Por Priscila dos Anjos, do Maruim.
Após dez meses afastado da casa legislativa, o vereador reassume seu mandato.
“E antes de encerrar eu queria falar uma frase do Nelson Mandela, uma pessoa que também foi massacrada quando inocente”. Se antes, os 15 minutos de um discurso gaguejado e repetitivo não haviam despertado a atenção do Plenário, agora, enquanto o vereador Marco Aurélio Espíndola (PSD) lamentava a morte do líder negro, os ouvidos se aguçavam, alguém se queixava “era só o que faltava”, e as canetas se preparavam para anotar a frase que o vereador prometeu citar: “A grande glória da vida não está em nunca cair, mas em se levantar a cada vez que caímos”. E com a decisão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina que revogou a suspensão de seu mandato, Marco Aurélio, conhecido como Badeko, se levantou e voltou à Câmara Municipal de Florianópolis no dia 21 de setembro de 2015.
A “caída” de Badeko, em novembro de 2014, com a deflagração da Operação Ave de Rapina, levou-o à prisão preventiva no Complexo Prisional da Agronômica. Passado um mês, o Ministério Público de Santa Catarina substituiu a detenção por medidas cautelares, como a que o suspendeu do exercício do mandato de vereador por 180 dias. Segundo a decisão judicial que permitiu a volta de Badeko à Câmara, a não conclusão da investigação pelo Ministério Público, estendeu o prazo para mais 180 dias. A defesa apresentou então um pedido de habeas corpus ao Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que fixou um período de 60 dias para que o MPSC apresentasse a denúncia contra Marco Aurélio Espíndola. Em resposta ao TJSC, o Ministério Público afirmou que a demora é justificada pela complexidade dos fatos, grande volume de documentos e tipos penais descritos.
Mal Badeko descia da tribuna, o vereador Afrânio Boppré (PSOL) falou em seu microfone: “Questão de ordem, presidente”. Erádio Manoel, que preside a Câmara dos Vereadores, permitiu a objeção, e Afrânio solicitou a transcrição na íntegra da fala. Badeko recebeu palmas acanhadas pelo discurso, mas foi o pedido de Afrânio que deixou o clima no Plenário pesado. Há uma semana, quando Badeko voltou a exercer seu mandato, sem ainda participar das sessões ordinárias, o gabinete de Afrânio enviou à Mesa Diretora da Câmara uma segunda denúncia por quebra de decoro parlamentar dele e de Cesar Faria (PSD).
No documento, Afrânio afirma que Marco Aurélio Esspíndola havia articulado com um grupo de empresários um esquema de arrecadação de recursos em favor da aprovação do substitutivo global?—?uma versão modificada do Projeto de Lei “Cidade Limpa”?—?apresentado por Badeko. Como prova, o vereador adicionou um trecho do termo de depoimento de Pedro Aguiar Ferreira de Oliveira, empresário que denunciou Badeko à Polícia Federal. “Badeko (…) solicitava de cada empresa a quantia de R$ 100 mil, ou, não sendo a empresa de grande porte era solicitado um valor compatível com o volume de negócio da empresa. (…) Badeko foi direto ao assunto sobre os valores pagos pelas empresas de publicidade a título de propina para aprovação do projeto de lei”.
A primeira denúncia contra Badeko e Cesar Faria foi enviada ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar uma semana após a deflagração da Operação Ave de Rapina, em 19 de novembro de 2014. Quase oito meses depois, em 28 de julho, o conselho concluiu que houve quebra de decoro parlamentar por parte dos dois denunciados. Para cassar o mandato era preciso 15 votos favoráveis, mas no mês de agosto, antes mesmo de haver previsão para a votação, as defesas de Cesar Faria e Marco Aurélio Espíndola conseguiram uma liminar na justiça que impedia a votação, alegando que a denúncia formulada não atendia às exigências legais e feria o princípio da ampla defesa.
Diferentemente dos parlamentares presentes na sessão, o vereador do Partido dos Trabalhadores (PT), Lino Peres, foi o único a subir na tribuna para comentar a volta de Badeko à Casa. “A Comissão de Ética desta Casa já se manifestou e votou pela cassação do mandato do vereador Badeko. Cabe a ela julgar a ética e moral de seus vereadores. A Polícia Federal levantou provas contundentes e é uma pena que o Ministério Público não tenha apresentado queixa ainda, mas a autonomia da Câmara, em seus processos internos, deve ser respeitada. E a opinião pública concorda com isso”.
Badeko ficou pouco tempo no Plenário. Antes da sessão acabar, despediu-se de alguns vereadores e foi em direção ao elevador. A reportagem do Maruim o interpelou e, no caminho, ao elevador ele disse: “Vem, vem comigo, vem subindo, meu amor”. Na porta do elevador, Badeko ouviu a primeira pergunta: “O Afrânio, na semana passada, levantou uma segunda denúncia. O que o senhor acha disso?” Antes de responder, as portas do elevador se abriram e Badeko foi recebido com entusiasmo por um homem alto vestido de calça e camisa social: “Oh! vereador, tudo certinho meu amigo? Como é que vai a vida ai?” Badeko limitou-se a abrir um sorriso e cumprimentar o homem com um aperto de mão, apertou o número nove no painel do elevador, e voltou-se para a repórter: “Isso é um direito dele como parlamentar, mas ele não está nem respeitando a Justiça, que tem um incurso que está em julgamento. Mas faz parte do processo político ele fazer a denúncia, então a gente respeita”.
