Por Jeferson Miola.
Por que o Procurador-Geral da República Rodrigo Janot mudou o parecer inicial e passou a propor ao STF a anulação da posse de Lula na Casa Civil? O que se passou entre 28 de março, data do parecer escrito ao STF favorável à posse; e 7 de abril, quando Janot acolheu o pedido do PSDB e PPS para anular a posse?
Para justificar a mudança de posição, no novo parecer Janot invoca dois fatos que já eram fartamente conhecidos quando ele proferiu o parecer de 28 de março: [i] a delação do Senador Delcídio Amaral, divulgada com recortes pela Globo e imprensa golpista desde 3 de março; e [ii] as interceptações telefônicas ilegais da Presidente Dilma, espetáculo kafkiano levado a público pelo juiz Sérgio Moro em 16 de março.
Não havia, rigorosamente, motivos novos para a mudança de parecer. Por isso, é razoável se supor que Janot adota critérios próprios de um Estado judicial e policial, de exceção, e não do Estado Democrático de Direito:
– para incriminar inocentes, valida a palavra de um réu confesso que faz de tudo para se livrar da cadeia e cuja delação premiada ainda carece de comprovação;
– usa, para fins jurídicos, somente a parte selecionada da delação desse réu confesso que ataca sem provas a Presidente Dilma e o ex-presidente Lula. Janot, porém, despreza as menções do Delcídio à corrupção na Petrobrás no governo FHC, as propinas recebidas pelo Aécio em FURNAS e outros crimes do PSDB;
– considera legais os grampos telefônicos ilegais, assim como aceita a divulgação criminosa das conversas da Presidente Dilma com Lula, e usa este material obtido ilegalmente como “prova” não só para anular a nomeação de Lula na Casa Civil, mas também – e isso é grave – como alegação de suposto crime de responsabilidade da Presidente Dilma, por cometer “desvio de finalidade” [agente público que dissimula as reais intenções com ato administrativo] no ato da nomeação do Lula [sic].
Na inexistência de fundamento jurídico novo para embasar nova posição sobre a mesma matéria processual num intervalo de 10 dias, Janot apelou para o contorcionismo retórico acusatório e incriminador.
Quais seriam as razões para isso? É provável que seja uma nova jogada para conter o desgaste da Lava-Jato decorrente dos abusos do Moro; e, ao mesmo tempo, uma ação para interromper a tendência no plenário da Câmara dos Deputados favorável à vitória da legalidade – Cunha, Temer, PSDB e os golpistas têm dificuldade de obter 342 votos.
A reversão do cenário anterior, que era de tendência favorável ao impeachment, se deveu a alguns fatores:
– Temer e Cunha fracassaram no intento de afastar o PMDB do governo, e não se confirmou a saída hemorrágica de outros partidos da base;
– a lembrança dos 52 anos do golpe civil-militar de 1964 foi palco de importantes manifestações democráticas e populares a favor do governo, da legalidade e do Estado Democrático de Direito, ampliando a consciência democrática contra o golpe e demonstrando que qualquer ruptura incendiará o país;
– o ex-presidente Lula, mesmo impedido de assumir a Casa Civil e sendo caçado como um criminoso, em poucos dias de trabalho evidenciou a eficiência de seu papel na recomposição do governo e na retomada da iniciativa política; fato que, per se, desmente o “desvio de finalidade” da sua nomeação;
– é crescente a consciência interna e internacional quanto ao golpe em curso e à atuação tendenciosa da força-tarefa da Lava-Jato e dos personagens e setores institucionais pró-golpe, em especial Sérgio Moro, Gilmar Mendes, Rodrigo Janot, PF, MPF.
Os golpistas criam uma atmosfera permanente de suspeição e de acusação ao governo, ao PT, a Lula e a Dilma. O condomínio jurídico-midiático-policial fabrica um clima de “corrupção sistêmica” [o “mar de lama da UDN nos anos 1950] e de descontrole para disfarçar o atentado que cometem contra a democracia e a Constituição. Tentam, com isso, vender a ilusão de regularidade do golpe contra o mandato da Presidente Dilma.
Se não havia crime de responsabilidade da Presidente Dilma – e até as pedras sabem que não há – então é o caso de fabricar-se um para que se possa acusar, criminalizar e condenar Dilma.
Inventar o crime de “desvio de finalidade” na nomeação do ex-presidente Lula atende a dois objetivos: inviabilizar por todos os meios o ingresso do Lula na cena política, e abrir outro flanco de ataque golpista contra Dilma. Esta é a mais nova jogada de Janot para a estratégia do golpe.