A persistência histórica do patriarcado

(Português/Español).

Por Boaventura de Sousa Santos.*

“A cultura patriarcal tem, em certos contextos, outra dimensão particularmente perversa: a de criar na opinião pública a ideia de que as mulheres são oprimidas e, como tais, são vítimas indefesas e silenciosas. Este estereótipo torna possível ignorar ou desvalorizar as lutas de resistência e a capacidade de inovação política das mulheres”, escreve o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos .

Não há natureza humana assexuada; há homens e mulheres e, para alguns, outros sexos. Falar de natureza humana sem falar na diferença sexual é ocultar que a “metade” das mulheres vale menos do que a dos homens. Sob formas que variam conforme o tempo e o lugar, as mulheres foram consideradas como seres cuja humanidade é problemática (mais perigosa ou menos capaz) quando comparada com a dos homens. À dominação sexual que este preconceito produz chamamos patriarcado e ao senso comum que o alimenta e reproduz, cultura patriarcal.

A persistência histórica desta cultura é tão forte que mesmo nas regiões do mundo em que ela foi oficialmente superada pela consagração constitucional da igualdade sexual, as práticas cotidianas continuam a reproduzir o preconceito e a desigualdade. Ser feminista significa reconhecer que tal discriminação existe e é injusta e desejar ativamente que ela seja eliminada. Nas atuais condições históricas, falar de natureza humana como se fosse sexualmente indiferente, seja no plano filosófico ou político, é aliar-se ao patriarcado.

A cultura patriarcal vem de longe e atravessa tanto a cultura ocidental como as culturas africanas, indígenas e islâmicas. Para Aristóteles, a mulher é um homem mutilado, e para São Tomás de Aquino, sendo o homem o elemento ativo da procriação, o nascimento de uma mulher é sinal da debilidade do procriador. Esta cultura, ancorada por vezes em textos sagrados (Bíblia e Corão), tem estado sempre a serviço da economia política dominante que, nos tempos modernos, tem sido o capitalismo e o colonialismo. No romance Os Três Guinéus (1938), em resposta a um pedido de apoio financeiro para a guerra, Virginia Woolf recusa e, recordando a marginalização das mulheres no país, afirma provocativamente: “Como mulher, não tenho país. Como mulher, não quero ter país. Como mulher, meu país é o mundo inteiro”.

Durante a ditadura em Portugal, as Novas Cartas Portuguesas, publicadas em 1972 por Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa, denunciavam o patriarcado como parte da estrutura fascista que sustentava a guerra colonial na África. “Angola é nossa” era o correlato de “as mulheres são nossas (de nós, homens)”, e no sexo delas se defendia a honra deles. O livro foi imediatamente apreendido porque justamente percebido como um libelo contra a guerra colonial, e suas autoras só não foram julgadas porque entretanto ocorreu a Revolução dos Cravos, no 25 de abril de 1974.

A violência que a opressão sexual implica ocorre sob duas formas, hardcore e softcore. A versão hardcore é o catálogo da vergonha e do horror do mundo. Em Portugal, morreram 43 mulheres em 2010, vítimas de violência doméstica. Em Cidade Juárez (México) foram assassinadas nos últimos anos 427 mulheres, todas jovens e pobres, trabalhadoras nas fábricas do capitalismo selvagem, as maquiladoras, um crime organizado conhecido por femicídio. Em vários países da África continua se praticando a mutilação genital. Na Arábia Saudita, até há pouco, as mulheres nem sequer tinham certidão de nascimento. No Irã, a vida de uma mulher vale metade da de um homem num acidente de trânsito; em um tribunal, o testemunho de um homem vale tanto quanto o de duas mulheres; em caso de adultério, a mulher pode ser apedrejada até à morte, prática, aliás, proibida na maioria dos países de cultura islâmica.

A versão softcore é insidiosa e silenciosa e ocorre no seio das famílias, instituições e comunidades, não porque as mulheres sejam inferiores, mas, pelo contrário, porque são consideradas superiores no seu espírito de abnegação e na sua disponibilidade para ajudar em tempos difíceis. Como é uma disposição natural, não há sequer que lhes perguntar se aceitam os encargos ou em que condições. Em Portugal, por exemplo, os atuais cortes nas despesas sociais do Estado vitimizam em particular as mulheres. As mulheres são as principais provedoras do cuidado de pessoas dependentes (crianças, idosos, doentes, pessoas com deficiência). Se os doentes mentais são devolvidos às famílias, o cuidado fica a cargo das mulheres. A impossibilidade de conciliar o trabalho remunerado com o trabalho doméstico faz com que Portugal tenha uma das taxas de fecundidade mais baixas do mundo. Cuidar dos vivos torna-se incompatível com desejar mais pessoas vivas. E isto é apenas uma expressão extrema de algo que está acontecendo em toda parte.

