A polêmica que envolve o engordamento e a poluição das praias

Por Paulo Pagliosa, prof. de oceanografia e ecologia da UFSC.

Alessandra Fonseca, profa. de oceanografia e geografia de UFSC.

Paulo Horta, prof. de biologia e ecologia da UFSC.

Lucas Zimmermann, curso de pedagogia da UDESC.

Quem frequenta as praias de Santa Catarina, a algum tempo, tem vivenciado experiências bastante diferentes daquelas relacionadas com o sonhado descanso num dia ensolarado sob o guarda-sol e ao sabor das ondas. Ou foi acometido por uma virose ou passeou descrente entre máquinas escavadoras e tubos gigantes que competem pelo já escasso “pedacinho de terra perdido no mar”. A situação não é novidade e está na pauta dos governantes e dos opositores, nas rodas de conversa e nas mídias, nos debates de turista e vendedores ambulantes, assim como nos relatórios das agências de saúde e ambiental e nos estudos dos pesquisadores das Universidades. Por onde quer que se olhe se constata que há um consenso generalizado sobre a necessidade de despoluir as praias e garantir o espaço nas areias para o turista e para o comércio. Qual a polêmica, então?

A polêmica nas discussões é uma só, a de que obras de infraestrutura não deveriam ser realizadas, ou iniciadas, no verão. Essa é uma reivindicação justa vinda de quem planejou com antecedência a temporada de lazer ou de trabalho. Se repararmos bem, de um modo bastante simples essa polêmica traz à tona as questões de fundo e que podem ser expressadas da seguinte forma: Por que, ano após ano, as praias estão mais poluídas e o espaço na praia tem diminuído? E, por que esses problemas não foram resolvidos antes do início da temporada de verão? As respostas a essas questões não são simples e requerem análises técnicas detalhadas, que vão desde a forma de escolher quem, como e onde poderá alugar a cadeira na praia até o efeito das mudanças climáticas globais. Mas uma coisa pode-se dizer, todo o problema existente é e foi gerado pelo modo como historicamente compreendemos o que é uma praia e como ela nos serve. Valorizamos edifícios em detrimento à praia, colocamos o interesse particular de poucos acima do bem comum e permitimos uma forma de uso da praia que impede que as gerações futuras a desfrutem da mesma forma que nós.

Leia mais: Democratização da Comunicação (1). Por Raul Fitipaldi.

Contextualizemos a questão a partir das fontes geradoras de polêmica, o engordamento de praia, a poluição das águas e a não resolução dos problemas que se acumulam. O engordamento é apresentado como mais uma solução para a erosão. O processo de erosão das nossas praias tem sido enfrentado com enrocamentos, muros, sacos de areia, sacos de entulho e, agora, com aterro. Todas essas “soluções” levam à futura destruição da praia como ambiente natural que desempenha uma série de funções ecológicas para os ecossistemas costeiros. Esse é um encadeamento de acontecimentos e de obras já bastante bem descrito e ocorre porque estas intervenções incentivam e intensificam a ocupação da praia, tornando cada vez mais difícil a manutenção do equilíbrio dinâmico da linha de costa. Sim, a linha da costa é como o turista, vai e vem, e é preciso deixá-la livre. O engordamento, por sua vez, tenta mascarar a erosão preenchendo a praia com areia. O processo de erosão surge a partir de um componente local relacionado com a nossa forma de ocupação da praia e, sobretudo, do fenômeno de grande escala das mudanças climáticas, fruto da nossa forma de ocupação do planeta. O aquecimento do planeta aumenta a frequência e intensidade de ressacas e alagamentos, assim como resulta na elevação do nível do mar, causado pela expansão térmica da água e derretimento das geleiras. Ou seja, não é uma obra de aterro – que custa alguns milhões de reais – que vai deter essa crise ambiental e climática que é planetária. Em síntese, só estamos mesmo é pensando no local para fincar o guarda-sol e fazer negócios. Pouco importa se ao construirmos as casas, edifícios, restaurantes e estradas muito próximo à praia estamos imobilizando a areia das dunas e restingas que são a fonte primária de areia que mantém a praia como ela é. Da mesma forma, ao represarmos rios para abastecimento ou produção de energia, represamos os sedimentos, que não chegam na região costeira e não vão parar nas praias. Ou seja, por anos a fio estamos aprisionando as areias que dão origem e estabilidade dinâmica para as praias. Não bastasse isso, agora, estamos obsessivamente tentando manter as edificações e as praias no mesmo lugar. É claramente uma estratégia fadada ao fracasso. O engordamento até poderia ser uma ação, um primeiro passo para ganhar tempo em um processo de amadurecimento social que busque estratégias de gestão adaptativa e de longo prazo, que deveriam incorporar a retirada controlada de construções próximas à praia e a restauração do sistema natural. Mas não é.

