A máquina mortífera dos paraísos fiscais

Por Carlos Drummond.

Segundo estudo divulgado em dezembro pela organização estadunidense Global Financial Integrity, dedicada a investigar e denunciar os fluxos financeiros internacionais ilegais, e o Centro de Pesquisa Aplicada da Escola de Economia da Noruega, desde 1980 os países em desenvolvimento perderam 16,3 trilhões de dólares em transações internacionais. A sangria abrange grandes vazamentos nos balanços de pagamentos, movimentação ilícita de dinheiro por meio da falsificação de valores nas faturas de transações comerciais internacionais (trade misinvoicing) e transferências financeiras registradas.

Esses recursos representam imensos custos sociais pagos pelos cidadãos de todas as nações em desenvolvimento. CartaCapital selecionou os trechos a seguir do importante levantamento, intitulado “Fluxos financeiros e paraísos fiscais: combinando-se para limitar a vida de bilhões de pessoas”. Os países em desenvolvimento, mostra a pesquisa, efetivamente serviram como credores líquidos para o resto do mundo e os paraísos fiscais desempenharam um papel importante na fuga de capital não registrado. Em 2011, a parcela da riqueza total daquele grupo escondida naqueles redutos foi avaliada em 4,4 trilhões de dólares. A subtração desses recursos exacerbou a desigualdade, minou a boa governança e o crescimento econômico.

O investimento estrangeiro direto líquido acumulado do Brasil em paraísos fiscais atingiu 25,8 bilhões de dólares, segundo o levantamento. As Ilhas Cayman eram o destino preferido, com 57% do total das aplicações, seguidas das Ilhas Virgens Britânicas, que arrebanhavam 12,6%. Parece ter ocorrido uma mudança no destino predileto do dinheiro brasileiro, do Panamá, um dos refúgios mais frequentes em 2008, para as Ilhas Cayman e as Ilhas Virgens Britânicas. O movimento nessa direção prossegue.

Luxemburgo foi o principal paraíso fiscal com os maiores fluxos de investimento direto estrangeiro no Brasil, equivalentes a 57,5% do total, seguido das Ilhas Virgens Britânicas, com 10%. Luxemburgo foi o maior investidor estrangeiro direto no Brasil no período de 2008 a 2013. A análise da Global Financial Integrity e da Escola de Economia da Noruega é a mais abrangente realizada até hoje das transferências financeiras globais que impactam os países em desenvolvimento e se concentra especialmente nos efeitos nocivos dos paraísos fiscais offshore. Uma porcentagem das remessas financeiras lícitas é incluída também, pois nem sempre é possível desagregar os componentes dos dados de fluxos e depósitos obtidos legal ou ilegalmente.

Incluir os números do balanço de pagamentos e a análise de valores do comércio bilateral implicou levar em consideração financiamentos oficiais em apoio ao desenvolvimento, empréstimos, repagamentos, cancelamento de dívidas, investimento estrangeiro direto, investimento em carteiras, remessas, contribuições de organizações religiosas e beneficentes e operações comerciais registradas e não registradas, do modo como são revelados nos bancos de dados disponíveis.

Desde o início dos anos 1980, as transferências de recursos líquidas (NRT, em inglês) de todos os países em desenvolvimento foram negativas e assumiram grandes proporções, uma indicação de que as nações desse bloco perderam montantes significativos de modo contínuo. O resultado confirma-se tanto em valores nominais quanto em porcentagem do Produto Interno Bruto. Estimativas mostram fluxos ilícitos para quase 82% de todas as movimentações de recursos líquidas do grupo. No centro desse percurso desafortunado estão os centros offshore que facilitam as transações financeiras criminosas, corruptas e de evasão fiscal, com um impacto mais prejudicial nas parcelas pobres da população.

Não é aceitável a argumentação de que o pequeno papel dos paraísos fiscais em negócios legítimos justifica a sua função extremamente danosa na intermediação de operações ilícitas, que são os principais componentes das transferências líquidas nos países em desenvolvimento. Provavelmente, não há um motor mais potente da desigualdade do que a combinação de fluxos financeiros ilícitos e paraísos fiscais offshore. Esses mecanismos e entidades facilitadoras beneficiam os ricos e prejudicam a classe média e os pobres. Os movimentos financeiros ilícitos favorecem principalmente quem escapa das tarifas alfandegárias, do Imposto sobre Valor Agregado e do Imposto de Renda.

Segundo a medida de transferências líquidas de recursos baseada em fuga de capitais, os países em desenvolvimento perderam ao todo quase 3 trilhões de dólares em operações registradas e quase 4,5 vezes esse valor (13,4 trilhões) por meio de fuga de capitais. Excluindo-se a China, o prejuízo foi de 1,1 trilhão em transações registradas e 10,6 trilhões em fuga de capitais. Os investimentos em portfólio (nos mercados financeiro e de capitais) dos residentes de países em desenvolvimento realizados nos paraísos fiscais aumentaram de 129,3 bilhões de dólares no fim de 2009 para 182 bilhões em dezembro de 2012, o último ano para o qual há dados disponíveis.

Cerca de 90% dos integrantes do bloco não relataram, ou registraram sob cláusula de confidencialidade, as suas posições em portfólios naqueles esconderijos de dinheiro ilegal. As estimativas subestimam, portanto, os valores ocultados. Os paraísos fiscais detêm mais ativos em portfólio nos países em desenvolvimento do que os últimos investem nos primeiros e aumentaram sua posição de 834 bilhões de dólares em 2009 para 1,2 trilhão em 2012.


Perto de 60% dos países em desenvolvimento não informaram, no entanto, dados de investimento estrangeiro direto (em participações ou no controle de empresas) e as estimativas subestimam a posição real. A posição de IED dos paraísos fiscais naquele grupo era de 1,1 trilhão de dólares em 2009 e praticamente dobrou em 2012, quando atingiu o total de 2 trilhões.

As ligações financeiras entre paraísos fiscais e países desenvolvidos, tanto em termos de investimentos de portfólio quanto em investimento estrangeiro direto, são muito mais fortes do que entre aqueles redutos de sonegadores e transgressores de todos os tipos e as nações em desenvolvimento. Somadas as duas modalidades, os residentes desse bloco tinham 1,2 trilhão de dólares ocultados nesses refúgios em 2009 e três anos mais tarde o total subiu para 1,5 trilhão.

Com base nos números do banco de dados do FMI e aplicando-se a porcentagem de ativos bancários mantidos em paraísos fiscais segundo o BIS, conclui-se que os residentes de países em desenvolvimento detinham naqueles esconderijos de dinheiro ilegal 1,8 trilhão de dólares em 2005 e 4,4 trilhões em 2011, o último ano para o qual há dados disponíveis da última instituição.

Fonte: Blog Altamiro Borges/Carta Capital.

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