A política do “grande porrete” em ação no mundo. Por José Álvaro Cardoso.

ImagemAndrew Martin em Pixabay

Por José Álvaro Cardoso.

Os recentes acontecimentos de Israel, Colômbia, Chile, Bolívia, Peru, Brasil, que são grandes “fatores de crise”, em diferentes regiões do mundo, parecem revelar um deslocamento à esquerda por parte da ação dos trabalhadores. Além disso, parecem ser movimentos interligados, que mostram uma tendência mundial. São elementos muito importantes, que revelam o esgotamento de um tipo de política do sistema capitalista, que é a “política neoliberal”. Tem que procurar entender a política do governo de Joe Biden (econômica, diplomática, etc.), olhando essa situação no seu conjunto. O polo político que ele representa está numa crise extraordinária. Ou seja, é uma crise gravíssima nos partidos mais representativos da política do imperialismo. Nos EUA esta crise não é uma possibilidade, ela é muito real. O país está em grande polarização, ou o governo faz alguma coisa ou será varrido pela mobilização popular.

O plano de Biden, que pretende injetar US$ 6 trilhões na economia (quase 30% do PIB do país) tem que ser entendido dentro dessa lógica de enfrentamento da crise. Não significa uma ruptura com a política neoliberal. Não se trata também de uma guinada keinesiana na política estadunidense, como desejam alguns analistas. Apesar de serem medidas de grande envergadura, reveladoras, inclusive, da profundidade da crise, não há garantias que as políticas neoliberais sejam interrompidas. Até mesmo porque faz quarenta anos que o imperialismo só apresenta essa política para tentar resolver os problemas do capitalismo no mundo. A crise é muito significativa, o mundo parece estar caminhando para uma situação de verdadeiro colapso político e econômico, como poucas vezes se viu na história

Com os planos recém lançados, Biden inicia uma temporada de acirramento das relações com China e Rússia. A retomada dos investimentos públicos é uma forma de competir com o modelo de desenvolvimento econômico chinês. Há uma avaliação, por parte do governo Biden, que a China está ocupando um espaço econômico exagerado, desproporcional ao seu poderio geopolítico e militar no mundo. Poderio econômico e poder bélico são fatores intimamente interligados. O golpe recente no Brasil, aliás, em boa parte motivado pela descoberta de novas jazidas de petróleo, parece não deixar dúvidas sobre esse fato. Portanto, nesse contexto, a relação China X Estados Unidos tende a ficar cada vez mais tensa, em meio a uma série de disputas sobre comércio, direitos humanos e as origens da Covid-19. Recentemente os Estados Unidos colocaram na lista maldita dezenas de empresas chinesas, utilizando pretextos. Biden vem criticando a China por seus “abusos” no comércio e em outras questões.

Com Biden, os norte-americanos deverão promover uma série de conflitos militares no mundo “por procuração” com outros grupos, tropas irregulares como fizeram na Síria e em outros países. O objetivo é estimular a oposição interna para depois, apoiado pela OTAN, partir para agressões militares. Provocação à Rússia, à China, à Venezuela, é esse o ambiente que deve prevalecer nos próximos anos. Joe Biden foi o candidato da máquina de guerra norte-americana: Pentágono, falcões, Cia e demais serviços de espionagem, forças armadas, grande capital imperialista, etc. Ou seja, a essência da política imperialista apoiou Biden. Trump presidente, comparado com Biden, é um “estranho no ninho”, acusado, inclusive, de aproximação com a Rússia.

O padrão de vida conquistados pelos norte-americanos está relacionado à sua ação imperialista no mundo todo. Então, ao mesmo tempo em que eles tem que se preocupar com a disputa geopolítica com a Rússia, estão de olho no tabuleiro político latinoamericano. Não é nada específico contra a Rússia ou China. É que atuam como um Império que são, e aqueles são seus principais rivais. Se quisermos entender a natureza da “democracia” nos países imperialistas, precisamos saber que o orçamento militar dos EUA para este ano, de US$ 740,5 bilhões, é superior aos orçamentos militares somados dos 10 países seguintes com os maiores orçamentos.

A democracia norte-americana funciona segundo aquele princípio sintetizado por Roosevelt: “Fale suavemente e carregue um porrete grande” (Theodore Roosevelt, Presidente dos Estados Unidos, 1901-1909). A situação na América do Sul é muito frágil porque não tem nenhuma potência com capacidade nuclear. Por outro lado, nenhum país tem uma aliança estratégica do ponto de vista militar, com Rússia ou China. Tudo isso torna a situação do subcontinente extremamente vulnerável.

Os Estados Unidos, além de suas frotas de porta aviões, navios e submarinos nucleares que cruzam os mares de todo o mundo, possuem mais de 700 bases militares terrestres fora de seu território nacional nos mais diversos países. Eles conseguiram essas bases através de tratados e através do peso econômico da economia norte-americana, do imperialismo norte-americano. Russos e os chineses não têm esse poderio. Uma das razões dos EUA terem encaminhado o golpe no Brasil foi a aproximação com a Rússia e a China através dos BRICS. Em 2015, antes do impeachment, o Brasil tinha assinado com a China 35 grandes projetos de infra-estrutura no país, incluindo a Ferrovia Transocenianica, ligando o Atlântico ao Pacífico, ligando o Brasil (RJ) à Lima, no Peru.

Um sintoma de que a política do “grande porrete” funciona nas relações internacionais foi o quase sepulcral silêncio da China e da Rússia, em relação ao golpe no Brasil, assim como nos demais países da América do Sul. A China perdeu uma porção de negócios na América Latina toda por causa dos golpes, mas não se manifestou mais fortemente. Os norte-americanos querem obrigar Rússia e a China a recuarem das posições geopolíticas que eles adquiriram no último período. Eles vão procurar fazer com que os russos e os chineses gradativamente cedam terreno, tanto do ponto de vista militar como do ponto de vista econômico.

Bolsonaro, apesar de todos os absurdos que comete, está sendo tratado com boa vontade pelo imperialismo. Aqui e ali eles dão uma podada no Bolsonaro, mas sem liquidá-lo. Vocês imaginem se Dilma Roussef tivesse cometido 0,5% das atrocidades feitas por Bolsonaro. O fundamental é que, enquanto nos distraímos com as monstruosidades que Bolsonaro diz, ele segue fazendo o que o imperialismo quer. Nesse momento estão privatizando a Eletrobrás. Se não conseguirmos barrar, será mais um crime de lesa pátria. A essência do golpe está, justamente, no que veio após a derrubada de um governo legitimamente eleito. Centenas (possivelmente mais de mil) medidas, objetivando: 1.destruir direitos; 2.tirar renda dos trabalhadores; 3.liquidar o pouco de soberania que o Brasil possuía 4. Saquear o Brasil.

A essência do golpe não é o gabinete do ódio e sim as privatizações. A essência do golpe não as “rachadinhas” e sim os bilhões roubados do pré-sal e os bilhões que serão afanados com a privatização da Eletrobrás. O programa neoliberal unifica todos os golpistas. Não há diferença entre negacionistas e “civilizados”. Não há divergências entre direita tradicional e fascistas. É um equívoco querer se juntar com a direita chamada de “civilizada” para defender o Brasil. A direita “civilizada” participou do golpe de 2016 e quer vender o Brasil da mesma forma que os fascistas.

José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina

A opinião do/a autor/a não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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