Por Allan Kenji Seki e Olinda Evangelista.
Mais de cinco mil pessoas decidiram rejeitar integralmente o Future-se na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). A assembleia representou um dos maiores processos de mobilização política na universidade na história recente e demarcou o ressurgimento de campo de oposição radical à destruição da Universidade pública brasileira.
Nesse novo contexto de mobilização, conduzido principalmente por um corpo renovado de estudantes independentes e forças de esquerda, a reitoria viu-se obrigada a mudar sua posição favorável à negociação dos termos do Future-se tal como encaminhada pela Associação Nacional de Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES). Em nota, o Reitor Ubaldo Balthazar chegou a afirmar que o Future-se não trazia “elementos diversos daqueles já presentes no cotidiano de nossas instituições”. Além disso, a assembleia do dia 2 de setembro passado deflagrou o processo de construção de greve das três categorias (estudantes, técnicos administrativos e professores) para o dia 10 de setembro, bem como afirmou o compromisso da comunidade da UFSC com a construção da greve nacional da educação e a greve geral de todos os trabalhadores. A comunidade universitária exigiu que a Administração Central interrompesse a gestão da crise, readmitindo os trabalhadores terceirizados dispensados e mantendo todas as políticas de permanência. Essa decisão deve levar a Administração a subir o tom contra o governo federal com vistas à recomposição integral do orçamento e a fazer coro com muitas outras instituições de educação superior que vêm se colocando contra esse projeto deliberado de aniquilamento da produção científica nacional e da formação da juventude brasileira. Foi também deliberada a criação de um comitê de mobilização para dialogar amplamente com a sociedade catarinense sobre a situação das universidades brasileiras e, ainda, a possibilidade de que o vestibular seja adiado até a recomposição do orçamento da UFSC. Essa última proposta, que ainda divide a comunidade universitária, foi apresentada e defendida pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE).
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Diante da conjuntura de mobilização, a reunião do Conselho Universitário (CUn), no dia 3 de setembro, foi aberta para a comunidade, rompendo sua tradicional posição de espaço que repelia a participação democrática da comunidade da UFSC. O maior auditório do campus de Florianópolis foi vivamente tomado e o CUn aprovou a moção de “rejeição integral à proposta do Ministério da Educação expressa no programa Future-se”.
A UFSC atravessa um dos piores momentos orçamentários de sua história. Os dados demonstram que, desde 2013, ela vem perdendo parte substantiva de seu orçamento, apesar de seguir expandindo cursos, matrículas e campi (nas cidades de Joinville, Araranguá, Blumenau e Curitibanos). Se mantida a projeção do período orçamentário de 2005–2010, para assegurar a expansão pactuada com o governo federal no Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI), notaríamos que a UFSC foi desfalcada em aproximadamente R$ 3,2 bilhões em valores correntes (IPCA, julho de 2019). Este valor representaria, hoje, em tempos de ajuste violento ocasionado pela PEC 95, do teto de gastos, o equivalente à rapina de três anos inteiros do orçamento da instituição (2016–2018).
É por isso que, em todos os seus campi, podemos ver os “esqueletos” de edificações não concluídas se degradando, deterioração da infraestrutura instalada, salas de aulas sendo alagadas, forros e lâmpadas penduradas, laboratórios de pesquisas paralisados por falta de gases, refrigeradores, solventes, componentes eletrônicos e ligas, viagens de estudos canceladas e todas as políticas de permanência estudantil sendo colocadas sob grave risco de suspensão. Essa força crítica e radical que eclodiu nos primeiros dias de setembro é um alento e um acalento e muito bem-vinda porque despertou em todos nós a alegria da luta. As mobilizações experimentadas pela UFSC correu as redes sociais e demonstrou, nas últimas semanas, que não são apenas o resultado da experiência isolada da crise na universidade e institutos federais, mas da politização coletiva dessa crise em âmbito nacional.
A organização dos debates, em todos os centros, as panfletagens, as passagens em salas de aulas, os arrastões, as concentrações, os maracatus e a produção de materiais reavivou as chamas de uma militância que expressa verdadeiramente o espírito crítico da universidade brasileira. À contragosto de muitos, à direita e à esquerda, vemos essas forças escalando progressivamente as velhas estruturas resistentes demonstrando estarem à altura da história. Tal força se nutre da esperança e das experiências de tantas outras universidades e institutos federais que se posicionaram radicalmente contra o Future-se. São companheiros de luta, por exemplo, o movimento do CEFET do Rio de Janeiro e o de ocupação da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) que resistiram bravamente contra a nomeação de interventores, oportunistas que perderam as eleições em suas comunidades e negociaram nos porões mais pútridos de Brasília a cadeira de reitores em troca do apoio à destruição da educação superior pública.
Somadas, essas novas forças podem abrir o caminho para uma via de radicalização dos movimentos políticos de novo tipo, cujo horizonte extrapole a saída eleitoral como solução para a demolição econômica e cultural que assola o Brasil. Elas guardam a potência de abrir um caminho que possa inaugurar um processo de verdadeira ruptura com o passado e com essa classe dominante horrenda e estúpida à qual parecemos estar hoje condenados. O cadáver da Nova República, que alimenta o atual governo, poderá ser enfim regurgitado.
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