Em busca de novos mercados, o Mercosul voltou seus olhos para uma das regiões mais carente do Oriente Médio: a Palestina. Há expectativa de que um acordo de livre comércio entre as partes seja oficialmente firmado na próxima reunião de cúpula do bloco, em Montevidéu, que ocorrerá no final de dezembro.
O acordo, entretanto, ultrapassa a esfera comercial. As negociações são permeadas pelo apoio político dado pelos quatro países-membros do bloco (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) ao pedido de reconhecimento da Palestina como Estado pleno da ONU (Organização das Nações Unidas).
“Queremos adensar nossas relações e vamos além do plano retórico de apenas apoiar o povo palestino para fazer isso de uma forma mais concreta, adensando as relações comerciais”, afirmou o Conselheiro Francisco Cannabrava.
Cannabrava é chefe da Divisão de Negociações Extra-Regionais do Mercosul, do Ministério das Relações Exteriores, em entrevista ao Opera Mundi durante o Encomex (Encontro de Comércio Exterior) Mercosul, em Curitiba.
Confira a íntegra da entrevista abaixo:
O Tratado de Livre Comércio com a Palestina, citado em sua palestra, partiu de algum país em especial ou foi do bloco como um todo?
Foi do grupo como um todo porque o Mercosul já tem acordos de livre comércio com Israel e Egito. Portanto, já tínhamos uma presença no Oriente Médio. Foi sob consenso que nós decidimos lançar negociações com representantes da Palestina.
Quando foram iniciadas as negociações?
Neste ano. Não envolveram uma grande complexidade de temas. Houve uma rodada recente em Ramallah (sede da Autoridade Nacional Palestina), e nós esperamos fechar esse acordo, se possível, já na próxima Cúpula do Mercosul.
Qual a importância desse acordo para a Palestina e também para o Mercosul?
Obviamente, a Palestina não é um mercado tão grande quanto a União Europeia, Estados Unidos ou China. Mas esse é um acordo que tem, sobretudo, um significado político. Do lado da Palestina, é importante diversificar as suas relações. É necessário, por menor que seja o mercado local, que haja condições de acesso preferencial para um mercado que está crescendo. Nós certamente temos condições de receber muitos produtos que eles vendem. Por mais que não seja uma pauta tão diversificada, faz diferença para o povo palestino.
Do lado do Mercosul, é um gesto político. Esperamos que isso possa contribuir para que a Palestina possa ter um futuro mais coeso, pacífico e em harmonia com sua vizinhança. Portanto, é um acordo sobretudo político.
Sendo um acordo político, houve de alguma forma pressão de Israel ou dos Estados Unidos para que esse acordo fosse repensado ou até mesmo cancelado?
Não, absolutamente. Não houve nenhuma pressão, nem direta e nem indireta. Nós negociamos por interesse próprio e não houve interferência de nenhum outro país.
Por meio desse acordo, quais produtos poderiam ser comercializados pelo Mercosul e pela Palestina?
A Palestina tem produtos que são típicos de sua região, como azeites, por exemplo. Além disso, há alguns poucos manufaturados, que podem ter uma capacidade de absorção no Brasil e no Mercosul. É uma capacidade para que a Palestina possa exportar. São produtos específicos, como móveis, que podem ter algum valor agregado e, dessa forma, contribuir para que o setor produtivo local possa se beneficiar.
É um acordo que dará força à Palestina economicamente?
O sentido é de traduzir esse apoio político que o Brasil e seus sócios já dão à Palestina, em um gesto comercial. O comércio tem esse benefício de fortalecer laços entre países. É, de certa forma, a transformação de um ato político em algo comercial. Queremos adensar nossas relações e vamos além do plano retórico de apenas apoiar o povo palestino, para fazer isso de forma mais concreta, adensando as relações comerciais.
E qual é a expectativa do Brasil para esse tratado?
Nós esperamos que seja um acordo que possa ampliar as nossas relações comerciais. Não achamos que é necessário ter uma estratégia comercial muito definida antes de concluir o acordo. Precisamos esperar para ver como o acordo será definido, para vermos como trabalharemos com esse acordo.
Quando deve ser aprovado esse acordo?
Se tudo der certo, ao final deste mês na Cúpula do Mercosul [em Montevidéu].
O que você considera mais crucial nesse momento: fortalecer a relação entre os quatro membros do Mercosul ou buscar novos acordos com países de outras regiões?
É muito importante que o Mercosul fortaleça seu próprio espaço, mas esse é um processo contínuo. Nós não achamos que se deve esperar que um aconteça para que depois se inicie a etapa de relacionamento externo.
Observamos que, muitas vezes, o esforço de negociação com um terceiro país nos obriga a pensar em muitas questões internas que ainda não estavam resolvidas. Essas frentes de negociação interna têm o efeito benéfico de fortalecer o próprio Mercosul. Nós colocamos a casa em ordem, para depois negociar com outros países.
Em relação à União Europeia, que está em crise, a melhor solução para o Mercosul é se fechar e proteger os mercados internos ou, pelo contrário, investir em novos negócios com o velho continente?
Essa crise para a União Europeia é complexa e nós não estamos imunes. O esforço de negociação de um acordo do Mercosul com a UE tem o objetivo de fazer do comércio um instrumento de crescimento econômico. Os países que estão mais envolvidos com a crise para fazer seu PIB crescer e as exportações são uma maneira de fazer isso. A possibilidade de ter acesso ao Mercosul é levada em conta pela UE. O acordo não será a solução da crise, mas pode servir como um dos instrumentos para isso. E do nosso ponto de vista, temos um interesse prioritário no acesso a mercados agrícolas.
Fonte: Opera Mundi