Por Maísa Lima.
Aluno da UFG passou por duas cirurgias após violência policial contra manifestação na greve geral de 28 de abril
O estudante de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás (UFG), Mateus Ferreira, 33 anos, recebeu a reportagem do Brasil de Fato para falar sobre a agressão sofrida pela Polícia Militar (PM) no último 28 de abril, quando participava de um protesto contra as reformas trabalhista e da Previdência propostas pelo governo de Michel Temer (PMDB).
O encontro foi no Campus Samambaia da UFG, exatos dois meses após a agressão, e Mateus, que já voltou a frequentar as aulas, respondeu a todas as perguntas, mas, por conta de sua situação, recusou-se a fazer fotos ou gravar vídeo.
Natural de Osasco (SP), o estudante de Ciências Sociais já tem curso superior em Informática, com ênfase em Gestão de Negócios. Veio para Goiânia em março de 2016 e começou a frequentar manifestações de rua em 2013, aquelas que ficaram conhecidas como Manifestações dos 20 Centavos.
Na Greve Geral de 28 de abril, enquanto exercia seu direito de protestar, foi brutalmente agredido pelo capitão da PM goiana Augusto Sampaio. Um vídeo que viralizou na internet mostra claramente a violência sofrida por Mateus, que levou um golpe de cassetete no rosto. De tão forte, a pacanda quebrou o cassetete. O momento pode ser verificado aos 50 segundos da gravação, no lado esquerdo das imagens.
Cirurgias
Mateus ficou inicialmente 11 dias internado no Hospital de Urgências de Goiânia (Hugo). Depois mais três dias para a segunda cirurgia. O primeiro procedimento removeu os estilhaços de osso da testa e o segundo colocou uma prótese “para tapar o buraco”, conta. O resultado foi uma grande cicatriz, quase em formato de coração, que ele diz não pretender retirar.
Enquanto o estudante lutava pela vida no Hugo, uma rede de solidariedade se formou em torno dele e de sua família. “Essa ajuda foi muito bem vinda. Em nenhum momento o Estado se manifestou para prestar qualquer auxílio”, lembra Mateus.
No entanto, a outra face da moeda foi o assédio. “Às vezes acho positivo. Depende do canal e das perguntas. Já participei de rodas de debate sobre violência após o ataque. São comuns as abordagens na rua também. As pessoas querem saber como estou. Eu até lido com isso com tranquilidade. Mas o fato é que minha vida mudou”.
“Agora todo mundo me conhece e isso gera ansiedade”
Após a agressão do capitão da PM goiana, Mateus foi catapultado para uma fama indesejada. “Agora todo mundo me conhece. Isso gera ansiedade. Isso deixa um peso. Sempre vou estar relembrando essa violência e nem sempre você está tranquilo para abordar o assunto”.
Se por um lado a agressão sofrida por parte da PM despertou a indignação e a solidariedade de muita gente, por outro há muitas pessoas que têm aversão aos movimentos sociais e externalizam esse ódio em comentários ácidos pelas redes sociais.
“Rola uma desqualificação do sujeito como atuante político. As forças conservadoras não querem perder seus privilégios, então tentam te diminuir. Aí você vira só o cara que tem 33 anos e ainda está estudando ao invés de trabalhar”, relata Mateus, que fez o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e passou para a UFG e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mas optou por Goiânia.
Militância
Mateus diz se considerar um militante. “Sempre tive a preocupação de conhecer melhor as ciências políticas. O que mais me incomoda é a desigualdade”. O estudante cita a teoria rousseauniana da propriedade privada e o consequente surgimento da desigualdade social. “Rousseau, que era um liberal, dizia que a propriedade privada estabeleceu uma superioridade e uma desigualdade entre os homens”, comenta.
Jean-Jacques Rousseau foi um importante filósofo, teórico político e escritor suíço. Nasceu em 1712 em Genebra e morreu 1778 em Ermenoville, na França. É considerado um dos principais filósofos do Iluminismo: suas ideias influenciaram a Revolução Francesa (1789).
Rousseau escreveu uma obra chamada “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens“, onde defendia que o homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe. O homem corrompido passa a agir com a força, transformando o Estado em uma sociedade violenta, criminalizada e obscura, sem justiça social.
Partindo desse princípio de que o mal é a propriedade privada, Mateus pontua que a democracia brasileira não criou mecanismos para a efetiva participação popular. “É oligarca”, afirma, entendendo que poder é exercido na sociedade brasileira é exercido por um pequeno grupo de pessoas.
“Não me lembro de nada daquele dia”
Embora Mateus Ferreira afirme que não ficou com sequelas da agressão sofrida, o estudante diz não se lembrar dos fatos ocorridos na data, o fatídico dia 28 de abril. “Só sei o que me contaram e o que vi depois em vídeo e nas redes sociais. Fui socorrido por manifestantes, que tiveram de me carregar até a ambulância. Da PM, não recebi socorro nenhum”, relata.
O estudante diz que o socorro deve ter sido rápido, já que a agressão foi por volta das 12 horas e às 13 horas ele já havia dado entrada no Hospital de Urgências de Goiânia. “Só lembro do impacto do cassetete na testa. Mais nada.”
Segurança
Atualmente a segurança é uma das maiores preocupações de Mateus. “Tenho cuidado com a exposição. Dá medo. Existe um ódio rondando os militantes sociais. Mas minha rotina é a mesma”, conta.
O estudante diz sofrer de enxaqueca, “mas já tinha antes”. Hoje, Mateus tem de fazer acompanhamentos médicos frequentes, principalmente quanto à visão. “Sinto um reflexo no olho esquerdo e faço fisioterapia no ombro. O golpe também quebrou a minha clavícula”, lembra.
Mateus voltou a frequentar as aulas de Ciências Sociais, mas o processo não é tranquilo. “Tenho de recuperar um mês de conteúdo e agora existe toda uma rotina de médicos, advogados, de pessoas que querem falar comigo. Tenho que pensar em me recuperar – ainda tenho fraturas na face – e também na minha segurança”, pontua.
Inquérito
Desde a divulgação do vídeo da agressão, o capitão da Polícia Militar (PM) Augusto Sampaio foi afastado do patrulhamento das ruas e está exercendo atividades administrativas enquanto o Inquérito Policial Militar (IPM) que investiga sua conduta não é concluído. Em entrevista a uma televisão de Goiânia, o comandante geral da PM-GO, coronel Divino Alves de Oliveira, admitiu que houve excesso.
A Polícia Civil também investiga o caso, a pedido do Ministério Público de Goiás. “Já prestei depoimento na Polícia Civil e na PM e vou processar o estado de Goiás”, informa Mateus, que por enquanto diz que não vai participar de manifestações de rua, por uma questão de segurança. “Mas posso ser um ator político de outras maneiras. Me preocupo com as causas sociais e o sistema político brasileiro. Espero contribuir de várias formas”, conclui.
Edição: Camila Rodrigues da Silva
Fonte: Brasil de Fato.