Mas a cultura patriarcal tem, em certos contextos, outra dimensão particularmente perversa: a de criar na opinião pública a ideia de que as mulheres são oprimidas e, como tais, são vítimas indefesas e silenciosas. Este estereótipo torna possível ignorar ou desvalorizar as lutas de resistência e a capacidade de inovação política das mulheres.

É desse modo que se ignora o papel fundamental das mulheres na revolução do Egito ou na luta contra a pilhagem de terras na Índia; a ação política das mulheres que lideram municípios em tantas pequenas cidades africanas e sua luta contra o machismo dos líderes partidários que bloqueiam o acesso feminino ao poder político nacional; a luta incessante e cheia de riscos pela punição dos criminosos levada a cabo pelas mães das jovens assassinadas em Ciudad Juárez; as conquistas das mulheres indígenas e islâmicas na sua luta pela igualdade e o respeito da diferença, transformando a partir de dentro as culturas às quais pertencem; as práticas inovadoras em defesa da agricultura familiar e as sementes tradicionais das mulheres do Quênia e de tantos outros países da África; a presença de mulheres nos movimentos antimineração (recordemos a morte de Betty Cariño Trujillo, em Oaxaca) e em todos os movimentos que lutam pelo reconhecimento da natureza como “bens comuns”, como acontece na Argentina; a palavra das mulheres palestinas que, quando perguntadas por auto-convencidas feministas europeias sobre o uso de anticoncepcionais, respondem: “Na Palestina, ter filhos é lutar contra a limpeza étnica que Israel impõe ao nosso povo”.

*Boaventura de Sousa Santos é doutor em Sociologia do Direito e professor das universidades de Coimbra (Portugal) e de Wisconsin (Estados Unidos).

La persistencia histórica del patriarcado

Por Boaventura de Sousa Santos*.

No hay naturaleza humana asexuada; hay hombres y mujeres y, para algunos, otros sexos. Hablar de naturaleza humana sin hablar de la diferencia sexual es ocultar que la “mitad” de la humanidad integrada por las mujeres vale menos que la de los hombres.

Bajo formas cambiantes según tiempo y lugar, las mujeres han sido consideradas seres cuya humanidad es problemática (más peligrosa o menos capaz) en comparación con la de los hombres. A la dominación sexual que este prejuicio genera la llamamos patriarcado y al sentido común que lo alimenta y reproduce, cultura patriarcal. La persistencia histórica de esta cultura es tan fuerte que, incluso en las regiones del mundo en las que ha sido oficialmente superada por la consagración constitucional de la igualdad sexual, las prácticas cotidianas de las instituciones y las relaciones sociales continúan reproduciendo el prejuicio y la desigualdad. Ser feminista hoy significa reconocer que esta discriminación existe y que es injusta, y desear activamente que sea erradicada. En las actuales condiciones históricas, hablar de naturaleza humana como si fuese sexualmente indiferente, sea en el plano filosófico o en el político, es pactar con el patriarcado.

La cultura patriarcal viene de lejos y atraviesa tanto a la cultura occidental como a las culturas africanas, indígenas e islámicas. Para Aristóteles, la mujer es un hombre mutilado y, para Santo Tomás de Aquino, siendo el hombre el elemento activo de la procreación, el nacimiento de una mujer es una señal de debilidad del procreador. A veces anclada en textos sagrados (la Biblia y el Corán), esta cultura ha estado siempre al servicio de la economía política dominante que, en los tiempos modernos, han sido el capitalismo y el colonialismo. En Tres Guineas (1938), en respuesta a un pedido de apoyo financiero para la guerra, Virginia Woolf se niega y, recordando la marginación de las mujeres en la nación, afirma provocativamente: “Como mujer, no tengo país. Como mujer, no quiero tener país. Como mujer, mi país es el mundo entero”. Durante la dictadura en Portugal, las Nuevas cartas portuguesas, publicadas en 1972 por Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta y Maria Velho da Costa, denunciaban al patriarcado como parte de la estructura fascista que sostenía la guerra colonial en Africa. “Angola es nuestra” era el correlato de “las mujeres son nuestras” (de nosotros, los hombres), y con el sexo de ellas se defendía la honra de ellos. El libro fue incautado de inmediato porque justamente fue percibido como un libelo contra la guerra colonial, y sus autoras no fueron juzgadas sólo porque entretanto estalló la Revolución de los Claveles, el 25 de abril de 1974.

