Por Max Maciel.
Quem nos colocou aqui?! Esta deve ser sempre a primeira indagação quando se predispuser a dialogar sobre a periferia. Afinal, quem disse que lá é o centro e aqui não?!
A lógica das cidades se baseia pela propriedade. E, desde o império, terra sempre foi moeda de troca, é status. Em um cenário urbano, não é diferente que as melhores posições geográficas estejam no que se determina ser o centro. Não que seja fértil ou plano, mas que se tenha, pela especulação, valor econômico. Digo isso, por que também há bairros nobres em periferias…
Mas, em síntese, aqui ou em qualquer lugar do mundo, as periferias, do ponto de vista de ser um lugar “desprivilegiado” em relação ao conjunto da cidade, é caracterizada, em sua maioria, pela relação étnico/racial e socioeconômica como fatores preponderantes, além, claro de ser definida pelos padrões hegemônicos.
No papo reto, nos tiram o direito de morar perto do trabalho, de viver e usufruir das políticas públicas que se desenvolveram melhor nesses locais. As periferias, vielas, quebradas, favelas, são sempre o símbolo da luta pela moradia. E nessa luta, o centro sempre nos foi negado. Basta ver na história quantas higienizações foram nos colocando longe.
Neste cenário é que devemos observar o porquê então, o conjunto da população destes locais, às vezes, não compreende as pautas progressistas e se identifica com uma possível pauta elitista.
Para a periferia, o Estado é o problema. Loco né?! Por isso quando alguém chega para dizer que eles precisam de mais Estado, a galera repulsa mesmo ou nem põe muito crédito. Claro, qual referência de Estado estão propondo?! O Estado é ineficiente na sua presença e cruel na sua ausência.
Ora, quem mora na periferia, mora por opção?! Gostamos, lutamos, é o nosso lar, mas se fosse para dizer como queríamos, ela seria bem diferente. Nossos jardins não têm flores.
O debate está errado. A frequência e a narrativa precisa ser mudada e, sim, compreender que não somos elitistas, mas que queremos também ter conforto.
Que este Estado é burguês nós sabemos, e o que faz a pauta ser conservadora é justamente o Estado nesses territórios. Que negam o saber local que, como em 1500, colonizam os territórios a sua lógica a seus padrões.
O jogo está dado mas, a entrega não é a mesma. O que volta era melhor nem ter vindo. Hoje o centro consome nossa cultura, moda, gastronomia e nem precisam descer nas nossas comunidades para tal. Mas nós precisamos subir diariamente para usufruir.
Queremos transporte público de qualidade, eficiente. Creche para deixar nossos filhos e poder seguir tranquilos para o trabalho.
Trabalhar perto de casa, ter cinema, teatro espaços para cultuar nossa arte, nosso saber. Queremos médicos nos nossos postos, professores em nossas escolas. Mas não temos isso. Estamos cansados de propostas que, na hora mesmo, nos negam.
E de eficiente, só a repressão. De norte ao sul, a polícia é o terror das quebradas. Infelizmente, mantém a ordem elitista de nos manter longe do que se dizem o centro.
Conservadoras são as políticas que ainda se apresentam para esta população. Que diante desta ausência, quer sim ter um plano de saúde ou acha que alguém aguenta ficar meses esperando uma consulta?
Que querem carro, por que perdem mais de 4 horas do dia em um transporte que os humilham.
E isso não pode ser pecado. O grave é o agravo gerado dia após dia de uma luta que parece sem fim.
Periferia é solidária, acolhedora, é terapêutica. É a resiliência em constância. É viva…
Não queremos ser o boy. Só estamos cansados deste formato de Estado que se apresenta. Não vai vir ninguém de fora para mudar isso. A própria periferia vai achar seu caminho e cobrar seu quinhão.
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Max Maciel, jovem periférico nascido e criado em Ceilândia, maior periferia do Distrito Federal, é ativista social, pedagogo de formação e especialista em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça pela Universidade de Brasília (UnB).
Fonte: Caros Amigos