Por José Eustáquio Diniz Alves.
A redução da pobreza humana é um processo que vem ocorrendo no longo prazo no Brasil (embora a pobreza das outras espécies tenha aumentado). Avanços civilizacionais tem melhorado a qualidade de vida dos cidadãos em termos de renda, educação e saúde, especialmente depois da Segunda Guerra Mundial.
Assim, parece até piada quando setores ufanistas do PT se vangloriam de ter erradicado a pobreza e alguns ideólogos dizem que a oposição generalizada (e até o ódio) ao governo atual decorre: “do medo das elites brancas com a saída de 36 milhões de brasileiros da extrema pobreza”.
Parece que os governistas laudatórios apagaram da história o pensamento de Adam Smith (1723-1790), Henry Ford (1863-1947) e tantos outros pensadores e empresários da elite branca que sempre entenderam que a incorporação de amplos segmentos da população pobre (independente da cor) é um pré-requisito para o sucesso da acumulação de capital. O capitalismo é um sistema que necessita incorporar amplas parcelas da população ao consumo. A ampliação do mercado de bens e serviços é a base da acumulação de capital e do lucro das elites.
Não é de se estranhar, pois, que a maior redução da pobreza humana no Brasil ocorreu nos tempos áureos da ditadura militar. A pesquisadora Sonia Rocha, em texto publicado no XXV Fórum Nacional do BNDES, em maio de 2013, documentou o processo de redução da pobreza no Brasil entre 1970 e 2011. Na década de 1970, período de grande crescimento do PIB, quando ocorreram o “milagre econômico” e o “Segundo PND”, a proporção de pobres no país caiu fortemente de 68,4% em 1970 para 35,3% em 1980. Esta foi a maior queda absoluta da pobreza no Brasil e não se consta dos anais da história que a ditadura militar tenha caído devido “ao ódio das elites brancas em relação à redução da pobreza”.
O período 1980-1993 marca a longa década perdida, desde o início da crise do modelo nacional-desenvolvimentista, passando pelo desastre do governo Sarney e indo até o processo de abertura neoliberal do governo Collor. A redução da pobreza ficou estagnada e o impeachment de Fernando Collor não se deveu “ao ódio das elites brancas em relação à redução da pobreza”. Ao contrário, foi a crise econômica e a falta de redução da pobreza que contribuiu para o “Fora Collor”.
O período 1993-2003 foi marcado pela implantação do plano de estabilização e do processo de controle da inflação (Plano Real). De fato, a estabilidade de preços tende a reduzir a pobreza. O Plano Real, possibilitou que a proporção de pobres diminuísse de 30,3% em 1993 para 20,6% em 1995 e ficasse mais ou menos constante ou até apresentasse uma certa elevação depois da desvalorização cambial de 1999. Nem o capitalismo e nem as elites reclamaram da redução da pobreza neste período.
Já o período 2003-2011, a despeito de alguns anos de crise, foi marcado pela retomada do crescimento econômico, pela valorização cambial e pela mudança nos termos de troca do comércio internacional, com a valorização do preço das commodities exportadas pelo Brasil. Houve um ciclo internacional favorável com efeitos internos muito benéficos com aumento da geração de emprego no mercado de trabalho, a valorização do salário mínimo e expansão dos programas de transferências assistenciais.
Tudo isto contribuiu para aumentar a renda das famílias brasileiras em geral e beneficiar preponderantemente as mais pobres. Desta forma, entre 2003 e 2011, a proporção de pobres caiu praticamente à metade, de 22,6% em 2003 para 10,1% em 2011. Não houve movimento “Fora Lula” e nem ação de massa em decorrência “do ódio das elites brancas em relação à redução da pobreza”.
O gráfico abaixo mostra que, ao contrário do passado recente, houve, após 2012, um estancamento do processo de redução da pobreza extrema no Brasil, qualquer que seja o critério utilizado. Os últimos dados são da PNAD 2013. Ainda não foram publicados os dados da PNAD 2014, mas quando isto ocorrer (no segundo semestre de 2015) devem mostrar, provavelmente, um aumento da pobreza extrema, pois o PIB cresceu apenas 0,1% em 2014, enquanto o PIB per capita caiu 0,7% no ano. Ou seja, em 2014 os brasileiros como um todo ficaram mais pobres e a pobreza extrema deve ter aumentado. O impressionante é que isto aconteceu quando o governo tomou uma série de medidas (que comprometeram as contas públicas) para estimular a economia, sem os resultados esperados.
