A unidade imprescindível

UnityPor Raul Fitipaldi, para Desacato.info.*

A cada artigo de opinião aparece algum leitor me acusando de psolista, de petista, de anarquista, trotskista, em fim, de pertencer a qualquer partido, setor, corrente ou tendência de esquerda ou progressista. Fui petista até 2002 e ajudei na fundação do Psol, de 2004 até 2005 em Santa Catarina, junto com Marco Arenhart, Tali Feld Gleiser, Juan Luis Berterretche, e outras pessoas, algumas das quais deixamos essa sigla um ano depois de fundá-la no Estado.

Sou comunista desde o início da minha juventude. Nunca senti necessidade de mudar a minha visão de classe e de mundo, minha ideologia, e sim, de atualizar as percepções, estudar mais ainda os pensadores valiosos, especialmente da nossa região, e evoluir para atualizar esse pensamento no século XXI, sem desdenhar dos fundamentos centrais e objetivando o cenário da Nossa América Latina e Caribenha.

Aprendi no decorrer de mais de 40 anos de militância (tendo acumulado toda a juventude possível nas minhas esperanças, com o que isso implica de energia, inquietude pelo novo e respeito pelo que se constrói a cada dia, com crítica e autocrítica) que o veneno mais corrosivo que nos desintegra e deforma aos esquerdistas, é a falta de unidade. Unidade na hora da ação. Unidade além dos conchavos eleitorais. Unidade nos propósitos mais importantes: libertar-nos do opressor, derrotar os imperialismos e o sistema capitalista desconstruindo as instituições burguesas e oligárquicas que os sustentam.

Unidade entre o operariado, independentemente da central sindical que o reúna. Unidade na ofensiva às estruturas legislativas e jurídicas conservadoras, muito além do partido de esquerda que nos abrigue, ou inclusive, como no meu caso, quando não temos partido algum de militância. Unidade na luta por uma universidade pública democrática, popular, universal e inclusiva. Unidade entre as lutas do campo, a periferia e a cidade. Unidade entre etnias, minorias, gêneros. Unidade latino-americana, caribenha. Unidade internacionalista nas ações defensivas e ofensivas contra o sistema criminal que governa a maioria do planeta.

Não há a menor possibilidade de vencermos com um partido só, uma corrente só, um movimento só. A oligarquia e o imperialismo são monopólicos, brutais, genocidas, dementes e perigosos as 24 horas do dia. Se não houver uma resposta unitária, ao fim da linha sempre vencerão. Não nos alcançam as vitórias pequenas, por vezes pírricas, momentâneas, inconsistentes ou morais.

Graças à resistência heroica de Cuba, e 40 anos depois, com o primeiro governo do Comandante Chávez, a América Latina e o Caribe avançaram. Criaram mecanismos de defesa fundamentais contra a agressão cotidiana imperialista e eurocêntrica, porém, hoje corremos o risco de regredir. A República Bolivariana da Venezuela, a Argentina e o maior de todos, o Brasil, estão na mira do Império, depois dos ensaios vis em Honduras e no Paraguai.

As oligarquias, as classes médias aderidas e servis, as transnacionais e o poder bélico dos Estados Unidos e Israel, conjuntados à decadente Europa, controlada ferreamente pelo Reich financeiro de Angela Merkel, querem retomar o controle pleno da região. É que nunca perderam totalmente o controle, seja através dos bancos, das grandes empreiteiras, dos capitães do latifúndio, do poder judiciário, de setores do parlamento e alguns setores das forças armadas. Sua mais mortífera arma no século XXI, até agora, são os oligopólios da comunicação comandados pela Sociedade Interamericana de Imprensa – SIP, o amplificador de todas as mentiras, as difamações, as táticas mais cretinas de aculturação, amedrontamento e dominação através da desinformação planejada, e a difusão da ‘educação’ pro imperialista.

O inimigo é forte e supera uma desordem inicial ante as sucessivas derrotas dos seus lacaios, iniciadas com a derrubada de Collor e aprofundada pelo crescimento de setores progressistas na Argentina dos Kirchner, Uruguai da Frente Ampla, a Revolução Cidadã no Equador, a Revolução Bolivariana socialista, a digníssima Bolívia de Evo Morales, e assim por diante, El Salvador, Nicarágua, etc. Os capitais, seus operadores sinistros, lançaram já nos finais da primeira década deste século, uma ofensiva pertinaz, brutal e em busca do que resta, e resta bastante ainda, das riquezas dos nossos países: petróleo, Amazônia, portos e aeroportos estratégicos, minérios, mão de obra, terra e água.

Nem todos nossos governos são iguais. Os graus de concessões ao capitalismo, às oligarquias, aos bancos privados, ao Império e a Europa ainda são grandes, sobretudo no Brasil, Chile, Uruguai e Argentina.

A situação é verdade que é a melhor dos últimos 5 séculos, mas, moderadamente. Um leitor petista criticou-nos por dizer que os avanços no Brasil foram poucos. E são poucos para 12 anos e as expectativas que gerou o governo do Partido dos Trabalhadores e se comparados com outros países da região. Mas, eles existiram e existem. Eles precisam ser aprofundados, ampliados, a riqueza precisa ser distribuída. Não acontecerá isso com ministros como Joaquim Levy, para citar um dos erros mais grotescos do governo de coalizão de Dilma Rousseff.

Há concessões em nossos países às multinacionais que exploram o setor de minérios. Agressões e deslocamentos de povos originários. Há concessão nos investimentos hidrelétricos que destroem povoados inteiros. Há concessões na adoção de sistemas de segurança impostos pelo regime imperialista, tais como a suposta luta contra o terrorismo, mesmo sabendo nossos governos que está no Império e em Israel o maior eixo de terror da história humana. Há concessões, sim, mas, não é comparável a América Latina do século XXI à do século anterior.

Para concluir o processo independentista inacabado, e antes, para manter as conquistas grandes e pequenas obtidas em uma década e meia, do enterro da ALCA para aqui em especial, a unidade da esquerda, dos trabalhadores, dos estudantes, das etnias, dos países da nossa região, em soma histórica e libertadora, precisa acontecer. E ela se constrói no dia-a-dia dos militantes de esquerda, progressistas, humanistas, ambientalistas. A unidade das ideias civilizadas é necessária para vencer o sistema bárbaro que nos agride. Essa unidade se constrói nas ruas, nas avenidas, nos locais de trabalho e estudo, nas comunidades, nos bairros, nas aldeias da Nossa América mestiça.

Essa unidade, por fim, se constrói eliminando de nós a doença do sectarismo, dos núcleos de iluminados, dos arautos da verdade única, da revolução perfeita e acética, das radicalizações retóricas e teatrais, da irresponsabilidade histórica. Essa unidade se constrói de baixo para cima, da raiz do sentimento de classe; do ventre mesmo da Terra, que pede a gritos, que clama, que estejamos unidos, que superemos as pequenas divergências formais, que fechemos o passo às vaidades e o individualismo, e que todos e todas juntos, vençamos de uma vez a lacra maldita e miserável, que por estes dias, marcha à ofensiva na América Latina toda.

* Raul Fitipaldi é jornalista e co-fundador do Portal Desacato e da Cooperativa de Produção em Comunicação e Cultura – CpCC

 Imagem: http://www.timeshighereducation.co.uk/comment/opinion/unity-through-diversity/2007780.article

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