do mercado e dos políticos que servem a essa ordem internacional. Incapaz de se insurgir contra essa situação, o governo, e aí incluídos os partidos da base aliada e seus representantes, sucumbem a uma interminável sucessão de recuos, contradições e traições. A tática anunciada logo após a eleição pelos representantes oposicionistas é que iriam “sangrar a Dilma”. E, isso vem sendo feito com extrema competência e meticulosidade. A cada dia aparece um fato novo, uma nova denúncia, uma notícia “bombástica”.
Os líderes e partidos de situação reagem com atitudes desconexas, aturdidos, acovardados e não ocorre o enfrentamento, apenas, a cada ameaça, mais um passo atrás. E, assim passam-se os meses. Pairando sobre tudo a ameaça do impeachment e a perda do poder de governar o Estado. Poder este que até agora pouco se mostrou. A nova e momentânea reação foi a de fazer uma reforma ministerial, um corte de despesas, compor um governo de coalizão.
Neste meio tempo acontece o programa partidário do PMDB onde as ameaças e a intimidação foram escancaradas. Tudo sob um formato sombrio, um desfile interminável de homens de preto, com carrancas sisudas (para demonstrar seriedade e preocupação), um cenário nebuloso apresentando uma sucessão de frases de efeito encobrindo o próximo movimento, ou seja, abocanhar o maior número possível de ministérios. Aumentar as possibilidades de usar o dinheiro público a “ser subtraído em tenebrosas transações”.
Enfim, montada a inominável farsa ocorre o grande espetáculo final. Reforma ministerial, corte de gastos (na área social, naturalmente), pessoas inexpressivas, aparentemente sem competência e nem conhecimento dos assuntos das pastas que irão ocupar, surgem na cena pública, emergindo dos subterrâneos de um congresso podre.
E, nós mulheres que imaginávamos que os nossos ínfimos espaços no aparelho de Estado seriam preservados, pois resultaram de mais de 30 anos de lutas e mobilizações assistimos o enterro da Secretaria de Políticas para Mulheres, Secretaria de Promoção da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos. A ironia do processo é que o ex-presidente José Sarney, grande ícone civil da ditadura militar, formalizou a criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, no governo de Fernando Henrique Cardoso foi criada a Secretaria de Políticas para Mulheres, a mesma foi consolidada e fortalecida no governo Lula e no governo da primeira mulher presidenta, antiga militante contra a ditadura, cujo coração valente parece estar adormecido, foi extinto o único espaço exclusivo destinado á formulação, monitoramente e divulgação das políticas para as mulheres. Esse extermínio foi realizado da forma mais grotesca e decadente. Sem discussão e sem negociação. Aliás, paciência para negociação só existe para os polichinelos do mercado. Nenhuma mulher foi ouvida sobre o assunto. Sob a égide dos implacáveis homens de preto fomos jogadas na bacia das almas. Apelando para o “universo medieval (hoje em alta no Congresso Nacional) a bacia das almas era o recurso final dos que não tinham quaisquer outros recursos”. Ou, a expressão quer dizer simplesmente “a custo extremamente baixo” , e assinala o sentido de “situação dramática, desesperadora, crítica” , é o último momento, última oportunidade oferecida como piedade, quando outras oportunidades foram deixadas ou esquecidas anteriormente”. Parece ser essa a finalidade do novo ministério de Mulheres, Igualdade Racial e Cidadania, a de ser a bacia das almas dos movimentos sociais.
Certamente essa concepção nunca correspondeu e nem corresponderá ao sentido das posições libertárias das mulheres, das intensas jornadas de lutas contra a ditadura como o Movimento Feminino pela Anistia, da incansável militância das mulheres feministas, trabalhadoras do campo e da cidade, das mulheres negras, lésbicas, das donas de casa, das empregadas domésticas, das mulheres sindicalistas, enfim esse universo que contêm nada mais, nada menos que a maioria da população. No entanto, não tem direito a um ministério próprio com a capacidade e a finalidade de encaminhar as suas próprias demandas.
O patriarcado, o atraso, a prepotência e a covardia se impuseram com total virulência debilitando as ilusões e as utopias de um país mais justo, igualitário e prazeroso de se viver.
Os abomináveis espectros do autoritarismo e da arrogância venceram.
Até quando, vamos assistir a esse espetáculo deplorável?
Até quando deixaremos bloquear o futuro?
Fonte: Blog Clair Castilhos
Foto: Rede Feminista de Saúde