Depois de realizar pesquisa mineral por cerca de três anos, a mineradora canadense Belo Sun pretende instalar no município de Senador José Porfírio (Pará) o Projeto Volta Grande, o maior projeto de mineração de ouro a céu aberto do Brasil, segundo afirma no seu site. A empresa espera que a Licença Prévia (LP) seja emitida ainda neste semestre e afirma que atuará de acordo com as melhores práticas socioambientais. No entanto, o processo de licenciamento ambiental do empreendimento enfrenta impasses, como apurado nesta reportagem. A sociedade local teme por potenciais impactos ambientais, como riscos futuros ao abastecimento e à qualidade da água por assoreamento e lançamento de poluentes, além de uso de explosivos, desmatamento e acúmulo de resíduos tóxicos que poderiam afetar o rio Xingu e, consequentemente, povos indígenas e ribeirinhos.
Mas no centro dos debates há também outro complicador já reconhecido por instituições como o Ministério Público Federal (MPF), a Defensoria Pública do Estado do Pará e a Fundação Nacional do Índio (Funai), além de organizações não-governamentais como o ISA (Instituto Socioambiental). O principal reservatório da polêmica usina hidrelétrica de Belo Monte, em construção na cidade de Altamira, está a 50 km da área onde a mineradora pretende instalar suas operações. Embora sejam projetos independentes, devido a essa proximidade, segundo os críticos, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da Belo Sun deveria ter levado em consideração os efeitos conjuntos dessas duas grandes obras na região da Volta Grande, trecho de cerca de 100 Km do rio Xingu, que poderá ter sua vazão reduzida em até 80% nos próximos anos devido ao represamento da água destinada às operações da hidrelétrica de Belo Monte.
Temendo potenciais riscos ao abastecimento de água, o MPF recomendou à Secretaria de Estado de Meio Ambiente do Pará (Sema-PA) que não conceda Licença Prévia (LP) à Belo Sun, sem que haja ampliação do Estudo de Impacto Ambiental. Solicitou, inclusive, análises específicas sobre impactos que poderão ser causados às Terras Indígenas e aos ribeirinhos da região que deverão ser consultados sobre o empreendimento. Na Volta Grande, as duas Terras Indígenas mais próximas são Paquiçamba e Arara.
Além da forte relação cultural com o rio Xingu, as comunidades dependem dele diretamente para atividades de pesca, extrativismo e agricultura familiar. O Instituto Socioambiental usa o mesmo argumento. Embasado em um documento que enumera os riscos ambientais e as falhas no Estudo de Impacto Ambiental, protocolou um pedido à Secretaria de Meio Ambiente do Pará (Sema-PA) que, pela sua natureza e localização, considere o empreendimento inviável.
Os perigos
O principal risco envolvido no projeto é agravar ainda mais a redução da vazão do rio Xingu na região da Volta Grande. Isso pode piorar a qualidade de água e afetar a fauna, vegetação, pesca e navegação. Em suma, pode impedir ou dificultar, somando-se aos efeitos de Belo Monte, os modos de vida da população local.
Segundo análise do ISA, o Estudo de Impacto Ambiental da Belo Sun é inconsistente: “A afirmação de que o período da seca tem vazões inferiores a 2.500 m³/segundo (metros cúbicos por segundo) é altamente genérica, já que a seca provocada pela Barragem de Belo Monte poderá variar a vazão do rio desde 700 m³/segundo em alguns meses a mais de 2.000 m³/segundo em outros” (cada metro cúbico corresponde a mil litros de água).
Leonardo Amorim, advogado do Programa Xingu do ISA, afirmou, em entrevista a ((o))eco, que a incerteza que ainda paira sobre o impacto ambiental da hidrelétrica de Belo Monte impede prognósticos com um mínimo de confiança sobre o impacto do projeto desta outra Belo, a Belo Sun. “Se os riscos que podem ocorrer em função de Belo Monte, principalmente em termos de redução da vazão, ainda terão que ser monitorados e documentados nos próximos anos, como instalar na mesma região, mais um projeto com previsão de altos impactos, que nem levou em consideração esse outro grande empreendimento?”, afirmou. Ele recorda que o licenciamento de Belo Monte ficou condicionado a um cronograma de monitoramento dos seus impactos no rio Xingu durante 6 anos, a partir do início das operações, previsto para 2015.