Em 2015, indubitavelmente, haverá estagflação, ou seja, redução do PIB e aumento da inflação. Toda a população brasileira vai ficar mais pobre e as camadas pobres vão sofrer com o aumento do desemprego e a redução da renda. Ou seja, a linha da extrema pobreza deve embicar para cima na medida em que forem sendo sentidos os efeitos do “Ajuste Fiscal” do governo Dilma, mas que a CUT chama de “Ajuste do Levy”.
Nos últimos anos houve também estagnação da distribuição de renda. Artigo de Marcio Pochmann (2006) mostra que, no Brasil, somente 5 mil famílias, de um total de 51 milhões, absorviam 45% de toda a renda e riqueza do país. Estudo realizado por Medeiros et. al. (2014), utilizando dados da PNAD e a renda declarada pelas pessoas ao Imposto de Renda, encontrou um índice de Gini de 0,696 em 2006, seguido por 0,698 em 2009 e 0,690 em 2012.
A pequena variação indica estabilidade e não queda na desigualdade brasileira. Porém, mesmo incluindo dados do Imposto de Renda, o estudo ainda não capta totalmente a renda dos muitos ricos, especialmente o rendimento das pessoas jurídicas e todo o processo de sonegação. Ou seja, o Brasil continua sendo um dos países mais desiguais do mundo.
Portanto, dizer que o “PT criou as condições para que os humildes pudessem ter acesso às questões fundamentais da vida que é o trabalho, saúde, comida” é ignorar os avanços civilizacionais que ocorrem nos 120 anos da República e que contaram com contribuições fundamentais de diversas personalidades e partidos políticos. Ou seja, a história das conquistas sociais no Brasil não teve início com o PT e nem o partido pode ser considerado como implementador de políticas universalistas essenciais, pois o acesso ao emprego, à saúde e à educação de qualidade é ainda muito precário no Brasil.
Evidentemente o PT deu contribuições importantes para o Brasil, mas o modelo neodesenvolvimentista e neocorporativista adotado tem limitações evidentes e já se esgotou. Como disse o jornalista e cientista político André Singer (FSP, 04/04/2015), sobre a dificuldade do governo Dilma em explicar o ajuste fiscal: “Estamos assistindo a uma ação deliberada para destruir o pleno emprego, considerado incompatível, pelo capital, com o investimento competitivo. Melhor mudar de política do que tentar explicar o inexplicável”.
Ainda segundo o ex-assessor do governo Lula (Singer, FSP, 16/05/20150) a situação tem se deteriorado e o sonho pode virar pesadelo: “No auge da popularidade do lulismo, a qual possibilitou a eleição de Dilma Rousseff em 2010, publiquei ensaio na revista Piauí em que sugeria a ideia de que um sonho rooseveltiano havia tomado conta do Brasil. Em resumo, tratava-se da possibilidade de integrar, em curto espaço de tempo, as grandes maiorias a padrões civilizados de vida material, com aumento substantivo da igualdade. Passados quase cinco anos daquele momento otimista, sou obrigado a reconhecer que o desejo não se cumpriu”.
Desta forma, fica claro que o Brasil passa por um momento de extrema dificuldade econômica e social. A situação pode ficar complicada se as massas (de todas as cores) sairem às ruas exigindo as maravilhas prometidas nas campanhas eleitorais que apontavam para um paraíso do consumo e para o sonho de um “país da classe média” e sem miséria. A crise atual por que passa o Governo Federal decorre da reversão de expectativas, da perda de esperanças, da restrição aos direitos alcançados e do pesadelo da volta do desemprego e da pobreza.
Referências:
ROCHA, Sonia. Pobreza no Brasil – A Evolução de Longo Prazo (1970-2011). XXV Fórum Nacional – BNDES. RJ, 13-16 de maio de 2013. http://www.forumnacional.org.br/trf_arq.php?cod=EP04920
MEDEIROS, M.; SOUZA, P. H. G. F.; CASTRO, F. A.. A estabilidade da desigualdade de renda no Brasil, 2006 a 2012: estimativa com dados do imposto de renda e pesquisas domiciliares. Septembre, 2014 (SSRN working paper). Disponível em: http://ssrn.com/abstract=2493877
POCHMANN, M. O desafio da distribuição equânime da renda e riqueza no Brasil. Economia e Desenvolvimento, v. 5, n. 1, p. 89-105, 2006. http://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/economia/article/view/3846/3058
SINGER, Andre, Explicar, como? FSP, 04/04/2015
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/andresinger/2015/04/1612267-explicar-como.shtml
SINGER, Andre. Sonho suspenso, FSP, 16/05/2015 http://www1.folha.uol.com.br/colunas/andresinger/2015/05/1629824-sonho-suspenso.shtml
*José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: [email protected]
Fonte: Portal EcoDebate