Abusos no mercado de aluguel: A exploração de estrangeiros por proprietários de imóveis em Chapecó/SC

Por Emilene Pandolfo, para Desacato.info.

Chapecó já é uma cidade onde os aluguéis são absurdamente caros. Um apartamento pequeno de dois quartos chega a custar o total de um salário mínimo dependendo do bairro, sem contar os custos com condomínio. Além do alto valor, alguns proprietários, desconhecendo totalmente a lei do inquilinato, acreditam que eles são os únicos beneficiados por direitos considerando que o imóvel é seu, e nele podem entrar sempre que quiserem.

O inciso XI do Art. 5 da Constituição Federal determina que uma residência é local inviolável, apenas com exceção para casos onde há risco de vida, flagrante delito, ordem judicial podendo ser aplicada apenas durante o dia e por um oficial de justiça, ou com a autorização dos moradores.

Se para nós, brasileiros, já é difícil conhecer todos os nossos direitos e deveres, quem dirá para os estrangeiros que migram para nosso país. Esse é o caso da Lúcia (nome fictício), imigrante venezuelana, que em um momento de extrema necessidade, alugou uma kitinete pelo valor de R$ 1.000,00 mensais com um contrato de 6 meses. Eu li seu contrato, e fiquei intrigada quando reparei que nele, havia somente obrigações do locatário, nada mais, nem mesmo as obrigações legais do locador em conservar o local habitável por exemplo. Nesse caso nem seria possível manter um lugar habitável quando ele sequer é possível de residir.

Estive na kitinete que a Lúcia reside e vou tentar descrever em detalhes. A entrada com uma escada feita de degraus irregulares dá acesso a um corredor estreito com chão de brita, poucos metros à frente você chega à porta que não se pode chamar de porta, pois a segurança da Lúcia se trata de um painel de MDF que ela movia de uma abertura. Essa “porta” dava acesso à cozinha, onde o piso seguia sendo de brita. Lúcia me contou que o proprietário disse não poder fazer piso nessa cozinha pois ela fica em cima da fossa. Esse espaço, muito pequeno, calculo em meus limitados dons em matemática aproximadamente 4m². Ali estavam a pia da Lúcia montada com seus armários sem a possibilidade de uso pois não havia espaço para montagem deste. Ao lado esquerdo, agora sim, uma porta de ferro com grades, papelão e materiais que Lúcia usou para fechar. Dentro dessa porta, você vê um cômodo com piso de cimento, paredes de tijolo sem reboco, e um teto baixo sem forro, apenas com as telhas que protegem Lúcia e seus dois filhos da chuva e do sol, ou ao menos deveriam, pois segundo ela, seu roupeiro que ela comprou com muito custo, já estava destruído devido às goteiras.

Lúcia não quis que eu visse seu banheiro, o que é compreensível já que eu estava extremamente abalada com o que havia visto até então, além de ter sido eu mesma, agredida verbalmente e fisicamente por seu senhorio. Tudo isso com o custo mensal de R$ 1.000,00 que Lúcia tira todo mês do seu salário de R$ 1.900,00 trabalhando em um supermercado.

Essa é apenas uma, e a mais barata de quatro kitinetes que existem no local. Todas elas alugadas para estrangeiros.

Há poucos dias dela se mudar para um lugar “decente”, eu tive a infelicidade de conhecer o proprietário já que eu estava orientando-a por conta das inúmeras ameaças, grosserias e até mesmo crimes de xenofobia que esse cidadão cometeu com ela. Ela informou que não renovaria o contrato devido às péssimas condições do local, e estava buscando um lugar melhor para morar. Lúcia conseguiu um local, mas poucos dias antes de vencer o contrato, foi informada que não estaria mais disponível, então ela iniciou uma nova busca e informou o proprietário que sairia 15 dias depois da data informada inicialmente, sugerindo pagar o valor equivalente a esses dias, a partir disso a tortura psicológica iniciou.

“Vc tá de invasora, não tem contrato. Tô chegando na cidade hoje. Que ela falou não tem nada a ver conosco. Você falou que ia sair dia 5 e mandou alugar pra outro.”

“Outra valor aluguel é 1200 na quinhentos. Pega esses quinhentos reais e vai pra uma pousada até dia 20.”

Essas são duas das inúmeras mensagens de texto que o proprietário mandou para Lúcia. Em um dos áudios ele ainda diz: “Quinta-feira to aí, e eu quero sem nada aí dentro, ou se tiver eu vou mandar os caras da mudança tirar tuas coisas pra fora”. Em outra mensagem de áudio ele ainda diz: “Tem o negócio lá na prefeitura que eles recolhem vocês”

Além das ameaças de cometer crimes conforme citei acima do Art. 5 da Constituição Federal, ele mente sobre a inexistência de um contrato, e ainda se contradiz dizendo que o contrato seria até o mês 6, quando na verdade o contrato está para o mês 8.

Pouparei o leitor e a leitora dos absurdos que presenciei esse senhor cometer já que eu mesma ainda estou em choque ao saber que existam pessoas assim. O que pretendo é abrir uma reflexão sobre tudo que expus aqui, desde a habitação totalmente irregular e ilegal, até os valores abusivos de aluguéis e as ameaças como tortura psicológica.

Será que pessoas como esse senhor sabem das leis e cometem esses crimes por saber que estrangeiros e estrangeiras desconhecem seus direitos? Ou será que cometem esses crimes por eles/elas próprios/próprias desconhecerem das leis?

A opinião do/a/s autor/a/s não representa necessariamente a opinião de Desacato.info.

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