Por Deborah Bonello.
Relógios, sapatos e DVDs contrabandeados. Drogas. Pessoas. Armas. Justiça. Não tem nada que o dinheiro não possa comprar em Tepito, um dos bairros mais barra pesada da Cidade do México.
Mas numa manhã de domingo recente, o mercado local, que normalmente conta com centenas de vendedores com todo produto que você possa imaginar, estava mais vazio que o normal. Barracas estavam abandonadas porque alguns vendedores não conseguiam mais pagar a taxa de extorsão exigida pelo La Unión, o cartel local.
Pode parecer apenas um problema localizado num país devastado pela violência dos cartéis. Mas na Cidade do México, vista como um relativo paraíso seguro da influência dos cartéis, os acontecimentos em Tepito estão fazendo alguns dos moradores com quem a VICE falou questionarem a suposta imunidade da cidade na guerra às drogas no México.
Mês passado, Raymundo Pérez López, chefe de uma associação que diz representar centenas de negócios informais no centro da Cidade do México, fez uma declaração pública pedindo às autoridades para ajudar a combater as extorsões do cartel que estão devastando seus lucros.
Numa carta enviada à promotoria da cidade, assinada por mais de 240 comerciantes locais, a associação alertava: “Quem não abandonou seu negócio continua a sobreviver com uma pequena margem de lucro, que se torna mais miserável a cada dia. Tudo tem um limite”.
Alguns negócios locais não suportam mais as extorsões do La Unión. O minicartel está diversificando do tráfico de drogas e venda de armas, e apertando o laço ao redor dos comerciantes locais. Agora, para complicar ainda mais as coisas, comerciantes de Tepito estão falando em criar seu próprio grupo de proteção.
“Eu não ficaria surpreso se os comerciantes formassem seu próprio grupo de defesa, considerando a lentidão e inação das autoridades”, dizia López. É uma ameaça, não uma promessa, mas é um novo marco na guerra às drogas de décadas no México.
Não levou muito tempo para López ser silenciado. No sábado seguinte, ele foi baleado sete vezes enquanto entrava em seu carro num subúrbio ao norte de Tepito, segundo a mídia local.
Grupos formados contra os cartéis, conhecidos como autodefesas, vêm emergindo por todo o México na última década, com comunidades pegando em armas nos estados mais violentos, como Michoacán e Guerrero. Eles ganharam fama com a mídia local e internacional, com fotos de homens mascarados portando armamento pesado em postos de controle improvisados, dizendo estar se protegendo de gangues violentas que querem controlar rotas, mercados de drogas, extorsões e furtando recursos locais como madeira. Mas a reputação deles é mista. Em alguns estados, eles estariam trabalhando com, não contra, gangues locais.
“A possibilidade de grupos de autodefesa na capital é um sinal terrível, porque mostra a incapacidade das autoridades de estabelecer a ordem”, disse Juan Francisco Torres Landa, do grupo Mexico Unido Contra de la Delincuencia.
Não são só as extorsões que estão saindo do controle na Cidade do México, uma enorme capital que é lar de mais de 20 milhões de pessoas. Assassinatos na cidade atingiram níveis sem paralelos.
Rivalidade entre grupos criminosos por tráfico de drogas e plazas (territórios) está gerando o tipo de brutalidade que normalmente só era vista nas províncias. Foram mais de 250 homicídios na cidade nos primeiros três meses do ano, cerca de 35% mais que no mesmo período do ano passado, e 75% mais que em 2016. Essa onda na Cidade do México reflete uma tendência nacional: por todo o país, os assassinatos têm aumentado quase 10% de ano para ano.
A natureza flagrante de alguns dos homicídios na capital é especialmente incomum. Em setembro do ano passado, atiradores vestidos de mariachiabriram fogo na Plaza de Garibaldi, um ponto popular de turismo da Cidade do México. Cinco pessoas morreram e várias ficaram feridas. Em outro incidente, partes de corpos foram espalhadas pela principal artéria do trânsito da cidade em junho, possivelmente resultado da guerra entre o La Unión e um grupo criminoso rival.
Antonio Nieto, jornalista e coautor de um novo livro sobre tráfico de drogas na Cidade do México chamado NarcoCDMX, disse que a capital sempre foi violenta, mas que as coisas estão piorando notavelmente.
“Há uma tendência geral de usar violência extrema agora, o que eu nunca tinha visto antes”, ele disse. “Já vimos assassinatos, tiroteios, contrabando, venda de drogas e sicários famosos, mas a diferença agora é que eles matam e exibem os corpos. Eles os esquartejam e deixam em mantas (faixas caseiras com mensagens para grupos rivais), uma violência muito mais extrema – talvez inspirada no que está acontecendo no resto do país.”
A nova prefeita da Cidade do México, Claudia Sheinbaum, respondeu publicamente aos pedidos e ameaças dos comerciantes em Tepito, prometendo trabalhar com os locais para desenvolver um plano de ação que ajude a combater as extorsões sem recorrer à violência justiceira.
Ela está certa em se preocupar com a formação de autodefesas, porque foi assim que La Unión, os chefões atuais do crime em Tepito, nasceu dez anos atrás.
