Seu trabalho jornalístico sempre foi atravessado pelas implicações políticas e pelos fios de poder que controlam o esporte. Também investigou sobre desportistas detidos desaparecidos durante a última ditadura na Argentina, o que resultou em um livro e um documento: Esporte, Desaparecidos e Ditadura.
Veiga foi recentemente ganhador, na categoria Crônica, da edição 41 do prestigiado Prêmio Direitos Humanos de Periodismo concedido pelo Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH) com o respaldo da Rel UITA (Regional Latino-americana da UITA – (N.T.)
Um prêmio e uma parceria
Dias atás, aproveitando que vinha por aqui, o convidei para nos reunir para, quiçá, desenhar alguma “parceria” futura. Então fui até sua casa em Núñez, bairro emblemático da zona norte de Buenos Aires, onde conversamos longamente.
Como não tivemos oportunidade em Porto Alegre, minha visita serviu também para ele me contar um pouco sobre o prêmio, o que significou para ele e como analisa o negacionismo de Javier Milei e de seu governo em relação aos crimes cometidos durante a última ditadura cívico-militar na Argentina.
-É a primeira vez que você ganha um prêmio MJDH?
– Sim, e é a primeira vez que me apresento, pois sempre me senti inibido por ser argentino.
Vi que era um prêmio para o Brasil, mas, incentivado pelo próprio Jair e por um amigo que temos em comum, Marcos Villalobos, com quem mantenho relacionamento há vários anos, me candidatei e descobri que o texto da crônica “O churrasco e as sobras dos deputados” foi o vencedor.
Já tinha enviado outros textos e foi muito agradável que este tenha ganhado, porque o sentido do artigo é a ignomínia de um jantar na residência presidencial de Olivos para comemorar que estavam tirando dinheiro dos aposentados.
-Faz quanto tempo conhece o Jair?
-Em 2007 viajei para a exibição de um documentário que alguns amigos do Jair fizeram baseado no meu livro Esporte, Desaparecidos e Ditadura, no Memorial de Porto Alegre e desde então mantivemos contato.
Em um par de ocasiões o entrevistei para a Página 12 e temos uma comunicação frequente e fluida porque ele é uma referência em direitos humanos.
Sempre digo que jornalista deve ter fontes de referência para um tema e Jair é isso.
–Em Porto Alegre você me contou que conhecia o trabalho da UITA Rel. O que conecta você a nós?
–Em primeiro lugar, a minha matriz como trabalhador e como sindicalizado na minha época como jornalista na Argentina e também esses amigos em comum que temos pelo nosso trabalho em direitos humanos.
Eu já tinha a Rel no meu radar porque quando você vê que existe uma organização internacional, de qualquer tipo, que intervém em casos de exploração laboral como a Copa do Mundo no Brasil e as Olimpíadas do Rio, você presta atenção.
Quando percebo que a UITA Rel é uma das organizações que apoia o Prêmio de Jornalismo em Direitos Humanos, tomei contato mais direto com a ideia de aprofundá-lo ainda mais.
-Como analisa a atuação do governo de Javier Milei em matéria de direitos humanos e seu discurso negacionista sobre os desaparecidos da última ditadura?
-Para definir este momento histórico da Argentina disse algo que talvez não pareça apropriado para alguns, que é que a atual Argentina não é uma democracia, embora mantenha certas formas constitucionais de exercício do poder.
Não é uma democracia porque as políticas de direitos humanos estão a ser sistematicamente desmanteladas.
Isso pode não ser muito óbvio, porque é um trabalho de destruição tipo formiguinha.
Organizações vitais para a manutenção da memória, para a recolha de dados genéticos de familiares de detidos desaparecidos, o Arquivo da Memória Nacional, estão sendo desfinanciadas e um ataque público contra estes grupos está a sendo promovido a partir da Presidência.
O lado positivo, entre todas as coisas ruins, é que, neste aspecto em particular, eles não nos derrotaram.
Os cidadãos saíram às ruas em massa para protestar contra os discursos negacionistas e os discursos de ódio contra as minorias, por isso podemos ver aí uma força de princípios, de sentido, em torno da luta liderada primeiro por mães, avós, depois filhos e familiares, até mesmo filhos de repressores que se juntaram a esta luta pela memória, verdade e justiça.
Não nos venceram.

Foto: Amalia Antúnez