A operação de guerra contra o Brasil completou 10 anos. Por José Álvaro Cardoso.

Por José Álvaro Cardoso.

Nesta terça-feira, 17 de setembro, haverá o lançamento em Florianópolis do livro 10 Anos Da Operação Lava Jato: a desestabilização do Brasil, na Federação dos Trabalhadores do Comércio de Santa Catarina (FECESC). O lançamento, que ocorrerá às 18:30h, conta com o apoio das principais centrais sindicais catarinenses, Dieese, Instituto Joaquín Herrera Flores, dentre outras organizações.

O tema abordado por essa obra é primordial. Saber um pouco da operação Lava Jato significa compreender a gravidade e a sofisticação do domínio imperialista no Brasil. Do ponto de vista econômico e político, o Brasil não é um país soberano e o êxito daquela Operação – na realização do golpe de 2016 e na prisão de um ex-presidente da República sem crime – é a comprovação disso. A partir da Vaza Jato, que divulgou as conversas do então juiz Sérgio Moro e o promotor Deltan Dallagnol, assim como de outros integrantes da Operação, realizadas através do aplicativo Telegram, que veio à tona em 2019, ficou evidente porque não queriam tornar públicos os arquivos da operação: as conversas evidenciam inúmeros crimes cometidos pelo juiz e pelos procuradores da Operação.

Quando surgiram as denúncias da Vaza Jato, em 2019, em determinado momento, enquanto o país aguardava mais um capítulo da série “The Intercept Brasil – As Mensagens Secretas da Lava Jato”, Sérgio Moro viajou para os Estados Unidos, como Ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Jair Bolsonaro, compromisso que não estava na agenda oficial, para “fazer visitas técnicas a instituições”. Desesperado, porque foi pego com a boca na botija, foi ouvir orientações dos seus chefes nos EUA. Posteriormente, os crimes cometidos ficaram ainda mais evidentes com o material apreendido pela Polícia Federal na chamada Operação Spoofing.

Mas não foi só a frágil democracia brasileira que foi esfacelada com as prisões arbitrárias e o processo de impeachment de 2016, uma consequência direta da conspiração montada pela Lava Jato. Em 2021 o Dieese divulgou um estudo chamado IMPLICAÇÕES ECONÔMICAS INTERSETORIAIS DA OPERAÇÃO LAVA JATO, que mostrou que a operação visou destruir a Petrobras, nossa maior empresa, escolhida pela importância que esta tem na economia em investimentos, vendas externas, geração de empregos e desenvolvimento da tecnologia. Fundamental, portanto, para a soberania nacional. Segundo o estudo do Dieese, por conta da farsa montada pela Lava Jato, R$ 172,2 bilhões deixaram de ser investidos no País, somente entre 2014 e 2017, soma equivalente a 40 vezes os R$ 4,3 bilhões que a Lava Jato afirma ter recuperado para os cofres públicos.

A Operação Lava Jato, que visava falir a maior empresa da América Latina, levou a uma crise inusitada no setor de petróleo e gás, e a uma queda drástica da taxa de investimentos. Quando os mentores da operação perceberam que podiam quebrar, além da Petrobras, também os fornecedores nacionais que estavam no entorno da empresa, não tiveram dúvidas. As empresas de petróleo e gás, e construção civil, que concorriam diretamente com as empresas norte-americanas, foram quase todas envolvidas com as investigações, seus executivos presos de forma arbitrária e sem respeito às leis, na chamada “Guantánamo de Curitiba”.

O suposto combate à corrupção, que seria o objetivo da Lava Jato, não passou de uma grande cortina de fumaça. Na realidade, a Operação visava apear do poder um governo nacionalista (bastante moderado), desorganizar a economia brasileira que vinha crescendo e distribuindo um pouco a renda. Em 2014, quando deram início à Lava Jato, a Petrobras já investia mais de R$ 100 bilhões por ano, pagava R$ 72 bilhões em impostos para a União, estados e municípios e operava, uma frota de 326 navios, 15 refinarias e 134 plataformas de produção de gás e de petróleo. Para termos ideia do papel da Petrobras, a participação do setor de Óleo e Gás no PIB do País, que era de apenas 2% em 2000, em 2015 já era de 13%.

A partir do segundo semestre de 2014, há 10 anos, quando se intensificou a pancadaria para cima da Petrobras, o Escritório Regional do DIEESE em Santa Catarina, realizou em torno de 12 seminários nas mesorregiões catarinenses, para discutir Petrobras, Lava Jato e o golpe que estava se armando, e que se iria se concretizar em 2016. Com esses seminários organizados pelo Dieese, a tentativa era a de mostrar que a operação Lava Jato tinha sido desencadeada por causa dos excelentes números da companhia, e não por causa da corrupção que eventualmente existisse na Petrobras, ou mesmo porque a empresa estivesse “quebrada”, como os grandes meios de comunicação espalhavam aos quatro ventos. O objetivo dos seminários era evidenciar que estava em curso um golpe de Estado contra o país, utilizando como instrumento a empresa mais importante da América Latina.