La Unión começou como um pequeno grupo de proteção criado pela comunidade numa tentativa de se defender da criminalidade, me disse Jefe Santos, um líder comunitário, comerciante e morador de Tepito, em sua pequena barraquinha de roupas. Negócios do bairro começaram a pagar um pequeno salário ao La Unión por proteção, e tinham um bom relacionamento com os membros. Com o tempo, esses pagamentos se tornaram extorsão. “Pague e não vamos deixar bandidos atacarem seu negócio” se transformou em “Pague ou nósvamos atacar seu negócio”.
“La Unión foi se tornando cada vez mais forte, e pessoas começaram a ser assassinadas”, disse Santos. “Tepito não quer mais La Unión, por causa das mortes, da violência. Hoje, muitos jovens de Tepito estão se transformando em assassinos de aluguel.”
Por enquanto, a Cidade do México ainda não conta com essas autodefesas. E o governo da cidade afirma que o crime organizado não opera aqui. Mas observadores discordam.
“Essa frase [do governo] de que não há crime organizado ou chefões na Cidade do México é inaceitável e mentira. Este é o mercado de drogas mais importante do país, então é ridículo dizer que eles não estão presentes aqui”, disse Landa.
E não é coincidência que esse pedido por socorro venha de Tepito, um dosbarrios mais notórios da capital. O local é lar de um famoso santuário dedicado à Santa Muerte, uma figura adorada por traficantes e moradores por suas bençãos e proteção. Todo mundo que procura Santa Muerte quer proteção dos males do bairro – roubo, vício em drogas e extorsão. Mas alguns moradores acham que é tarde demais para rezas.
Enquanto isso, se La Unión – que parece estar fechando o cerco com extorsões de moradores para diversificar do tráfico de drogas – não é mais bem-vindo, os membros do grupo não parecem se importar.
Apesar de várias prisões de membros do alto escalão, além do assassinato de seu fundador, o reinado do La Unión continua. Um cálculo simples dá uma ideia da renda que as extorsões oferece: as estimadas 2.500-5 mil barracas (segundo Santos) no mercado – sem levar em conta pequenos negócios informais no bairro – pagam $50MX por dia (por volta de US$ 2,60), então o La Unión está fazendo de $125 mil a $250 mil MX diariamente. Isso dá mais que US$ 13 mil. Por semana, são 1.250.000 pesos, ou mais de $65 mil americanos. Fora os lucros do tráfico, venda de armas e outras atividades criminosas.
Nieto e outros observadores sugerem que isso aponta para outros motivos por trás do apelo dos comerciantes por proteção do governo da cidade. “Durante minhas investigações por mais de dez anos, descobri que muitos líderes dos comerciantes também estão envolvidos em tráfico de drogas”, disse Nieto. “Então como saber se esses comerciantes reclamando [sobre extorsão] estão fazendo isso porque são vítimas legítimas, ou porque seus negócios ilícitos estão sendo afetados por outros traficantes e grupos criminosos?”
Essas suspeitas foram corroboradas pela recusa da associação de comerciantes em falar com a VICE sobre o pedido público de seus membros. Fomos até o escritório deles pedir uma entrevista, mas fomos recebidos com hostilidade e impedidos de sair de lá por meia hora. Colegas de López nos acusaram de termos sido mandados pelo La Unión em busca de vingança. Eles disseram que outro comerciante local tinha sido morto pelo cartel em retaliação à carta. Eventualmente, eles nos deixaram sair, sem uma carteira. Mas como Nieto sugere, é possível que o pedido de ajuda seja outra facção criminosa tentando trazer o poder das autoridades contra seus rivais, para proteger seus próprios interesses.
Santos e outras fontes em Tepito, que não quiseram ser nomeadas por razões de segurança, disseram que propor encarar o La Unión é como assinar a própria sentença de morte. Ameaçar pegar em armas contra o violento cartel dominante realmente parece ingenuidade.
A disputa pelo controle dos valiosos mercados de extorsão e tráfico da Cidade do México sugere que uma tendência afetando o crime organizado por todo o México está chegando à capital. As autoridades têm se focado na estratégia dos chefões – indo atrás de líderes como Joanquin “El Chapo” Guzman do Cartel de Sinaloa, e o ainda solto Nemesio Oseguera Cervantes, também conhecido como “El Mencho”, do Cartel de Jalisco Nova Geração – mas grandes organizações criminosas se fragmentaram para grupos menores menos hierárquicos. Sem operações centralizadas, essas organizações também diversificaram para outras atividades criminosas como extorsão e sequestro, que têm barreiras menores para a entrada.
O governo mexicano não tem tido sucesso em domar a besta dos cartéis pelo país. Com as questões na capital saindo do controle, é difícil ser otimista sobre a habilidade das autoridades de resolver as coisas lá. Tepito é só uma das zonas urbanas problemáticas controladas por cartéis, e sua evolução criminal vai servir como um exemplo para a cidade. Se o estado realmente decidir lidar com o problema, não será tarefa fácil.
Jorge Vega, um ex-campeão de boxe também nascido em Tepito, disse que não ficou surpreso com o assassinato de López. “La Unión o matou porque ele não queria cooperar. Tepito vem passando por isso há anos… Você não pode mudar as coisas. Se você fode com o barrio, o barrio fode com você.”