Por Priscila Lopes.
Começa a tocar uma música. Começa a tocar uma música, eu coço meu ombro, finjo que não li, que não sei, que não notei que ele está a minha frente; penso: enfrente, mulher, enfrente, seja adulta, seja você, seja, mulher! As vozes baixam aos poucos porque há uma música e todos querem tentar reconhecê-la – nós já sabemos. Eu tusso. Imagino-me escrevendo isso pra ele um dia, uma carta, um e-mail, e acho estranho escrever a palavra “tusso”; então começo a rir porque sei que ele me entenderia e não entenderia como posso ser assim ainda, depois de tantos anos, como posso não ter amadurecido nesse ponto de fazer piada até com a morte da galinha. Agora o riso é incontrolável, entortando-me os lábios, que mordo mordo, parem, por favor, parem. Lembro da história da galinha dele que morreu tragicamente e que me fez rir aquela noite, mas eu já tinha bebido uma vodka, eu lhe disse; ele ficou arrasado. Essa história de vez em quando vinha à tona, pobre galinha. A música parou e deu lugar a um amontoado de vozes, e de repente posso distinguir entre tantas vozes, uma mais grave, uma um pouco mais aconchegante, e meu olhar procura num desespero alegre de ver chegar o outro. O outro. Já vem falando de longe de quantas voltas teve de dar para encontrar uma vaga, e vem com flores e tudo, cheio de novidades, novinho em folha; então é a sua vez.