Já a poluição de grande parte das praias catarinenses é uma questão política, sanitária e ambiental relacionada com o esgoto. Cerca de 74% da população não têm acesso à coleta de esgoto. Os números são alarmantes, mas a situação é ainda pior, pois os estudos indicam que a poluição em locais onde há tratamento de esgoto não difere em nada daquela onde não há tratamento. Exemplo dessa situação é Camboriú, que trata mais de 90% de seu esgoto e nesse momento está com 73% das praias monitoradas com águas impróprias para banho. Essa mesma praia exemplifica bem o fato da balneabilidade estar sendo negligenciada ao se considerar o engordamento das praias como solução. O mesmo acontece em Canas Vieiras, está acontecendo nos Ingleses e, ao que tudo indica, vai acontecer em Jurerê, para nos limitarmos ao litoral central do Estado. Estamos em plena epidemia de diarreia causada por um vírus de cocô, ou feco-oral, se preferir. Em outras palavras, estamos comendo e nadando na merda. As soluções apontadas e veiculadas nas mídias digitais são a dragagem do leito de rios, para o esgoto escoar rapidamente, e a construção de emissários submarinos, para escoarmos o esgoto para bem longe. A estratégia esgoto bom é o esgoto que não se vê, definitivamente, tende a comprometer ainda mais a poluição das praias. É necessário fazer uma política de esgoto bom é o esgoto que se vê. Comecemos instalando o tratamento terciário em todas as estações de tratamento de esgoto e modificando a legislação atual para permitir a adoção de sistemas ecológicos e inteligentes descentralizados. Ao utilizar soluções baseadas na natureza os resíduos fazem parte do ciclo regenerativo que gera novos recursos, nutrientes e, inclusive, purifica a água e torna possível o seu reuso. Essas são soluções que abarcam apenas o tratamento de esgoto, sem considerar o iminente aumento do nível do mar e o consequente aumento da poluição promovido pela destruição de infraestruturas urbanas. Segundo previsões bastante conservadoras, o mar pode subir até 1 metro no final da presente década. É urgente pensarmos em uma estratégia de gestão adaptativa e de longo prazo que incorpore a retirada controlada de construções próximas à praia. A lógica por trás dessa proposição é criarmos bolsões naturais de proteção da linha da costa, possibilitando que a praia se regenere naturalmente.

Imediatismos e oportunismos explicam bem o por que, ano após ano, adentramos o verão com obras de infraestrutura que aumentam a confusão da já caótica temporada. Não há qualquer justificativa para a realização de uma obra de engordamento de praia em pleno verão. Na atual agenda o poder público tem dirigido uma política que endossa o processo de detrimento das praias em favor da expansão do mercado imobiliário e do turismo predatório. É preciso mudar essa agenda de mentalidade colapsista e interesseira. Essa polêmica está posta por políticos, grupos de mídia, turistas, associações de grandes comerciantes, trabalhadores, agências públicas e universidades. A discussão é rica e aponta para uma nova visão sobre como nos relacionamos com a praia.

1 COMENTÁRIO

  1. Seria bom ter dois esgotos, um é só do patente que vai gerar gás e depois forma abuso. E outro tratar uma limpeza de filtragem simples.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.