Por Giselle Zambiazzi, para Desacato.info.
Análise III: Mauricio Mulinari
Hoje faz 19 dias que a greve dos caminhoneiros terminou e 16 dias que a Petrobras está sob o comando de Ivan Monteiro, substituto de Pedro Parente na presidência de uma das mais importantes estatais brasileiras. A política de preços dos combustíveis, tão em pauta até um mês atrás entre os brasileiros, já quase não é mais discutida a não ser por uma enquete da Agência Nacional do Petróleo que quer saber como achamos melhor que sejam feitos os aumentos: se uma vez por dia, por semana ou por mês.Enquanto isso, depois daqueles 15 dias de intensa crise e um país parado, o Ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, afirma que quem define a política de preços é a Petrobras, sem interferência do governo e que sua maior preocupação agora é conduzir a venda da Liquigás, de campos de petróleo em Sergipe e de seis distribuidoras da Eletrobras.
Ou seja: aquietado o barulho, a entrega do patrimônio público pertencente a todos os brasileiros seguem como se nada tivesse acontecido.
Na terceira e última análise com economistas a respeito do cenário atual brasileiro para a coluna A Outra Reflexão, Mauricio Mulinari traça o caminho que nos trouxe até aqui desde a ditadura militar. “O governo de Getúlio Vargas tinha um projeto de desenvolvimento nacional, ainda que ele fosse voltado para a grande burguesia, mas investia mais em estatais e no serviço público”, afirma.
Da década de 1970 para cá, esse projeto foi sendo destruído dia após dia. O primeiro passo nessa direção foi a entrada de grandes monopólios nas áreas da educação e da saúde que forçaram suas privatizações. A pressão do capital internacional para que as economias fechadas se abrissem aumentou gradativamente até os anos 90, quando houve uma avalanche de privatizações, movimento que permanece até hoje.
Lobo em pele de cordeiro
Outro passo, aponta o economista, foi a permissão para a terceirização das atividades-meio que teve início também nos anos 90. Dentro da Petrobras, por exemplo, isso tem um impacto enorme. “Há muito tempo a estatal terceiriza todos os seus processos”, ressalta.
Nos anos 2000, com os governos do PT no poder, o quadro não mudou. “Mudou a natureza das privatizações, mas elas não acabaram”, aponta. Prova disso é o fato de que hoje o Estado tem 50% + 1 das ações da Petrobras, no entanto, isso já não tem mais força alguma frente aos grandes grupos de investimento que detêm os 49% restantes e que têm um único objetivo: lucro.
Agora, o ataque aos direitos e ao patrimônio público brasileiro vem demonstrando sua face mais radical e faminta. “De 2015 para cá, todas as formas desse assalto estão acontecendo juntas e concentradas”, aponta Mauricio.
São os acionistas que definem a política de preços da Petrobras, a terceirização de todas as fases está autorizada e estatais como Caixa Econômica Federal e Eletrobras também estão a venda. “Esse projeto entreguista já foi levado às últimas consequências quando Joaquim Levy assume o Ministério da Fazenda no governo Dilma”.
Do lado de cá
Trazendo a análise sob o ponto de vista de quem mais perde com tudo isso, a população, o que cabe agora é lutar por um processo de reversão de tudo o que vem sendo feito com o país. Pedro Parente caiu, mas, como mostram os pronunciamentos mais recentes do ministro da Fazenda, por exemplo, as privatizações inclusive na Petrobras continuam. “A demissão de Pedro Parente é só mais um sintoma da degradação do governo Temer. Entretanto, é completamente improvável do ponto de vista dos interesses das multinacionais capitalistas parar o processo que está em curso”, avalia Mauricio.
Um dos méritos da greve dos caminhoneiros está em escancarar a mentira de um governo que busca promover a hashtag #Avançamos, querendo forçar uma imagem de crescimento e reorganização, enquanto que na verdade o quadro é de recessão, desorganização econômica e incapacidade de qualquer projeto liberal dar conta de um país como o Brasil. “É a prova da podridão desse sistema e de que quem movimenta o país são os trabalhadores”, afirma, convidando para uma reflexão sobre a possibilidade de outras categorias também decidirem cruzar os braços.
Disputa
Mauricio Mulinari afirma ser difícil prever o que está por vir, mas ele acredita que o importante agora é apostar na ascensão da classe trabalhadora. “Tivemos uma paralisação maior do que a greve geral do ano passado. É a vida do povo que não tem mais condições e um governo sem legitimidade. Agora é a hora de apostar no radicalismo político, na reflexão profunda do que seja a revolução e a esquerda tem que se colocar à altura dessa disputa”, considera.
E disputa, para ele, vai para muito além de eleição. Há setores da esquerda que bradam que todos os males começaram em 2016, quando na verdade o processo que leva à exploração do Brasil e dos brasileiros é muito anterior a isso. “A eleição é um debate apresentando candidaturas e não têm a natureza da ruptura. São discursos que tentam melhorar o sistema e não romper com ele. A quantidade de votos brancos, nulos e de abstenções nas eleições municipais são um sintoma disso. Há uma descrença no processo eleitoral e nessa democracia burguesa. Isso desabou e a greve dos caminhoneiros mostra isso”, conclui.
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Giselle Zambiazzi é jornalista, ativista política e militante pela neurodiversidade. Mora em Brusque/SC.