A precariedade que financia a Uber

Em 28 de outubro passado, um tribunal londrino concluiu que os condutores da Uber a operar em Londres não poderiam ser considerados trabalhadores independentes e, por isso, não só a Uber teria de os reconhecer como trabalhadores da empresa como seria obrigada a pagar acima do salário mínimo, incluindo descontos e subsídios de férias.

O não reconhecimento do vínculo laboral é um elemento central na economia da precariedade, seja em Londres ou em Portugal. O Observador publicou uma reportagem onde a jornalista Sara Coelho entrevistou vários motoristas da Uber, novos e velhos, mulheres e homens, que em comum têm uma coisa: trabalham a recibo-verde com longas horas de trabalho e salários abaixo do Salário Mínimo Nacional. Todos os motoristas recorreram a nomes fictícios “por medo que as declarações pudessem afetar a parceria com a Uber”, esclarece a jornalista em nota de rodapé.

No seu primeiro mês de trabalho completo, “Cândida conseguiu apenas 440 euros (uns R$ 1.500). Foram seis dias de trabalho por semana, 12 horas por dia. Treze horas em vésperas de feriado”. Ou seja, conclui a jornalista, “Fazendo a conta aos 26 dias que trabalhou, por cada uma das 312 horas recebeu 1,41 euros (R$ 4,76) por hora. Brutos, porque grande parte dos motoristas são contratados em regime de recibos verdes e, daquele valor, ainda é preciso subtrair os impostos a pagar. Não há subsídio de férias, de Natal nem de almoço. Não há dias de férias pagos, nem proteção em caso de doença. Por cada viagem feita em Portugal, a Uber ganha 25%. Cândida ganha 35% do total das viagens, mais 5% se for assídua, ficando a empresa que a contratou com o restante.”

Por cima disto, Cândida “é avaliada por tudo o que faz: quilómetros percorridos, acelerações, travagens. Tudo medido pela tecnologia”.

De fato, a performance de um motorista da Uber é constantemente submetida a uma fórmula que determina um ranking interno de motoristas que não é do conhecimento dos próprios. Quem for melhor classificado ganha precedência na recolha de clientes.

O aumento da oferta e colapso das tarifas (logo, descida dos salários) é uma das consequências recorrentes da entrada da Uber em novos mercados. E uma consequência desejada. Seja em São Francisco, Nova Iorque ou Londres, a destruição de serviços de táxi estabelecidos através de tarifas baixas antecede sempre o “price gouging”, nome que a Uber dá à subida exponencial de tarifas que, no entanto, nunca se traduzem numa melhoria das condições salariais. Pelo contrário, a multiplicação de empresas parceiras da Uber é incentivada pela empresa num sistema de comissões piramidal onde o motorista sai sempre perdendo.

A jornalista cita o exemplo de um dono de três carros que afirma que “No geral as pessoas estão a queixar-se porque a oferta está a crescer demasiado, há muitos carros na rua”. Bernardo não só é dono de um carro e patrão de três motoristas, como também conduz o carro aos fins de semana, escreve a jornalista, concluindo que “Como recebe a comissão dos três profissionais, a parceria com a Uber está a compensar-lhe. Aos motoristas, nem tanto.”

De forma reveladora, Bernardo pede regulação e considera a tarifa do táxi “justa e que, acredita, ambos os concorrentes [táxis e Uber] se deviam reger pela mesma bitola, não só nas obrigações, mas também nas tarifas”. Por seu lado, Vasco revela que “já tentei falar várias vezes com a Uber mas dizem-me que esta é a sua política [não estabelecer um número máximo de parceiros]. Que, neste momento, não têm ainda carros suficientes para a procura que têm”. E declara-se iludido: “porque é muito fácil uma pessoa entrar neste negócio a achar que é rentável. As seguradoras, os rent-a-car e os leasing passam-nos a informação de que é muito lucrativo, todos os parceiros me diziam que era um mercado tão lucrativo que eu não fazia ideia do que ia faturar”. E conclui, “não querem saber, não há nenhuma proteção ao operador”.

‘A uberização leva à intensificação do trabalho e da competição entre os trabalhadores’

Se os protestos mais comuns até hoje partiram de taxistas, cada vez mais motoristas e empresários da Uber criam plataformas de contestação exigindo “melhores condições salariais”, acusando a Uber de promover uma “escravidão moderna”, escreve a jornalista. Em Espanha, o sindicalista Sayah Baaroun resumiu: “70 horas de trabalho por semana [o limite legal em França é de 35 horas] por mil euros por mês (R$ 3.376,40) [o salário mínimo é de 1.466 euros, R$ 4.949,80]”.

Em Portugal, segundo o Observador, ainda não existe nenhuma entidade organizada de protesto, “embora um grupo de pessoas esteja a trabalhar na constituição da Associação Nacional de Parceiros das Plataformas Alternativas de Transportes”.

Fonte: Esquerda.net.

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