Uma olhada atenta para o telejornal, na hora da principal refeição do dia, pode detalhar aquilo que bem já sabemos sobre o comportamento da impressa na cobertura de pautas relativas às lutas dos trabalhadores. Engasga, mas não derruba. O Jornal do Almoço dessa tarde, apresentando uma cobertura jornalística isenta – em teoria – foi impoluta. Ouviu todos os envolvidos e colocou em primeiro plano o direito de ir e vir da população.
Certamente, podemos dizer que cumpriu com os preceitos básicos do jornalismo clássico. Neutralidade. Objetividade. Compromisso com as pessoas. Mas, aquele telespectador inquieto não deixou passar batido. Um breve olhar atento sacou que a postura nem estava nas entrelinhas, a linha sempre esteve bem traçada. O pano nem era de fundo, nem mesmo era a toalha da mesa. Na superfície, no prato e no microfone, o asco como trata a prática sindical, justa e legal.
A reportagem, que traz levantamentos detalhados sobre horas e dias de paralisações e greves passadas desde 2002, não apresenta ao telespectador que o dispositivo da greve é a única alternativa de trabalhadores que recebem R$8,16 por hora de trabalho, enquanto o empregador, somente de isenção de impostos, 6 milhões ao ano. De isenção. Não estamos falando de lucro, menos ainda de mais-valia. Essa última, a imprensa nem mesmo conhece a origem da palavra.
A mesma cobertura jornalística, impecável do ponto de vista conservador, mostra a “covardia” dos grevistas e enaltece o fura-greve, aquele que também vai receber no seu mísero salário todos os benefícios conquistados pela batalhas conduzidas pelos colegas. E os trabalhadores, todos eles, têm a seu favor apenas o seu próprio contingente. Em defesa de nossos interesses nem poder judiciário, legislativo ou executivo. Mas, é na defesa da população que levantam-se as vozes da “impressa livre”. E assim, colocam a população contra a própria população. Em nome dos próprios interesses.
Portanto, o que se pôde ver na cobertura do JA foi o esforço plástico de busca impertinente por uma objetividade e uma neutralidade abstrata, que servem a lei do livre mercado, em que a RBS é prestadora de serviço público (o direito a informação para quem não lembra) e o confere tendo em primeiro plano o capital e o poder. Aliás, capital é poder. E poder é mais capital.
Então, na impecável cobertura que trouxe à margem todos os ângulos da notícia, surgem criações estereotipadas sobre trabalhadores furiosos, enveredando pelos caminhos do “radicalismo” e da ilegalidade. E uma imprensa séria, também estereotipada, que defende o povo, mas o faz sob a égide da culpabilização do próprio povo. Imprensa fada-madrinha, que limpa a barra do patrão e do governo, parte do mesmo grupo de poder. Bem-vindo à hegemonia. Do capital, da mídia, dos jogos de palavras.
O JA nos dá uma importante lição de como manter as coisas como estão. E o fazem todos os dias, criando pseudo-indignações populares para justificar a grande passividade social que são responsáveis por manter. A autodenominação neutra, imparcial e objetiva é uma posição, em defesa do hegemônico, de uma classe que não é a que pertence a maioria de nós.
*Imagem do Site Sintonia Universitária