La violencia que la opresión sexual implica se produce bajo dos formas, hardcore y softcore. La versión hardcore es el catálogo de la vergüenza y el horror del mundo. En Portugal, en 2010 murieron 43 mujeres víctimas de la violencia doméstica. En Ciudad Juárez (México), en los últimos años fueron asesinadas 427 mujeres, todas jóvenes y pobres, trabajadoras de las fábricas del capitalismo salvaje, las maquiladoras, un crimen organizado conocido como femicidio. En varios países de Africa se sigue practicando la mutilación genital. En Arabia Saudita, hasta hace poco las mujeres ni siquiera tenían partida de nacimiento. En Irán, la vida de una mujer vale la mitad que la de un hombre en un accidente de tránsito; en un tribunal judicial, el testimonio de un hombre vale tanto como el de dos mujeres; en caso de adulterio la mujer puede ser lapidada hasta morir, una práctica que, por otro lado, está prohibida en la mayoría de los países de cultura islámica.

La versión softcore es insidiosa y silenciosa, se produce en el seno de las familias, las instituciones y las comunidades, no porque las mujeres sean inferiores sino, por el contrario, porque son consideradas superiores en su espíritu de abnegación y en su disponibilidad para ayudar en tiempos difíciles. Como es una disposición natural, no hace falta siquiera preguntarles si aceptan los encargos ni bajo qué condiciones. En Portugal, por ejemplo, los actuales recortes del gasto social del Estado victimizan en particular a las mujeres. Las mujeres son las principales proveedoras de cuidado a las personas dependientes (niños, ancianos, enfermos, personas con discapacidad). Si con la clausura de hospitales psiquiátricos y la ausencia de soluciones alternativas los enfermos mentales son devueltos a sus familias, el cuidado queda a cargo de las mujeres. La imposibilidad de conciliar el trabajo remunerado con el trabajo doméstico hace que Portugal tenga una de las tasas de fertilidad más bajas del mundo. Cuidar de los vivos se torna incompatible con desear más personas vivas. Y esto es apenas una expresión extrema de algo que está pasando un poco por todas partes.

Pero la cultura patriarcal tiene, en ciertos contextos, otra dimensión particularmente perversa: la de crear en la opinión pública la idea de que las mujeres son oprimidas y, como tales, víctimas indefensas y silenciosas. Este estereotipo hace posible ignorar o desvalorizar las luchas de resistencia y la capacidad de innovación política de las mujeres.

Es así como se ignora el papel fundamental de las mujeres en la revolución de Egipto o en la lucha contra el saqueo de tierras en la India; la acción política de las mujeres que lideran municipios en tantas pequeñas ciudades africanas y su lucha contra el machismo de los líderes partidarios que bloquean el acceso femenino al poder político nacional; la lucha incesante y plena de riesgos por la punición de los criminales llevada a cabo por las madres de las jóvenes asesinadas en Ciudad Juárez; las conquistas de las mujeres indígenas e islámicas en su lucha por la igualdad y el respeto de la diferencia, transformando desde adentro las culturas a las que pertenecen; las prácticas innovadoras en defensa de la agricultura familiar y las semillas tradicionales de las mujeres de Kenia y de tantos otros países de Africa; la presencia de mujeres en los movimientos antimineros (recordemos la muerte de Betty Cariño Trujillo en Oaxaca) y en todos los que pelean por el reconocimiento de la naturaleza como “bienes comunes”, tal como ocurre en estos días en la Argentina; la palabra de las mujeres palestinas que, cuando son interrogadas por autoconvencidas feministas europeas sobre el uso de anticonceptivos, responden: “En Palestina, tener hijos es luchar contra la limpieza étnica que Israel impone a nuestro pueblo”.

* Doctor en Sociología del Derecho; profesor de las universidades de Coimbra (Portugal) y de Wisconsin (EE.UU.).

Traducción: Javier Lorca.

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