Por Elissandro Santana, para Desacato.info.
A motivação para a reflexão na coluna “A outra informação” desta semana no Portal Desacato surgiu a partir da estupidez e da maldade no facebook contra um amigo chamado Budke, mas que poderia ser contra vocês, caríssimo/a leitor e leitora, aliás, contra qualquer de nós.
Budke foi adjetivado como escroto, machista, racista, maldito e nojento em decorrência de uma postagem simples acerca de como ele se sentia tranquilo quanto ao fracasso de certo candidato fascista cujo nome eu não pronunciarei, pois ao fazê-lo daria notoriedade ao ser odioso. Sem contar que quanto mais mídia ele alcançar, mais sequazes conquistará em meio à histeria na qual se encontra o Brasil.
A postagem de Budke representava uma espécie de agradecimento e de alívio por saber que o Brasil possui uma população majoritariamente feminina e negra, fator que impediria a vitória de um candidato que, sem escrúpulos, de forma aberta, é contra essas categorias sociais, sem contar o ódio que destila em relação a outras minorias como a população LGBT.
A partir da postagem e dos adjetivos pejorativos direcionados a Budke, ficou em evidência que o país tem problemas seríssimos de interpretação e sabemos onde a incompetência com textos sejam orais, imagéticos ou escritos, pode nos levar. Ao caos sem fim, ao eterno ciclo do desespero político, tendo em vista que essa mesma gente com problema de compreensão e de intelecção vota e interfere em nosso destino no país.
A confusão intelectiva nos faz pensar a questão, pelo menos, a partir de duas vias analíticas – ou o design mental de muitos dos que atacaram Budke (Budke somos todos nós) arvora-se na maldade em latência (seguidores de fascistas por meio da inversão de semânticas para uma bacanal generalizada no país) ou existe uma arquitetura mental ancorada na estupidez mesmo, dada a incompetência na interpretação de uma construção discursiva pontual tão simples em apenas três linhas (Essa foi a extensão do texto postado pelo meu amigo). Com isso, tem-se que o ataque à página de Budke é somente uma amostra recorrente do que se dá em outros milhares de perfis pensantes em todo o país, e que, por isso, mesmo, deve ser combatido.
Feita a apresentação do problema, externo que para a análise que pretendo elaborar ao longo deste texto em torno da urgência do combate à estupidez e à maldade no Brasil, faz-se necessário recorrer a vários pensadores, dado a complexidade da questão, por isso, inicialmente, recorrerei ao que afirma Rubens Casara no artigo “Um problema mental da Nação”, publicado na página Viomundo: Os discursos de ódio, a dificuldade de interpretar um texto, o desaparecimento das metáforas, a incompreensão das ironias, a divulgação de notícias falsas (ou manipuladas) e o desrespeito à Constituição são fenômenos que podem ser explicados a partir de uma única causa: o empobrecimento subjetivo. Empobrecimento que se dá na linguagem. Alguns chegam a falar na “arte de reduzir cabeças”, outros no encolhimento das mentes. A linguagem sempre antecipa sentidos. Uma linguagem empobrecida antecipa sentidos empobrecidos, estruturalmente violentos, pois se fecham à alteridade, às nuances e à negatividade que é constitutiva do mundo e se faz presente em toda percepção da complexidade.
É evidente que todo esse quadro faz parte de um projeto de idiotização das massas a través do Estado opressor, das elites capitalistas e da mídia a serviço dessas duas instâncias. Acerca dessa discussão, é oportuno recorrer ao artigo “A idiotização da sociedade como estratégia de dominação”, de Fernando Navarro, quando ele, ao discorrer sobre o entretenimento do vazio, afirma que o sistema estabelecido é muito sutil e que, com suas estupidezes, forja nossas estruturas mentais ao usar o púlpito que todos temos em nossas casas: a televisão. Nela não há nada que seja inocente; em todos os programas, em todos os filmes, em todas as notícias, sempre inculta os valores do sistema estabelecido, e sem perceber, fazendo com que as pessoas acreditem que a vida real é assim. Desta forma, introduz os valores que se deseja em nossas mentes.
É interessante interseccionar o episódio do ataque a Budke no facebook com o que apresenta Fernando Navarro para compreender como funciona a arquitetura mental dos esvaziados de consciência que se tornam haters políticos de plantão nas redes sociais disfarçados de amigos, mas que, ao fim e ao cabo, só querem destilar ódio na mistura entre maldade e estupidez de ações.
O fato é que, após a confusão, meu amigo teve que fazer notas de rodapé para a reflexão de três linhas diante dos problemas sérios de interpretação de alguns. Ele, de forma polida, educada e com a humildade que lhe é inerente, teceu as seguintes observações: 1: Não, não estou sendo racista ou machista! Leia novamente… Se houver erros de português, corrija-me, por favor, 2: Sim, realmente dou graças a Deus por que a maioria das mulheres e dos negros não irá votar em um candidato fascista, mesmo que Deus não tenha nada a ver com isso e 3: Por outro lado, sim, luto contra o machismo que resta em mim e aceito qualquer crítica não ofensiva!
Toda a parafernália causada pela maldade ou estupidez na postagem de Budke me fez retomar duas obras que li há algum tempo: “Allegro ma non troppo”, do historiador italiano Carlo Maria Cipolla, publicado em 1988 pela editora bolonhesa Il Mulino e “Historia de la estupidez humana” de Paul Tabori.
