A praça do povo livre

Por Elaine Tavares.

Para Maria Medianeira.

Já andei por muitos lugares surpreendentes no mundo. E também pisei espaços de muita beleza. Como esquecer a visão da Acrópole numa noite de lua cheia, logo depois de uma greve geral que sacudiu Atenas? Ou a deslumbrante da ilha de Patmos onde fica a caverna dentro da qual São João recebeu as revelações do Apocalipse? Também já tive a graça de contemplar as pirâmides do Egito, numa noite fria, de lua branca, num dos maiores espetáculos de som e cor que já vi. Também pude caminhar pelos templos egípcios ao longo do Nilo, com suas colunas imensas, cheias de notícias do passado distante. A cidade espanhola de Córdoba, memória do mundo árabe, Granada, Lisboa. Já pisei na Chapada Diamantina, no serrado mineiro, nas praias de Maceió, na pedra da Bruxa, e tantas outras paragens onde até a respiração pára, de tanta lindeza.
Mas, a cena que mais me emocionou até hoje foi a de uma praça no interior do Rio Grande do Sul, na cidade onde nasci. Tínhamos saído de Florianópolis – ao melhor estilo easy rider – em direção à fronteira gaúcha aonde iríamos levar as cinzas da minha mãe. Ela havia morrido em 1998, e seu sonho sempre fora voltar aos pagos. Mas, só em 2010 tínhamos conseguido as condições para tanto. Partimos no carro de uma amiga, eu, ela, meu pai, meu sobrinho e um amigo dele. Fomos devagar, parando aqui e ali. Dormimos em São Miguel depois de ver o show de luzes que mostra a saga de Sepé Tiaraju. Outro momento de encanto.
No dia seguinte já estávamos à margem do rio Ibicuí, onde minha mãe costumava nadar quando criança. Era ali que ela queria ficar para sempre, circulando de um lado a outro, misturada à grande energia cósmica. O rio faz divisa entre Itaqui e Uruguaiana, a cidade onde vim ao mundo. Então, nada mais natural que depois da bonita cerimônia a gente fosse para a terrinha, visitar velhos amigos do meu pai. Foi o que fizemos.
Uruguaiana segue sendo o que sempre foi. Uma cidade pequena, bem no estilo das cidades da banda oriental. Ruas largas, casas altas, calçadas espaçosas, árvores por toda parte. Foi bonito circular por ali, nas paragens da minha infância. Tudo continuava lá, apenas aparecia aos meus olhos adultos com outra força. Até o castelo que era meu sonho e que parecia grandioso, surgiu só como uma casa grande. Mas nada diminuiu o encanto. Tudo era emoção. Os amigos, os parentes, aquele ar.
Então, quando a noite chegou, veio a maior beleza. Decidimos encontrar uma amiga num bar em frente à praça central. E para lá fomos. A tarde já caia e a barra da noite se anunciava no céu de janeiro. Fazia calor. A praça era a mesma de 40 anos atrás. Mas havia uma novidade. Ela estava cheia de gente. Nunca vi coisa assim em toda minha vida. Cada canto da praça estava iluminado. Parecia dia claro. As crianças corriam por entre as árvores e os heróis de bronze. As mulheres passeavam tomando sorvete, famílias tomavam chimarrão. Era quase como a visão do paraíso. Havia música, risos, luz, cor. Todos nós fomos tomados por uma emoção indizível. Forte demais. Aquilo era comunidade. A imagem concreta de comunidade.
Sempre que quero expressar esse sentimento de vida comum, de comunhão, de partilha amorosa, me vem àquela cena. Nunca vi nada igual. E os meus olhos se enchem de lágrimas. Dentro de mim, que sou filha da banda oriental, assoma o mesmo sonho de meu amado Artigas – o general dos povos livres: a construção de uma comunidade onde todos vivam em paz, felizes e livres. Por um átimo, naquela noite, na feérica Praça de Uruguaiana, esse sonho pareceu real.

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