
Redação
No debate que transcorre entre as bravatas do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e as calmas e firmes respostas da presidenta mexicana, Claudia Sheinbaum, a imagem desta última se destacou por cima de todos os outros presidentes da América Latina. As pesquisas feitas com a população mexicana, depois de 4 meses de mandato, dão o aval às ações da presidenta. Fora do país, nas redes sociais, Sheinbaum tem sido aplaudida por pessoas de diversas partes do mundo. Tem uma liderança regional nascendo?
Sobre esse enfrentamento entre Sheinbaum e Trump, o jornalista e apresentador do Portal Desacato, Raul Fitipaldi, conversou com o Jornalista e professor da Universidade Nacional Autônoma do México – UNAM, Armando Carballal Cano*
A seguir a transcrição desse importante e esclarecedor diálogo, muito importante para entender melhor as ações de Sheinbaum e o pensamento do povo mexicano na atual conjuntura geopolítica, provocado pelo retorno de Trump à presidência dos Estados Unidos.
R.F. A presidenta, Claudia Sheinbaum, em diversos momentos de seu ainda breve mandato, alcançou notoriedade por suas posições firmes, afirmou com calma e clareza. Nos últimos dias, recebeu aplausos nas redes sociais pela forma como enfrentou os ataques de Donald Trump contra o México. Sheinbaum terá condições de continuar com esse perfil ao longo de seu mandato?
A.C.C. Parece-me que a Presidente Claudia Sheinbaum segue uma política de diplomacia calma. Fria, apegada aos princípios do realismo político e também do realismo nas relações internacionais. E com base no círculo particular de ganhos económicos e geográficos que o México tem e partilha com o Canadá. Mas estamos preocupados com o México e no contexto da sua relação bilateral com os Estados Unidos.
Aa pesquisaa mais recentea colocam Claudia Sheinbaum em torno de 82%de aprovação de seu mandato. Na verdade o tempo é muito curto, ela só tomou posse nos primeiros dias de outubro. Então estamos falando dos primeiros 100. É um pouco cedo para saber até quando este apoio popular se manterá. Dependerá das condições internas e das condições externas.
Qual é exactamente a base deste apoio popular e, portanto, também desta posição de legitimidade que a presidenta tem quando confronta as políticas de Donald Trump? Terá a ver com vários fatores. Um deles é a situação económica do México como em todos os países latino-americanos. Sempre existe o risco da população perder poder de compra por questões inflacionárias ou outras circunstâncias. No entanto, as condições económicas permaneceram pelo menos estáveis nos últimos anos e nestes primeiros meses.
Há uma percepção de autoeficácia, unidade e legitimidade. Sheinbaum manteve uma posição firme e não conflituosa. Deixando claro quais são os interesses do México, as possibilidades do México, mas também fazendo um pedido para que o trabalho seja feito do outro lado da fronteira, coordenado. Não baseado apenas na subordinação ou na dominação. Portanto, tem de haver um processo de negociação porque os problemas com os Estados Unidos são partilhados em ambos os lados da fronteira.
Deveríamos falar precisamente de dois fatores que Claudia Sheinbaum referiu: o fato de que do outro lado do muro ou da fronteira também devem existir gangues criminosas. E gangues de narcotraficantes, não mexicanas, mas americanas, que distribuem justamente todos os entorpecentes e fentanil para o resto do país. Isso, por um lado e, em segundo lugar, também, a importância vital para o México e para a segurança no que diz respeito à venda legal ou ilegal de armas não leves, mas de alta potência, que acaba por atingir as organizações criminosas que operam no lado mexicano, ou seja, as armas são vendidas, essas armas chegam.
As drogas são distribuídas nos Estados Unidos, mas nós fornecemos a quota de sangue e a defesa de Claudia tem sido feita precisamente sobre esta questão. Sheinbaum é uma pessoa que vem do setor científico da Universidade Nacional Autônoma do México e tem uma forma muito clara, sem hesitação e didática, de explicar com precisão quais são as responsabilidades de cada parte.
R.F. ¿Cómo ven los familiares de los mexicanos deportados por Trump la actitud de Sheinbaum? ¿Concuerdan o prefieren que no haya enfrentamiento com el presidente norte-americano?
A.C.C. Bem, primeiro, a incerteza. Quero dizer, é claro que existe medo, existe incerteza. Há um pouco de ansiedade, medo, é claro. Os laços familiares, dos dois lados da fronteira, como você pode imaginar Raúl, são extensos e profundos. E isso é comumente dito e é um lugar-comum, mas vou repetir, para praticamente qualquer família no México.
Pois bem, há familiares que estão legal ou ilegalmente nos Estados Unidos, com ou sem documentos. Eu mesmo tenho pelo menos alguns primos que moram nos Estados Unidos; uns com o privilégio de ser cidadãos. Outros estão apenas para trabalhar, como fazem milhares de pessoas. São mexicanos do outro lado da fronteira.