Ao recorrer a “Allegro ma non troppo” o faço para entender o ódio discursivo no ataque a Budke, pois nesta obra composta de dois ensaios humorísticos distintos que parodiam as técnicas metodológicas da análise humanística e da historiografia[1] há elementos profícuos para refletir sobre os tipos de pessoas presentes em nossa sociedade. Nela defende-se que existem 4 tipos de pessoas vivendo em sociedade – as incautas, as inteligentes, as maldosas e as estúpidas. Tudo isso, evidentemente, não pode ser concebido a partir de perspectivas deterministas, mas como uma gama de fatores complexos, dado que os seres humanos estão em constante interação e formação.
A formação é contínua, mesmo que alguns indivíduos possuam cristalizações conceituais e pouca abertura para os ventos da mudança em circulação pelo mundo. Valendo lembrar que tudo isso é atravessado pelos fatores externos que passam pela política, pela economia, pela religião, pela mídia e por tantos outros aparelhos ideológicos a serviço do Estado e dos grandes empresários (os verdadeiros capitalistas) que são, sem dúvidas, os que dão as ordens no grande tabuleiro e esvaziam as consciências para que os atores sociais não percebam o buraco no qual se encontram.
Eu, sinceramente, acredito em mais categorizações além das mencionadas, hipótese que nesses tempos medonhos, confusos e de inversões semânticas, em que o ódio e o analfabetismo histórico-político tomam conta do Brasil a partir das redes sociais, pode ser corroborada ou constatada facilmente a partir dos graves problemas de interpretações no mundo virtual e presencial com gritos cíclicos da sociedade atacada por uma febre histórico-político-econômica sem dimensão do remédio que poderá tomar para aniquilar as causas geradoras desse mal.
Ainda na obra “Allegro ma non troppo”, são apresentadas cinco leis que nos fazem entender o modus operandi discursivo dos sequazes apoiadores de políticos fascistas no Brasil atual. No livro em baila, a primeira lei nos mostra que “sempre e inevitavelmente, cada um de nós subestima o número de indivíduos estúpidos que circulam pelo mundo”, a segunda, que “a probabilidade de que uma determinada pessoa seja estúpida é independente de qualquer outra característica da mesma pessoa”, a terceira, que “uma pessoa estúpida é uma pessoa que causa dano a outro grupo de pessoas sem obter, ao mesmo tempo, um proveito para si, e inclusive tendo prejuízo”, a quarta, que “as pessoas não estúpidas subestimam sempre o potencial nocivo das pessoas estúpidas. Os que não são estúpidos, em especial, esquecem constantemente que em qualquer momento e lugar, e em qualquer circunstância tratar e/ou associar-se com indivíduos estúpidos se manifesta infalivelmente como um custosíssimo erro” e a quinta lei diz que “a pessoa estúpida é o tipo mais perigoso que existe. O estúpido é mais perigoso que o malvado”.
Fazendo a intersecção de “Allegro ma non troppo” com “Historia de la estupidez humana” e o ataque a Budke, pode-se levar em consideração o que afirma Paul Tiburi – que ao longo da história humana, a estupidez apareceu sempre em doses abundantes e mortais. Além disso, as consequências da estupidez não são apenas cômicas, mas também trágicas. Na realidade, suas consequências negativas afetam a todos e não apenas aqueles que as sofrem. O mesmo fator que uma vez determinou perseguições e guerras, pode ser a causa da catástrofe final no futuro.
Enfim, o episódio com Budke demonstra que toda a histeria no Brasil atual tende a piorar na eleição para a Presidência prevista para outubro do corrente ano. Por tudo isso, sem dúvida, 2018 será ainda mais recheado de ódio, por isso, é preciso ser firme e forte para não ceder aos haters 24 horas à espreita dos seres com consciência, razoabilidade e, ao mesmo tempo, com sensibilidade política.
[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Allegro_ma_non_troppo_(livro)
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Elissandro Santana é professor da Faculdade Nossa Senhora de Lourdes, membro do Grupo de Estudos da Teoria da Dependência – GETD, coordenado pela Professora Doutora Luisa Maria Nunes de Moura e Silva, revisor da Revista Latinoamérica, membro do Conselho Editorial da Revista Letrando, colunista da área socioambiental, latino-americanicista e tradutor do Portal Desacato.
Sim a estupidez comanda, aos grandes lucros, é até marketing para governos insanos….
SUAVÍSSIMA
“Os galos cantam, no crepúsculo dormente… tão pra lá… além da bruma… Cecília Meireles.
Essa intervenção farão as bolsas subirem, o 1º impacto com toda a logística e operacionalização, serão de enormes custos para os cofres, tão somente, sairá do bolso do povo. Marketing para o Temer (governo sem voto).? É uma tática e estratégia muito inteligente do governo para combater essas facções que por décadas, atuam em lugares inimagináveis… Para o comum do povo que não conhece sequer os problemas e o mapa de sua própria cidade. Creio que os chefões e negócios do crime, não serão alcançados, mas os jovens envolvidos, que deveriam ter empregos dignos e educação fundamental como degrau para sua cidadania: com direitos e deveres. Esses SIM, serão abatidos intermitentemente. Não vai ser da hora para outra que tudo será resolvido. Penso que o problema estrutural da família brasileira, em especial, as de renda nenhuma, os seus filhos, têm como destino a prisão. Nada me parece estrutural, nem simétrico e nem harmônico como ‘a beleza de uma folha, que amarelecidas em conformidade com suas árvores de origem, caem ao solo’ assim falam filósofos e poetas. ( a sociedade como um todo é culpada) Nascituros, nascem aos milhares nas prisões. As mães presas, vítimas desse tráfico nas prisões dão à luz. Como serão essas populações vindouras. Serão descartados, obviamente por operações sofisticadas de extremo aparato das forças governamentais como estamos assistindo pelos discursos, justificativas que não conseguimos entender. Isto somente, será teatro ou carnaval!!
Elucidativo. Ótimo artigo. Vou compartilhar.