A PEC do teto de gastos e a soberania do Brasil

Por José Álvaro de Lima Cardoso.

        A Proposta de Emenda à Constituição (PEC 241-2016), enviada pelo governo interino ao Congresso em 15 de junho, pretende instituir um “novo” regime fiscal no Brasil. Dentre outras coisas, define novo teto para o gasto púbico, que terá como limite a despesa do ano anterior corrigida pela inflação. Os gastos sociais, de saúde e educação, portanto, serão congelados em termos reais, passando a ser apenas corrigidos pela inflação. A Constituição Federal estabelece em 18% dos impostos federais o investimento mínimo da União em educação, e em 25% para os estados, o DF e os municípios. Na saúde, os gastos são de 15% da receita para os municípios e 12% para os estados. Em relação à União, conforme a Emenda Constitucional 86, promulgada em março de 2015, fixa o limite mínimo de gastos com saúde para 13,2% da receita corrente líquida em 2016, 13,7% em 2017, 14,1% em 2018, 14,5% em 2019, e 15% em 2020.

        Pela proposta do governo Temer, em 2017 o limite de gastos será a despesa primária federal de 2016, incluindo os restos a pagar, reajustada pelo IPCA de 2016. A partir de 2018, o reajuste será aplicado usando o teto do ano anterior acrescido da inflação. A proposta trata das despesas primárias, ou seja, exclui os gastos do governo com o pagamento dos juros e amortização da dívida pública, verdadeira razão do déficit público. O congelamento do gasto público valerá por 20 anos, com possibilidade de revisão da regra de fixação do limite a partir do décimo ano de vigência. Neste período, segundo o governo, o dinheiro economizado será destinado ao pagamento dos juros e do principal da dívida pública.

         A ideia dos formuladores desta PEC é que o problema fiscal brasileiro é uma decorrência do aumento acelerado da despesa pública primária, ou seja, os gastos sociais, de saúde, educação, funcionalismo, etc. Pela proposta irão acabar as vinculações orçamentárias previstas na constituição para saúde e educação, fruto de décadas de lutas da sociedade brasileira. Pelas regras atuais, em 2016 seria aplicado um montante mínimo em ações e serviços públicos de saúde de 13,7% da receita corrente líquida da União. Na educação, a previsão é de pelo menos 18% da receita de impostos federais, deduzidas as transferências constitucionais.

        A PEC 241 acaba com essas vinculações durante o período de vigência do Novo Regime Fiscal, estabelecendo, como vimos, que o gasto mínimo seja calculado pela despesa do ano anterior reajustada pelo IPCA, sem haver aumento real para as duas áreas. O poder ou órgão que extrapolar o teto anual definido ficará impedido de aumentar as despesas com pessoal no ano seguinte. Ou seja, não poderá conceder reajuste aos servidores públicos nem criar cargos que signifiquem aumento de despesas. A proposta só admite contratações no caso de reposição de vagas abertas por aposentadoria ou falecimento de servidores. Também não poderão ser realizados concursos públicos.

        Se a proposta for aprovada a tendência é que, com o passar dos anos, os gastos com educação e saúde se reduzam proporcionalmente ao PIB, em relação aos percentuais atuais. A trajetória de maior acesso da população pobre aos serviços públicos de educação e saúde, que vinha se verificando nos últimos anos no Brasil, será interrompida. Serão afetados diretamente os serviços públicos oferecidos aos mais pobres, que já são insuficientes.

        Segundo o economista João Sicsú, que fez uma simulação do que teria ocorrido nos últimos dez anos nas áreas da saúde e da educação se fosse aplicada a regra prevista na PEC, a perda na área da saúde de 2006 a 2015 teria sido de R$ 178,8 bi e, na educação, R$ 321,3 bi. A proposta da PEC não leva em consideração o efeito dinâmico, conhecido como multiplicador do gasto público em relação ao comportamento da economia como um todo. No caso da elevação do gasto em Educação, para cada 1% do PIB de gastos, há uma tendência de ocorrer a expansão da economia nacional na casa de 1,9%, e de 1,8% se o mesmo aumento do gasto fosse na área da Saúde.

       A PEC desconsidera as enormes necessidades de investimentos nas áreas de saúde e educação que o país ainda tem para atender a maioria da população. Os trabalhadores e o povo em geral não têm como adquirir os serviços de saúde e educação da iniciativa privada. Não é possível um trabalhador que recebe salário médio de R$ 1.913,00 (segundo a PNAD-2015) sustentar as despesas de sua família nas áreas de educação e saúde. Além disso, essa PEC está sendo imposta em um cenário de elevação da taxa de desemprego e de queda do rendimento real dos trabalhadores, em todas as regiões do país, conforme os dados do DIEESE.

       A proposta vai significar grandes sacrifícios aos mais pobres em troca de uma suposta redução da dívida pública. Mas será muito difícil haver redução da dívida pública simplesmente através da limitação dos gastos primários, se não houver crescimento econômico. Sem crescimento e com o Brasil praticando as maiores taxas de juros do planeta, é quase impossível haver redução da dívida. Além disso, mesmo que isso fosse possível, qual seria a vantagem? Os EUA tem dívida pública de 110% do PIB e no Japão a dívida chega a 250% do PIB, muito maiores do que a dívida brasileira e praticamente sem prejuízos para aquelas economia.

        O problema do déficit público no Brasil é a dívida pública. O Brasil pratica as maiores taxas de juros do mundo e gastou R$ 500 bilhões com a dívida pública no ano passado (quase 18 vezes os investimentos com o Bolsa Família). A PEC 241, assim como outras medidas que estão sendo gestadas, têm um objetivo básico: garantir a manutenção das transferências de riqueza da sociedade para o sistema financeiro. Para seus autores não importa que isso signifique a desagregação da sociedade nacional e o fim da soberania do Estado brasileiro.

*Economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.

Imagem: sindservidoresctb.blogspot.com

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