Por Rute Pina.
O 2º Acampamento Nacional da Juventude Sem Terra, em Corumbá de Goiás (GO), ocorre no estado onde a proporção de jovens e idosos no meio rural, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é a mais desigual. O estado registra 17 produtores idosos para cada produtor jovem.
O dado é do último Censo Agropecuário, publicado há duas semanas. A pesquisa mostrou a desproporcionalidade entre as faixas etárias dos produtores rurais: apenas 5,4% têm menos de 30 anos.
Comparado com o Censo de 2006, os dados apontam para um processo de envelhecimento da população do campo: em 2017, a participação de idosos de 65 anos de idade ou mais na direção das propriedades rurais foi de 21,41%; há 11 anos, eles correspondiam a 17,52%.
São Paulo e Minas Gerais seguem o ranking dos estados com a população rural mais velha, proporcionalmente, com 16 e 12 produtores acima de 60 anos para cada produtor jovem com menos de 30.
Os desafios que a juventude enfrenta para permanecer no campo foi um dos temas do acampamento na terça-feira (7).
Aniele de Souza Alves, de 20 anos, cresceu no Assentamento Antônio Conselheiro, no município de Theobroma (RO). Ela conta que, ao longo dos anos, viu muitos colegas saírem da cidade em busca de oportunidades de emprego, principalmente nas grandes capitais.
Ane, como é conhecida, estuda e auxilia a família na produção de derivados de leite. Ela afirma que a grande dificuldade para os jovens que decidem ficar é a falta de um sistema de educação contextualizado com as necessidades locais.
“A escola que tem lá [em Rondônia] não é voltada para a realidade do campo. Se fosse uma escola onde as pessoas, desde criancinhas, já aprendessem que o campo é um lugar bom para se viver e que eles não teriam que ir para as cidades para trabalhar, talvez eles não teriam esse pensamento”, diz a sem-terra.
É o mesmo que afirma Renata Menezes da Silva, do Assentamento São Bento II, localizado no Pontal do Paranapanema, interior de São Paulo.
“Tem muito jovens que saem dos assentamentos para estudar. Isso é muito bom para gente, porque é juventude se formando; mas é ruim que eles tenham que sair do assentamento para que isso se concretize. A ideia é que, nós jovens do campo, possamos ter acesso à educação e ensino superior a partir da nossa perspectiva”, afirma a militante.
Renata defende políticas públicas como o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera), projeto de acesso à educação superior a jovens camponeses.
O programa do governo federal, no entanto, sofreu cortes drásticos nos últimos três anos. Em 2015, os recursos para o Pronera somavam R$ 32,5 milhões, mas, em 2017, caíram para R$ 14,5 milhões. Já em 2018, o orçamento destinou apenas R$ 7,7 milhões ao programa – uma queda de 76% quando comparado a 2015.
Identidade camponesa
Para o jovem paraibano Diones Lopes, de 22 anos, o processo do êxodo rural está relacionado com a falta de identificação dos jovens com o campo. Ele mesmo só passou a se identificar como camponês quando teve contato com o movimento popular, há apenas três anos. Hoje, ele integra a Pastoral da Juventude Rural.
“Eu era um jovem rural que tinha como intuito estudar para sair do campo e morar na cidade porque o sistema, de certa forma, nos impõe isso desde o início. Depois que conheci a Pastoral, eu mudei essa perspectiva, me identifiquei como jovem e hoje busco agregar esse espaço para que a juventude camponesa possa continuar lutando para continuar no campo”, diz.
O rapaz pondera que faltam políticas públicas voltadas para quem decide permanecer no campo. “A juventude camponesa tem muita dificuldade de conseguir crédito juvenil, para que o jovem possa ter uma autonomia financeira no campo. E tem outra questão, que é a reforma agrária. Nós não temos terra. A maioria da juventude não consegue permanecer no campo porque não tem terra para produzir e estar nela, morando nela.”
Campo sem gente
O professor de Educação no Campo da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Ufersa), Melquisedeque Fernandes, afirma que é recorrente os estudantes reclamarem, também, da falta de opção de lazer no campo.
“O campo tem se tornado muito pouco um lugar de vida e muito mais um cenário de investimento de vários setores”, lamenta o professor. “O projeto de vida de permanecer no campo implica se render a essas pouquíssimas opções do que é o entretenimento.”
De acordo com ele, os projetos para as áreas rurais são prioritariamente produtivos e não pensam, por exemplo, a dimensão cultural do campo. “As políticas públicas que, de fato, pretendem alterar esse cenário de esvaziamento da juventude do campo tem que considerar, primeiramente, o campo como espaço de vida – não um espaço de empreendimento, meramente”, adiciona.
Além da falta de políticas públicas estruturais para manter a juventude no campo, Paulo Henrique Campos, do Coletivo Nacional da Juventude Sem Terra, do MST, pontua o avanço do agronegócio – e, consequentemente, a expansão da mecanização do trabalho, da monocultura, da concentração de terras e do uso extensivo de agrotóxicos – como o principal fator para a saída dos jovens do campo.
“Esse modelo de produção do agronegócio, na sua própria gênese e proposta, é para tirar e expulsar as famílias do campo. Ele não gera emprego no campo, apesar da mídia e os grandes meios de comunicação venderem essa ideia de que o agronegócio gera emprego no campo. Isso é uma falácia”, diz.
Ele pontua que os movimentos populares ligados à Via Campesina, como o MST, têm construído alternativas como as agroindústrias e cooperativas de produção, no âmbito do trabalho e renda.
“É uma luta e uma disputa permanente para ter esses espaços nos assentamentos de reforma agrária no meio rural brasileiro”, completa Paulo Henrique.
Acampamento
Com o lema “Juventude Sem Terra: organizando a rebeldia pro projeto popular”, o acampamento nacional da Juventude Sem Terra teve início nesta segunda-feira (6) e ocorre até quarta-feira (8). O encontro antecede a Marcha Nacional Lula Livre, no dia 10 de agosto. Cerca de 500 jovens do MST e outras organizações estão presentes no evento