No hall do nono andar, a placa que informa quais gabinetes estão naquele pavimento consta novamente o nome Marco Aurélio Espíndola, mas há uma semana o nome escrito era o de Renato Geske. O vereador que era suplente de Cesar Faria anunciou o desligamento do Partido Social Democrático (PSD)?—?que também é o partido do prefeito da cidade, César Souza Jr.?—?no mesmo dia em que Marco Aurélio Espíndola voltou a Câmara. Sentado em um café próximo à Casa Legislativa, Renato Geske cita um trecho de um discurso que fez no Plenário: “Se o Badeko voltar, a Câmara não terá mais moral para, nunca mais, cassar ninguém. E, se ele voltar, podemos trocar o nome de Câmara dos Vereadores para casa de comércio”. Geske afirmou que vinha pensando em sair do PSD antes mesmo de saber da volta de Badeko, mas que foi a volta do vereador que consolidou a decisão. “A volta de Badeko fortaleceu a minha decisão. Desde que eu entrei, sustentei que não concordava com a possível volta dele para a Câmara”.
Para o ex-suplente, o PSD não possui um programa com temas para defender. O que, para ele, não corresponde à sua atuação como político em Florianópolis. Como exemplo disso, Geske cita sua participação naNovembrada, em 1979, e sua defesa de temas como o não armamento e a mudança na maioridade penal. “O PSD, em resumo, não tem programa nenhum, não tem uma linha de defesa, uma linha de ação, ele não tem bandeira. Na realidade, eu fui cair no PSD por acreditar que o César Souza Jr., por ser um prefeito jovem, poderia ter uma política nova. Mas, na realidade, ele é um cara novo com política antiga” completa.
Há 10 meses, em uma sessão de entrega de medalha “Zumbi dos Palmares”, no plenário da Câmara dos Vereadores de Florianópolis, indiferentes à cerimônia, repórteres de televisão, rondavam o primeiro andar da Casa, à espera da finalização, para indagar os vereadores sobre o último episódio de corrupção da cidade?—?fazia cinco dias que a operação Ave de Rapina havia indiciado vereadores a crimes contra a administração pública. Os cinegrafistas faziam imagens da primeira sessão presidida pelo vereador Jerônimo Alves Ferreira. Enquanto o novo presidente da Câmara citava o nome dos vereadores presentes, Maria de Lourdes da Costa Gonzaga recordava um nome que não seria citado: Marco Aurélio Espíndola, popularmente conhecido como Badeko. “Um cara pobre nascido aqui no morro. A nossa dificuldade, por causa da nossa cor. Se fez o que estão dizendo foi burrice, não tinha necessidade”.
Em períodos eleitorais, a aposentada não precisa descer o Morro da Caixa para ver os políticos da cidade. Sentada à mesa de sua cozinha, ela relatou o dia em que Badeko, que concorria ao primeiro mandato em 2008, fez uma visita à sua casa para apresentar seus projetos para a comunidade.
– Eu não te conhecia, cara!
– É que eu saí daqui pequeno.
– Mas que bom que você não esqueceu do Morro.
Uda votou em Badeko, nas eleições de 2008 e 2012, e foi sentada à mesa, com a novela das sete às costas, que contou como soube da prisão de Badeko. “Eu ia almoçar, daí uma mulher me ligou, e perguntou: Uda, estas vendo a televisão? Já visse o que o teu amiguinho fez?” Uda ligou a televisão, e viu a reportagem que informava a prisão do vereador.
Já Paula Bragaglia, militante do Movimento Cidade Limpa, navegava no Facebook quando soube da prisão através de uma postagem do jornal Notícias do Dia. A notícia não a surpreendeu, já que os integrantes do movimentos haviam desconfiado de algo quando Badeko apresentou um substitutivo global para o projeto de lei apresentado pelo prefeito. “Nós percebemos claramente que o substitutivo foi elaborado para favorecer as empresas de mídia externa, inclusive os próprios termos técnicos eram específicos da atividade. Parecia que uma empresa de mídia externa estava propondo uma lei” afirma Paula.
A pasta com recortes de jornais guarda notícias de 2013 a 2015, que contam parte da trajetória do Projeto Cidade Limpa, em Florianópolis. Os integrantes do Movimento Cidade Limpa categorizaram notícia por notícia, e assim também preservaram parte da história do movimento que começou no final de 2010, quando um grupo de amigos que percebeu a mudança no aspecto visual da cidade, por causa de excesso de outdoors, começou a discutir sobre a questão. Na pasta, a primeira reportagem anuncia o Projeto de Lei Cidade Limpa feito pelo prefeito em 30 de junho de 2013. As militantes Paula Bragaglia e Suzana Belo lembram que o movimento recebeu com entusiasmo a iniciativa de Cesar Souza Junior. “Essa notícia foi um alento para o nós. Pensamos: o prefeito está bem intencionado” disse Paula Bragaglia.
As últimas matérias anexadas à pasta, trazem os desdobramentos da Operação Ave de Rapina. Uma delas trata sobre a demora da denúncia por parte do Ministério Público de Santa Catarina, o que viabilizou juridicamente a volta do Badeko para a Câmara dos Vereadores. “No mínimo é estranho um vereador voltar à Câmara não podendo cumprir com papeis que lhe cabe como vereador” comenta Suzana Belo sobre a decisão que revogou a suspensão do exercício do mandato de Badeko, mas impediu o parlamentar de participar da mesa diretora, do conselho de ética e de qualquer votação relacionada ao projeto Cidade Limpa.
Foto: Priscila dos Anjos.
Fonte: Maruim