MPF e ISA aguardam retorno do órgão ambiental
As questões mencionadas por Amorim também preocupam Thais Santi Cardoso da Silva, procuradora da República, que assinou em conjunto com Meliza Alves Barbosa, também procuradora federal, a manifestação do Ministério Público Federal. Ela disse que está aguardando um retorno da Secretaria de Meio Ambiente do Pará. “Vou cobrar uma resposta”, adiantou em entrevista a ((o))eco.
Caso a Licença Prévia seja liberada pelo órgão ambiental do Pará, sem que o Estudo de Impacto Ambiental seja ampliado para atender às exigências de análise de impactos nas comunidades indígenas e ribeirinhas, Thais Santi advertiu que a questionará judicialmente. “Não estamos contra a empresa. Nossa preocupação tem caráter preventivo”, disse. Ela argumenta que a sociedade civil deve participar do debate sobre o projeto. “As comunidades estão atordoadas com a falta de informação”.
Leonardo Amorim concorda e afirma que uma liberação da Licença Prévia que não considere os argumentos das instituições que já se manifestaram oficialmente junto ao órgão ambiental do Pará pode ser questionada na justiça. “A Sema deve emitir análise técnica sobre o projeto. Estamos aguardando”, afirma.
Por fim, a Defensoria Pública do estado do Pará também se envolveu no caso e enviou ofício a Secretaria do Meio Ambiente (Sema-PA). O documento diz que a empresa elaborou uma nota técnica, com respostas à sociedade sobre dúvidas levantadas durante a primeira audiência pública. No entanto, o conteúdo não foi anexado ao Estudo de Impacto Ambiental.
((o))eco tentou entrevistar Mariana Queiroz, gerente de Projetos Minerários da Sema-PA. Em resposta à solicitação de entrevista sobre o licenciamento ambiental do Projeto Volta Grande, ela respondeu em curto e-mail: “O processo está em fase de análise técnica, aguardando resposta de notificação”. A notificação, segundo Queiroz, se refere à complementação pela Belo Sun dos estudos solicitados pelas instituições já citadas nesta reportagem.
Acúmulo de rejeito de mineração gera incertezas
Leonardo Amorim levanta outro risco do projeto Volta Grande. O acúmulo de rejeito que pode vazar e poluir o rio ou o solo. O rejeito é a rocha moída da qual foi extraído o ouro por processos químicos e físicos. “Em 2000, por exemplo, o rompimento da barragem de rejeitos da mina de ouro da Baía Mare, na Romênia, causou o maior desastre ecológico na Europa desde Chernobyl, contaminando 400 Km do rio Danúbio até o Mar Negro”, diz.
Amorim citou estudo de 2011 dos pesquisadores norte-americanos David Chambers e Bretwood Higman. Eles afirmam que “desde 2001 as taxas de acidentes são desproporcionalmente altas em relação ao ciclo de vida previsto para esses reservatórios [de resíduos]”. Segundo Amorim, o estudo mostra que os acidentes não estão limitados “a velhas tecnologias em países com regulação frouxa”, já que 39% deles aconteceram em minas nos Estados Unidos. Em outro artigo, de 2010, Shahid Azam e Qiren Li, pesquisadores do tema no Canadá afirmam: “Para um inventário mundial de 18.401 áreas de mineração, a taxa de falha nos últimos cem anos é estimada em 1,2%. Isso é mais do que duas ordens de magnitude acima da taxa de falhas em barragens convencionais de retenção de água, que é registrada em 0,01%”.
Projeto encerra ciclo de garimpo ilegal, afirma executivo
O vice-presidente de exploração da Belo Sun, Hélio Diniz, afirmou em entrevista a ((o))eco que o Projeto Volta Grande encerra um ciclo local de atividades de garimpo ilegal, realizado com empregos informais, sem uso de equipamentos de segurança pelos trabalhadores. O resultado, segundo ele, foram acidentes, com frequência mortais, e contaminação da água e do solo.
