Por Liliane Rocha e Fábio Santiago.
Em poucas palavras eu não conseguiria mencionar os diversos motivos por gostar tanto dos meus amigos, mas um dos principais é o fato de como todos são imbuídos de preocupações humanitárias e de alguma forma querem tornar o mundo um lugar melhor para todos. As divergências deixam as discussões ainda mais ricas.
Isso faz com que cada café da manhã, almoço ou simples encontro seja uma chance de também conversar sobre o mundo, a sociedade, as empresas. Assim foi no último almoço com o querido Fábio Santiago, quando começamos a falar sobre o tripé da Sustentabilidade (social, ambiental e econômico) e de que forma o advento das start-ups e o avanço do empreendedorismo no Brasil, passou a desafiar as grandes empresas a repensarem o quanto de fato querem ser sustentáveis, não somente para si próprias, mas para o mundo. A conversa foi tão estimulante que decidimos escrever juntos sobre isso, compartilhando aqui as ideias centrais do nosso bate papo.
Para que uma empresa seja Sustentável, pensar na responsabilidade dos seus processos no trato com as pequenas empresas e fornecedores é fundamental! Por todo o Brasil temos diversas indústrias se instalando, alardeando suas práticas sociais e ambientais junto à comunidade e trazendo como meta a priorização da contratação de fornecedores locais. Mas será que as empresas realmente estão dispostas a fazer o que é necessário para dialogar com o dinamismo, a diferença de ritmo e as outras peculiaridades das pequenas empresas e organizações?
É preciso grande dose de consciência e convicção por parte das grandes companhias para iniciar uma relação com fornecedores de pequeno porte. Isso porque em um país da dimensão continental como o nosso, se posicionar como uma empresa que respeita a diversidade é também respeitar os limites das pequenas organizações com as quais se relacionam, buscando entender os diferentes contextos de cada região. E por que não ensinar algumas práticas de negócios a exemplo de tanta capacitação oferecida por empresas a organizações que desenvolvem trabalhos sociais? O efeito pedagógico dessas atitudes é bom para ambos os lados.
É comum que as empresas busquem se posicionar cada vez mais fortemente como acolhedoras da diversidade, mas será que essas práticas ultrapassam as fronteiras dos seus departamentos de Recursos Humanos, de Meio Ambiente ou de Responsabilidade Social para além das pessoas? Se a resposta for sim, será que as mudanças permearam os processos internos? O que mudou nas diretrizes do Jurídico, do departamento de Gestão Financeira, por exemplo? Esses setores já passaram por um processo de sensibilização para entender as diferenças esperadas no relacionamento da empresa com os pequenos fornecedores? Será que aqueles 30, 60 ou até 90 dias de prazo para pagamento de fornecedores foram repensados e alterados para 15 nos casos de pequenos produtores ou consultores. Lembremos que esse grupo não conta com expressivo capital de giro capaz de garantir suas operações por tanto tempo após a entrega do produto ou do serviço.
E o contrato? Considera medidas de sanções adequadas ao perfil do fornecedor ou traz as mesmas cláusulas draconianas aplicadas aos mesmos fornecedores com presença no mercado mundial? Será que os grandes contratantes ainda impõem restrição aos pequenos fornecedores a divulgar sua marca em seu portfólio de clientes? Se sim, por que? Como esse pequeno aumentará as chances de conquistar mais mercado se não pode citar sua relação comercial com a grande companhia para a qual presta serviços ou vende seus produtos?
Cabe lembrar que esses ajustes operacionais não significam permitir descumprimento de prazos ou baixa qualidade de entrega. Esses acordos precisam ser feitos em nível adequado e servem como referência à pequena empresa, cujo empreendedor talvez ainda não tenha tido a oportunidade de cursar um bom programa educacional de gestão ou contratar alguém que o tenha feito.
Portanto, sem perder o objetivo de lucro e a devida remuneração de seus acionistas, uma grande empresa que queira contratar pequenos fornecedores jamais poderá deixar de considerar: 1) a capacidade produtiva: será que o pequeno consegue produzir em larga escala? 2) a capacidade de logística: será que conseguirá fazer entregas para a empresa independente da distância? 3) os valores: é muito comum que o pequeno produtor perca, por exemplo para um produto chinês mais barato, por vezes, como sabemos, produzido de forma sub-humana. 4) Contrato: desenvolver um documento com cláusulas adequadas a esse diferente perfil, entre outros.
