Por Patrícia Valim.
A história mostra que a campanha de abstinência sexual para a juventude do bolsonarismo é a porta de entrada para a criminalização de mães solo, como eu, e o retorno da ideia nazista de “degeneração da espécie”, que foi anunciada na esfera pública brasileira pelo vice-presidente Gal. Mourão ainda durante a campanha em 2018.
Amigxs, colegas, simpatizantes e oposição moderada: hoje, somos a maioria dos arranjos familiares no Brasil, e nunca transformei a decisão de não me casar com o pai do meu terceiro filho em uma bandeira porque sou exceção da exceção de uma regra que predomina na grande maioria das mães solo no Brasil: feminização e racialização da pobreza. No entanto, nunca deixei de chamar atenção para a necessidade de políticas públicas que tivessem a maternidade solo como recorte.
Primeiro porque essas mulheres são as que mais sofrem violências de seus companheiros e são mortas por eles e por homens próximos. Segundo porque seus filhos compõem parte significativa da população carcerária que, sabemos, cresce significativamente em tempos de prosperidade econômica. Por fim e justamente pelas razões acima, a maioria dessas mulheres continuou como o grupo social mais vulnerável mesmo depois de alguma melhora com o programa de Bolsa Família com contrapartidas dos nossos governos.
Por isso, muitas delas foram buscar no universo neopentecostal um alento espiritual, um local de diversão que também funciona quase como um clube (teatros evangélicos, coral, karaokê, bingo, almoços e jantares comunitários e reunião só com mulheres) e proteção social por meio de uma rede de ajuda Adonai que vai da cesta básica ao emprego precarizado para o filho vaporzinho no tráfico e alvo predileto da polícia.
Daí pra essas mulheres-mães-solo votarem no atual governo foi um pulo, e a ministra Damares e o bolsonarismo em geral sabem disso e jogam duro com isso. Essa realidade é facilmente comprovada por diversas pesquisas disponíveis nas redes sociais, no entanto tem sido tangenciada por parte da esquerda que é contra a construção de uma Frente Ampla, mas não comenta sobre o caráter da conciliação petista de centro-centro-esquerda, às vezes direita, e nem comenta sobre as políticas de centro-direita dos governos petistas aqui no Nordeste. E agem assim porque estão bem longe da mira da necropolítica bolsonarista: são homens brancos, acima dos 50 (com alguns xovens conferindo legitimidade), com casa, comida, roupa lavada por (alguma dessas mulheres), têm dentição completa, filhos na escola privada e acham que Segurança Pública é problema da Polícia Militar.
O bolsonarismo pra esse grupo de homens “dirigentes” não é uma ameaça – razão pela qual eles apostam no desgaste bolsonarista e agora são contra a qualquer aliança com setores democráticos. Mas sabemos que não há vida fácil na esquerda quando essas mulheres-mães-solo com seus filhos estão na linha de frente da criminalização bolsonarista.
Minha questão, com tom de apelo, é: precisamos construir uma Frente Ampla e com muita urgência. Precisamos também construir um projeto de Brasil de centro-esquerda no qual essas mulheres e seus filhos sejam os principais contemplados nas políticas públicas. Não haverá retomada possível e derrota do bolsonarismo sem a construção de uma Frente Ampla e sem acolher essas mulheres e seus filhos.
A luta, senhoras e senhores, não é simples, só está começando e promete ser longa e dura, sobretudo porque para essas mulheres, nós, mães-solo, a própria existência já é resistência. A própria família solo, monoparental feminina, já é desobediência civil em regimes de exceção.
A dificuldade para a esquerda ter acesso à população despossuida é o boicote dos meios de comunicação, não só a mídia tradicional, mas até o Facebook e o wattsapp dificultam a divulgação de mensagens.