Diniz evitou comentários sobre as críticas feitas ao projeto Volta Grande. Indagado sobre os questionamentos do Ministério Público e do ISA, respondeu: “Estamos trabalhando na realização de todos os estudos complementares solicitados pela Sema, órgão responsável por encaminhar os questionamentos a respeito do projeto”.
Quanto à captação de água do rio Xingu (atrelada ao processo de licenciamento), Diniz afirmou que “a empresa já prestou os esclarecimentos adicionais à Sema demonstrando que as operações não comprometem o abastecimento de água local”. A Belo Sun terá uma adutora com capacidade de bombeamento de 250 m³/hora, na fase de instalação. Na operação a demanda prevista deverá triplicar, passando a 764m³/hora (o que equivale a 0,2 m3/segundo). Embora esses sejam os valores estimados de consumo máximo, foi ressaltado que, nas duas etapas do projeto, devem ser utilizados de 80% a 90% da capacidade instalada. Haverá também estação de tratamento da água na área de mineração.
Diniz espera que a licença prévia seja emitida pela Secretaria de Meio Ambiente do Pará ainda neste semestre e ressalta que o Projeto Volta Grande, além de gerar empregos, renda e oportunidades, desenvolverá ciclos de capacitação de mão de obra e de empreendedorismo local. “A Belo Sun promoverá a melhoria da qualidade de vida, através da construção de um novo Núcleo Urbano para os moradores da Vila Ressaca, Galo e Ouro Verde, dotado de infraestrutura e serviços básicos, hoje inexistentes na região”.
Outro ponto que ele destaca é a arrecadação de impostos que “deve superar R$ 500 milhões em 11 anos”. Diniz acredita que nas duas audiências públicas (em setembro de 2012 e janeiro de 2013), “a Belo Sun teve a chance de apresentar o projeto, esclarecer dúvidas e ouvir as ponderações da sociedade local”.
Sobre riscos relacionados ao uso de produtos químicos como o cianeto (usado na separação do ouro das outras substâncias não aproveitáveis e presentes no minério), Diniz ressaltou que esse elemento químico ainda é indispensável na atividade mineradora e que a Belo Sun é signatária do Código Internacional de Gerenciamento de Cianeto. Isso significa que a empresa será auditada regularmente para monitoramento de instalações físicas, uso de equipamentos de segurança, treinamento dos profissionais contratados e prestadores de serviço, além de outras atividades como controle da aquisição, transporte, manuseio e operação do cianeto.
Ele descartou também a possibilidade de que vazamentos de rejeito possam contaminar o meio ambiente. Segundo conta, os rejeitos serão tratados ainda na planta metalúrgica, antes de chegarem à barragem onde se acumularão. Lá, continuarão sob monitoramento. “Acidentes com barragens ocorridos no passado foram motivos de aprendizado e de evolução das normas de engenharia, construção e operação”, afirmou .
Quanto ao manuseio de explosivos durante as operações, Diniz informou que a Belo Sun segue a Norma Regulamentadora (NR) 19 do Ministério do Trabalho, que trata da segurança no armazenamento, transporte e utilização desses artefatos, autorizados pelo Exército Brasileiro. “Nem toda a extração necessitará da utilização de explosivos”, concluiu.
Os grandes números do Projeto Volta Grande
Ouro extraído do local durante 11 anos, a partir de 2015: cerca de 50 toneladas. Em média, por ano, deve extrair 4,6 toneladas. Em 2010, a produção total de ouro no Brasil foi de 58 toneladas.
Área total: cerca de 2 mil hectares
Investimento total: US$ 1,076 bilhão.
Estimativa de empregos gerados: Cerca de 2 mil diretos e 600 indiretos no pico das obras.
Sobre a Belo Sun: “Subsidiária brasileira da Belo Sun Mining Corporation pertencente ao grupo Forbes & Manhattan Inc., um banco mercantil de capital privado que desenvolve projetos de mineração em todo o mundo”.
Fonte: Relatório de Impacto Ambiental (Rima)
Fonte: O Eco.
Fotos: Victor Moriyama