Por Clarissa Peixoto
Terminei de ler Presos que menstruam: a brutal vida das mulheres – tratadas como homens – nas prisões brasileiras, lançado em 2015. O livro é uma bela reportagem que percorre, de norte a sul do país, as unidades prisionais que recebem mulheres. Trata do cotidiano nesses locais, da brutalidade do sistema carcerário brasileiro e nos permite acessar com verossimilhança uma realidade escamoteada por trás de muros de concreto, mas também de desinformação e preconceito.
De acordo com o livro-reportagem de Nana Queiroz, dados do Ministério da Justiça dão conta que entre 2007 e 2012 a criminalidade entre as mulheres cresceu 42% e os delitos mais comuns são os que podem ter como objetivo a complementação da renda.
No interrogatório, Marta chorou, jurou que Márcia não sabia nem dizer o que eram drogas. Estava tão nervosa que embaralhou o discurso. E a inocente Márcia, que estava ainda amamentando o primeiro bebê, pagou por sua falta de habilidade ao falar. A pior pena de Marta foi a culpa pela prisão da irmã caçula. A prisão é uma experiência em família para muitas mulheres no Brasil […] Em geral, é gente esmagada pela penúria, de áreas urbanas, que buscam o tráfico como sustento. São, na maioria, negras e pardas, mães abandonas pelo companheiro e com o ensino fundamental incompleto.
A realidade dessas mulheres é agravada com a cadeia. Nos relatos que podemos acessar neste livro, não é possível presumirmos uma vida melhor para elas depois que saem dos presídios, senão por obra da sorte. O enfrentamento das pesquisas formais com o cotidiano nas unidades prisionais descrito por Nana, somado aos relatos das detentas, demonstra as contradições do estado que é negligente com essas mulheres antes mesmo que elas se envolvam no crime, assim como é também omisso e violento, impedindo na prática aquilo que defende em teoria sobre a reintegração à sociedade de quem já cumpriu a sua pena.
Em síntese, esta leitura faz perceber que as mulheres pagam mais do que deveriam pelos crimes que cometeram. Todos os ambientes relatados neste livro são ruins. São humilhadas, expostas a condições insalubres, negligenciadas no cuidado com a saúde, largadas para morrer. Fica a pergunta: como ressocializar alguém que já teve uma vida tão dura e que, por isso, enfrenta essa situação ainda pior? Esta reportagem coloca luz sobre as estatísticas e humaniza nosso olhar sobre a questão. Nesse sentindo, existe um esforço da autora em trazer a tona as histórias de mulheres reais sem estereotipá-las, tentando não cair na vitimização, tampouco na criminalização.
Mas, o duro mesmo é quando tentamos nos colocar na situação da outra. Na ficção, muitas vezes, nos emocionamos com as personagens, vivemos as suas angústias. Na vida real, rotulamos, determinamos padrões e práticas, definimos quem age certo e quem age errado. Presos que menstruam é também jornalismo literário e, como num contos ou numa novela, me fez adentrar na narrativa, me envolver no cenário, me tornar de certa forma uma personagem. O que faria nesta situação? Qual seria minha versão dos fatos? Como me sentiria? Quantas vezes choraria? Quanta raiva ou tristeza? Culpa? Ódio? Desejo de vingança? Do conforto do meu travesseiro, a cabeça não pára de pensar na Julia, na Vanessa, na Safira, na Gardênia, na Camila. Como poderei esquecê-las?
Todos os dias ouvimos (e assimilamos) discursos que apontam o dedo na cara das pessoas, principalmente da mulheres. Ratificamos o discurso da violência, presumimos um padrão adequado, determinamos regras morais. A quem elas servem? Será mesmo que servem? Será que são elas a solução para este mundo que visivelmente fracassou no que diz respeito à solidariedade, à dignidade e à justiça?
Vanessa não conhecia coisas básicas. Nasceu na rua, começou a usar craque aos sete anos. Grávida adolescente viu a filha uma vez e não esquece. A menina foi adotada por outra família, nunca a terá de volta. Cumpriu a pena e votou pra rua. Faltou tudo, faltou apoio.
Fonte: Para não desaprender