A Câmara dos Deputados aprovou no dia 5 de julho o Projeto de Lei 591/21, do Poder Executivo, que autoriza a exploração pela iniciativa privada de todos os serviços postais e estabelece condições para privatização da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), conhecida popularmente como Correios. Atualmente, a iniciativa privada participa do mercado dos serviços postais através de franquias, com os preços tabelados pela ECT. Alguns serviços, como envio de carta e telegrama, são monopólios dos Correios. Mas nos serviços de encomendas, por exemplo, o setor privado já atua. Foi aprovado na Câmara Federal um substitutivo que estabelece que o monopólio para carta e cartão postal, telegrama e correspondência agrupada ficará com os Correios por mais cinco anos, podendo o contrato de concessão estipular prazo superior.
O processo de privatização dos Correios é tão antinacional, que estão realizando a privatização da empresa em “regime de urgência”. Eles têm que fazer o processo a toque de caixa, sem nenhuma transparência. No meio de uma pandemia, onde o Brasil passou à condição de epicentro, na maior crise econômica da história, se apressam em entregar os Correios, a preços de banana, para o capital privado.
Os Correios são uma estatal bastante eficiente, guardados os limites das condições em que funcionam as empresas públicas em países subdesenvolvidos. Estão presentes, por exemplo, em todos os 5.570 municípios brasileiros. Além de entrega de correspondência e produtos, presta vários serviços em suas agências, como a emissão, regularização e alteração de CPF; emissão de certificado digital; entrada no seguro por acidente de trânsito (DPVAT); distribuição de kit da TV Digital e pagamento a aposentados de INSS. Presta também outros serviços, como emissão de carteira de identidade, em alguns estados.
Apesar de todo esse conjunto de serviços que os Correios oferecem, e sem apresentar prejuízos financeiros, o governo federal insiste em fazer caixa imediato, ignorando o fundamental atendimento à toda a população. O primeiro impacto a ser sentido será na qualidade do atendimento, principalmente nas cidades do interior brasileiro. O motivo é o fim do subsídio cruzado que permite que as cidades maiores, com maior movimento nas agências dos Correios, mantenham abertas as agências das cidades pequenas.
Segundo os especialistas no assunto a população dos grandes centros vai sentir mais a privatização no valor do frete das mercadorias. Já a população das pequenas cidades vai sentir duplamente, na demora da chegada das correspondências e também no aumento dos preços. Atualmente, as empresas privadas de entregas de mercadorias utilizam os serviços dos Correios para fazer chegar até a população que mora em locais mais distantes, pacotes de encomendas. Nesse Brasil Continente, os Correios levam dois ou três dias de barco, atravessando o Rio Amazonas para levar a encomenda. As empresas, ao invés, de montar estrutura própria para fazer isso diretamente, usam os serviços dos Correios, que sai bem mais barato.
As empresas privadas não farão isso, em função da reduzida margem de lucros, nesse tipo de atendimento. A consequência imediata será o aumento dos preços dos serviços de correios para as empresas e para a população em geral. Mesmo com a disseminação das compras via internet, os Correios continuaram ampliando o seu papel. Os livros, os eletrodomésticos, e um conjunto grande de encomendas têm que ser entregues. E os Correios fazem isso. Faz parte dos serviços da empresa a entrega de livros didáticos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), no início do período letivo, e das provas do Enem.
A Companhia vinha sendo preparada para ser privatizada desde o golpe de 2016. Recentemente fecharam o Banco Postal, serviço através do qual era possível para os moradores das pequenas cidades, onde não têm agências bancárias, nem lotéricas, fazerem seus pagamentos, sem necessidade de ir a outra cidade. Os Correios atualmente tem 99 mil trabalhadores, 23% a menos do que tinha em 2011. Ao mesmo tempo em que reduziram o número de funcionários, ampliaram o atendimento, o que já começa a precarizar os serviços prestados à população. Os atendentes do Banco Postal, para não serem demitidos acabam aceitando a função de carteiros, e no final das contas o prejuízo é da população, que demora mais em ser atendida nas agências.
Além de prestar um bom serviço coletivo, os Correios não dependem de recursos do Tesouro Nacional (é uma estatal independente). A Empresa tem dado lucro nos últimos quatro anos, no ano passado este foi de R$ 818 milhões. Portanto não dá para utilizar prejuízo financeiro como desculpa para privatizar. Além disso, não há monopólio do serviço de encomendas no Brasil, e sim livre concorrência, com várias empresas atuando.
Quase 90% das lojas virtuais brasileiras utilizam os serviços dos Correios. A maioria delas só usa os Correios, apesar de existirem no mercado centenas de competidores no serviço de encomendas. Os preços competitivos e a capilaridade dos serviços dos Correios constituem uma das principais alavancas a favor dos pequenos empreendimentos de e-commerce no Brasil, possibilitando que sejam feitas vendas para qualquer lugar do país ou do mundo.
A infraestrutura dos Correios, construída ao longo de mais de 350 anos, cobre o país todo e funciona sistematicamente, integrando o território, e viabilizando megaoperações com êxito, como são os casos emblemáticos da distribuição de livros didáticos, do ENEM, do Seja Digital (distribuição de antenas digitais) e tantos outros.
Os Correios, ao longo de sua história e, apesar das trapalhadas do Tesouro e do Ministério da Fazenda, tem conseguido se manter sem depender de aportes do Governo Federal. Segundo informações da Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Correios e Telégrafos e Similares (Fentect), em um conjunto de 270 países, entre desenvolvidos e emergentes, apenas oito têm serviços dos correios privatizados. Portugal e Alemanha, entre os oito, já começam a discutir a reestatização do serviço. A Argentina reestatizou o serviço no governo de Cristina Kirchner, após reclamações da população.
Os Estados Unidos mantêm o serviço postal, o United States Postal Service (USPS), com 600 mil trabalhadores (seis vezes o número dos Correios). Grandes empresas atuam na área de encomendas, sem concorrer em outros serviços prestados pela estatal norte-americana. É o caso do pagamento do seguro-desemprego, que é feito na estatal. Mas, à exemplo de todas as privatizações do governo Bolsonaro, as razões das privatizações não são técnicas. O governo não está privatizando os Correios para melhorar o serviço. Está privatizando justamente porque os capitais privados estão de olho no quase um bilhão de lucros que a companhia apresentou no ano passado. A privatizações dos Correios, já se sabe, irá favorecer a grupos específicos. Grandes grupos e, possivelmente, internacionais. Vai aumentar imediatamente a remessas de lucros para o exterior, os grupos que adquirem os ativos são estrangeiros, não tem nenhum compromisso com o pais. Obviamente remeterão os lucros para as suas matrizes.
A exemplo das privatizações anteriores, a privatização dos Correios vai implicar em mais demissões, e juntamente com as demais demissões, irá agravar a concentração da renda, aumentar a pobreza e a miséria no país, impedindo também o crescimento econômico e a criação de empregos etc. É um círculo vicioso interminável. Esse jogo, é claro, não iremos resolver com diagnósticos (que são necessários). Ele será resolvido é nas ruas, com a população em ação contra a liquidação do Brasil.
José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.
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