É claro que há consciência de que não é algo causado pelo México, é uma decisão unilateral. Mas também soberana dos Estados Unidos, com as características violentas e indignas com que surgiram precisamente estas circunstâncias. Ora, o México viveu, tem vivido processos migratórios em diferentes ondas ao longo das décadas. Em relação aos Estados Unidos, portanto as questões das deportações não são algo estranho. O que é escandaloso, e esse é, parece-me, um sentimento partilhado por milhões de mexicanos, são as circunstâncias de pouca dignidade, as condições em que estas deportações ocorreriam precisamente. Há rejeição à adjetivação e a estigmatização que o presidente Donald Trump faz não só de qualquer migrante, mas de todos os migrantes, dando-lhes epítetos como criminosos, homens maus, como ele diz, gente má, né? Criminosos.
Isso é encorajado com discursos inflamados e palavras que tudo o que fazem é apelar ao eleitorado americano que concordará com estas bravatas e gerará, claro, medo, incerteza, receio e, claro, indignação entre o público mexicano em ambos os lados da fronteira.
R.F. O México importa e exporta de e para os Estados Unidos. Após as últimas conversas entre a presidenta Sheinbaum e Trump, este último declarou uma moratória sobre as multas tarifárias que imporia ao México nas suas exportações para os Estados Unidos. As palavras de Trump fazem parte de um espetáculo mediático ou as sanções tarifárias poderão tornar-se realidade mais tarde?
ACC. Não há certeza de que os processos de negociação conduzam a uma conclusão bem sucedida e, acima de tudo, a um acordo que seja sustentado ao longo do tempo, que seja forte, permanente e respeitado por todas as partes. Donald Trump, precisamente pela sua forma de negociar, que já temos a experiência de há alguns anos, mas sobretudo pelas características económicas da empresa daquele homem é um empresário e atua em consequência. A sua linguagem é agressiva com esta mentalidade de tubarão para impor condições para negociar, para impor condições e para negociar, mas sempre procurando precisamente a derrota retumbante ou simbólica dos rivais.
As múltiplas facetas da política interna e externa dos EUA com Donald Trump significam que nenhum processo de pausa neste caso, ou de negociação ou renegociação ou renegociação, pode levar a acordos que permaneçam prolongados no tempo. Devemos lembrar que o caso do agora chamado T. Bing é relativo ao Acordo de Livre Comércio da América do Norte. Eles até tinham outro nome. Era o NAFTA ou a CNN espanhola. Não só o nome, mas também grandes setores tiveram que ser alterados no primeiro mandato de Donald Trump, o mesmo negócio. Deve-se lembrar também que a administração anterior ameaçou não com uma ordem executiva, mas verbalmente com a imposição de tarifas, e que no final isso não aconteceu devido a um processo de negociação justo com o anterior Presidente, Andrés Manuel López Obrador.
Agora não houve apenas a verbalização dessa ameaça, mas também de uma ordem executiva que foi suspensa e colocada em pausa, produto justamente da busca por negociações. Isso está aberto a todas as possibilidades. Foram estabelecidos 30 dias para acompanhar o rumo que essas taxas ou tarifas tomariam, o que seria cumprido precisamente no dia 1º de março, já que ele havia garantido que entrariam em vigor no dia 1º de fevereiro. Portanto, a história está em aberto, a história é contestada. E precisamente isso é uma falta de certeza. Não há nada que possa fazê-lo, nem mesmo a palavra de Donald Trump.
R.F. ¿México puede asumir el liderazgo de América Latina em lugar de Brasil durante el mandato de Claudia Scheinbaum, sobre todo por la ya demostrada capacidad para el enfrentamiento com su vecino estadounidense?
A.C.C. A liderança da resistência que existe deve ser levada a cabo contra os planos que Donald Trump tem não só para o México, mas para toda a América Latina. Parece-me que essa liderança tem que ser coletiva, é muito evidente. Para nós que estudamos a América Latina, todas as peças estão sendo colocadas, as posições, as decisões, os argumentos e os personagens, a enunciação, a retórica. E tudo começa a se adequar justamente aos propósitos da nossa América e num maior intervencionismo justamente para a nossa região.
Equanto à presidenta mexicana, preciso destacar a política de comunicação e firmeza de Claudia Sheinbaum; as formas e os meios pelos quais isso precisamente ocorreu. A TV social, enquanto arma, digamos mídia, que o Governo mexicano tem, além das conferências de imprensa, eventos em que a Presidência participa. Nas coletivas diárias e matinais (Las Mañaneras) no qual responde a perguntas da imprensa e também de trabalhadores nas redes sociais digitais, durante cerca de 1 hora, uma hora e meia.
Transcrição e capa: Tali Feld Gleiser
Armando Carballal é professor na Faculdade de Ciências Políticas e Sociais – UNAM. Trabalhou como Produtor de Notícias na empresa teleSUR. Tem Estudos de Doutorado em Globalização e Multiculturalismo na instituição de ensino da Universidade de Granada. Estudou Mestrado e Doutorado em Estudos Latino-Americanos na instituição de ensino UNAM Universidade Nacional Autônoma do México Mora em Tenochtitlán, Distrito Federal, México, Xalapa.