Com a descoberta do pré-sal, e com a Lei de Partilha, votada no Congresso Nacional em 2010, a Petrobras se tornou uma zeladora constitucional da uma das maiores riquezas naturais que o povo brasileiro dispõe neste momento, que é o petróleo e o gás. Quando se começou a denunciar a Operação Lava Jato como uma iniciativa ligada aos interesses econômicos e políticos norte-americanos, alguns afirmavam que isso significa aderir à uma “teoria da conspiração”. Como se não existisse conspiração no mundo, ou como se os EUA nunca tivessem dado golpes em nenhum país, e fizessem tudo às claras e com as melhores intenções. O fato é que, apesar de todas as denúncias sobre os crimes cometidos pelas Operação Lava Jato, até hoje tem muita gente que acredita que a operação foi realmente contra a corrupção.

A Lava Jato se insere em uma lógica dos EUA, para a América Latina, de impedir o surgimento de potências regionais, especialmente em áreas com abundância de recursos naturais, como petróleo e outras, fundamentais para a economia de qualquer país, como no caso do Brasil. O modelo dos norte-americanos, proposto para a região é o de países com forças armadas limitadas, incapazes de defender suas riquezas naturais, como petróleo, lítio, cobre e outras. Na realidade, essa é a política dos EUA para o conjunto dos países subdesenvolvidos em todo o mundo.

A partir do anúncio do pré-sal pelo Brasil em 2006, os EUA reativaram a 4ª Frota Naval, dedicada a policiar o Atlântico Sul e rejeitaram a resolução da ONU que garantia o direito brasileiro às 200 milhas continentais. A proposta dos norte-americanos, e dos lesas-pátrias em geral, sempre foi tirar a Petrobras do caminho e possibilitar às multinacionais do petróleo a apropriação dos bilionários recursos existentes no pré-sal.

Quando a Petrobras anunciou a descoberta do pré-sal, os críticos, dos quais uma parte eram financiados pelas multinacionais do petróleo, diziam que o petróleo naquelas profundidades não teria viabilidade comercial. Chegaria tão caro na superfície, em função do custo de extração, que não teria viabilidade comercial. Hoje os custos de extração do barril do petróleo, do pré-sal, estão a US$ 3,5 praticamente o custo da Arábia Saudita, que retira petróleo, pode-se dizer, à flor da terra. Dezoito anos depois do seu anúncio, o pré-sal é uma realidade, que responde por mais de 75% do todo o petróleo extraído no país.

Muitos observadores não querem dizer o óbvio, por medo (porque se trata dos EUA, o país mais poderoso da Terra, que faz absolutamente de tudo para preservar seus interesses), ou senso de autopreservação. Mas o que se sabe é que os Estados Unidos, para continuar na condição de potência, depende crescentemente dos recursos naturais da América Latina e, por esta razão, não quer perder o controle político e econômico da Região. Uma das lições do golpe no Brasil é que se a gente quiser ter um país soberano tem que construir as condições geopolíticas e militares para isso.

A Petrobras foi o alvo central da operação, porque se trata de petróleo: produto fundamental e maior causador de todos os conflitos bélicos nos últimos 100 ou 150 anos e sem substituto no curto prazo, como fonte de energia e matéria-prima da indústria. A operação Lava Jato e todas as suas gravíssimas consequências nada teve a ver com corrupção. O sucesso da operação significou uma duríssima derrota do Brasil, em sua guerra pelo desenvolvimento nacional e libertação política da maioria dos brasileiros.

Os procedimentos ilegais utilizados na operação, prisões arbitrárias, vazamento seletivo de delações de criminosos, desrespeito aos princípios mais elementares da democracia (como a presunção de inocência), e a mobilização da opinião pública contra pessoas delatadas, são técnicas largamente utilizadas pela CIA em golpes e sabotagens mundo afora. Blindados pela mídia, a arrogância e o descaso com a opinião pública eram tão grandes que a turma da Lava Jato fez acordos de colaboração com o Departamento de Justiça dos EUA, com troca de informações de um lado e outro, para uso inclusive, das estruturas jurídicas americanas em processos contra a Petrobras.

Um dos interesses do capital internacional, essencialmente o norte-americano, obviamente é ampliar o acesso e o controle sobre fontes de recursos naturais estratégicos, em momento de queda da taxa de lucro ao nível internacional (terra, água, petróleo, minérios, e toda a biodiversidade da Amazônia). Mas no golpe houve todo um interesse geopolítico, de alinhar o Brasil às políticas dos EUA, como ocorreu em todos os golpes anteriores.

Logo após o golpe no Brasil, em 2016, conforme se poderia prever, o governo Michel Temer tomou várias medidas favoráveis às petroleiras: redução das exigências de conteúdo local, redução de impostos, dispensa de licenças ambientais, concessão de poços de petróleo a preços de banana. No governo Temer, com a Medida Provisória (MP) 795/2017 (que reduziu impostos às petrolíferas estrangeiras na exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás). Somente essa MP envolveu valores acima de um trilhão de reais, em 20 anos, tirados da mesa dos brasileiros mais pobres (conforme previsto na Lei de Partilha). Só um tolo muito colonizado poderia supor que, naquela altura dos acontecimentos, essas benesses concedidas às petroleiras foram concedidas pela simples admiração aos costumes requintados dos países imperialistas.

José Álvaro Cardoso é economista do DIEESE em Santa Catarina.
A opinião do/a/s autor/a/s não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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