Certa vez, em uma grande empresa varejista, ao apresentar uma pasta escolar linda, cheia de conceito, atendendo a critérios ambientais e feita com produtos recicláveis por um grupo produtivo de mulheres de uma comunidade pobre, a resposta da Diretoria de Compras foi “mas porque vou pagar um real em cada pasta dessa, se as pastas dos nossos grandes fornecedores custam dez centavos cada?”.
No final de uma conversa consciente sobre atributos e o posicionamento de Sustentabilidade e o aval do CEO que era convicto do direcionamento institucional, o projeto emplacou e as pastas socioambientais começaram a ser vendidas comprovando que discurso e prática caminham juntos nessa empresa.
Como mencionamos, as start-ups também trazem essa discussão para o centro da mesa. Outro dia em um grande evento de Sustentabilidade representantes de três start-ups de sucesso refletiam, quando uma das fundadoras manifestou uma indignação. Tem sido cada vez mais comum que grandes empresas realizem Hackathons com várias start-ups.
Em várias situações, é esperado que os empreendedores participem gratuitamente e ao longo de vários dias, pensando sobre formas de resolver problemas apresentados pelas empresas promotoras dos eventos. Essa proximidade e dedicação gratuita pode mesmo ser considerada uma parceria? Como essas empresas ganham dinheiro e rodam suas operações durante esses dias de dedicação? Claro que estamos considerando a exposição, networking e novos aprendizados, mas o foco aqui é o pilar econômico num âmbito mais imediato, nos grupos sem tantos recursos financeiros disponíveis ou sem grandes investidores por trás.
Nas consultorias as queixas são parecidas, pois uma pequena consultoria por vezes é tratada como qualquer grande fornecedor das empresas. Não raramente, o consultor demora meses para receber sua remuneração por questões burocráticas envolvendo a área financeira ou até mesmo pela falta do “aceite” do serviço pelo gestor contratante. O mais contraditório, nesse caso, é quando o contrato é firmado com a própria área de Sustentabilidade de empresas reconhecidas no mercado por sua atuação em prol do bem do planeta. Como exemplo a gente se pergunta como uma consultoria pequena, de até uns 10 funcionários, manterá salários, benefícios e outros compromissos em dia levando até três meses para receber por um serviço prestado? Nesse ponto, o pilar Econômico da Sustentabilidade não está sendo devidamente considerado.
A conclusão à qual chegamos é que pouco adianta a empresa se intitular sustentável, declarar desejo de atuar com pequenos fornecedores, se posicionar na crista da onda como apoiadora de start-ups e dentro de suas áreas administrativas e burocráticas continuar com as mesmas políticas e processos antigos. A estratégia de Sustentabilidade e Valorização da Diversidade dessas empresas não tem como se perpetuar nessas bases. Com o aumento da consciência, as pessoas – clientes ou não – ficam cada vez mais exigentes e cada vez mais atentas a esse tipo de questão.
Sobre Liliane Rocha – É fundadora da Gestão Kairós – consultoria especializada em Sustentabilidade e Diversidade. Mestre em Políticas Públicas pela FGV, MBA Executivo em Gestão da Sustentabilidade na FGV, Especialização em Gestão Responsável para Sustentabilidade pela Fundação Dom Cabral, Mestre em Coaching pela Sociedade Brasileira de Coaching, graduada em Relações Públicas na Cásper Líbero. Autora do livro “Como ser um líder inclusivo”. Mais informações sobre Liliane no site: www.gestaokairos.com.br
Sobre Fábio Santiago – É formado em Administração de Empresas pela FMU, cursou MBA Executivo em Gestão da Sustentabilidade e Gestão Estratégica de Negócios, ambos na FGV. Tem duas décadas de experiência atuando em importantes organizações que trabalham pelas causas sociais, em especial a educação, tanto no gerenciamento de projetos como em administração e gestão. Desde 2010 responde como Executivo de Administração e Tecnologia do Instituto Unibanco. Mais informações em https://www.linkedin.com/in/fabsanti/
Fonte: Envolverde