A luta contra a OTAN também é latino-americana

Bruxelas, 25 de maio. Foto: Aris Oikonomou / SOOC
Bruxelas, 25 de maio. Foto: Aris Oikonomou / SOOC

Por Moara Crivelente.

A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) foi denunciada por diversos movimentos populares reunidos na capital belga, Bruxelas, às vésperas da sua cúpula, na quinta-feira (25), onde os líderes dos países membros arrogam-se o direito de deliberar sobre o futuro da humanidade. Participando dos eventos, o Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz) é parte na luta contra essa maquinaria imperialista e buscou evidenciar o impacto desta política na América Latina*.

O Conselho Mundial da Paz (CMP) – de que o Cebrapaz e movimentos de cerca de 90 países são membros – tem promovido uma campanha desde 2010 intitulada “Sim à Paz! Não à OTAN!”. Neste âmbito, realiza ações por todo o mundo e também nas capitais em que a liderança dos países membros da aliança agressiva se reúnem e desenvolvem os planos que a mantêm funcionando e expandindo sua atuação agressiva por todos os continentes.

A campanha do CMP é decisiva na condenação da OTAN como “uma máquina de guerra” a serviço do imperialismo, especialmente o estadunidense, que comanda seus rumos. A aliança tem 28 membros e continua se expandindo em direção à vizinhança russa, além de realizar acordos e parcerias diversas com países não-membros, como Israel e Colômbia – distantes da inicial “área de atuação” desse bloco político-militar do Atlântico Norte montado em 1949.

O fato de chamarmos a atenção para a extensão da influência destrutiva da OTAN para enfatizar sua presença e ação na América Latina revela até onde vai essa máquina de guerra para tentar impor sua hegemonia a todo o planeta.

Em solidariedade com todos os povos vitimados, massacrados ou ameaçados, cujos países foram destruídos e as soberanias violadas, da Iugoslávia à Líbia, do Afeganistão à Somália, ao Sudão e assim por diante, o Cebrapaz também denunciou os pretextos inventados pelas potências imperialistas e hegemônicas. Destacamos a promoção da “segurança” – mesmo sob o desenvolvimento conceitual de uma chamada “segurança humana” – e a “intervenção humanitária” – com a chamada “responsabilidade de proteger” – ou “ajuda humanitária”, muitas vezes apresentada como “por solicitação de” algum governo ou organização governamental, o que supostamente pinta operações militares devastadoras, intervenção e presença ofensiva com uma camada de legitimidade.

Na América Latina e no Caribe, também enfrentamos as crescentes ameaças da presença militar imperialista, uma região na qual os povos têm lutado por mudanças progressistas que transformariam o contexto social. Uma região e um continente mutilados pelo colonialismo, o neocolonialismo e o imperialismo, que ganharam raízes em nossos sistemas econômicos, políticos e sociais através do conluio de elites reacionárias regionais com seus patrões estrangeiros.

Do apoio aos golpes de Estado militares até a interferência militar, política e econômica, as políticas dos EUA sempre consideraram a América Latina e o Caribe o seu quintal, como todos sabemos, e fizeram grandes esforços para manter o controle da região, custasse o que custasse. No século 21, as táticas podem variar, mas a estratégia é a mesma, e novamente sofremos das ingerências e da aliança das elites regionais dispostas a vender nossa soberania, recursos e direitos. Em Honduras, no Paraguai e no Brasil, o golpe de estado foi eficaz, e continuamos a nos mobilizar por impedir as tentativas de golpe na Venezuela bolivariana, Bolívia e Equador, todas com o objetivo de recuperar o controle sobre o futuro dos povos e impedir sua emancipação. Não sem resistência.

É neste contexto que temos denunciado as bases militares estrangeiras, que são mais de 80 na região – entre as mais de mil em todo o mundo. O Brasil está cercado por dezenas de bases militares estabelecidas em nossos vizinhos Colômbia e Peru e nossa fronteira com Paraguai e Argentina é a próxima, graças ao acordo de Maurício Macri com os EUA para duas novas bases. No próprio Brasil, um governo ilegítimo que já está em ruínas tenta negociar uma base estratégica com os Estados Unidos. Além disso, temos denunciado a Quarta Frota dos EUA e seu Comando Sul, reafirmando o que todos sabemos, que os recursos dos povos estão entre os principais pontos no cálculo das potências para suas políticas.

Não bastasse, um governo ilegítimo no Brasil convidou os EUA para um exercício militar conjunto com a Colômbia e o Peru, na Floresta Amazônica, em novembro, sob pretexto de combater o crime transnacional, o tráfico de drogas e até mesmo o “terrorismo”, o que sabemos se referir especialmente aos movimentos insurgentes. É um ultraje e começamos a nos mobilizar contra esses planos, especialmente no cenário caótico em que as elites reacionárias, a mídia, parte do Congresso e parte do Judiciário lançaram o Brasil.

Em 2016, o governo da Colômbia já convidou a OTAN para ajudar a “combater o crime organizado”, embora estejamos bem conscientes das intenções e dos desempenhos da interferência estrangeira, especialmente dos EUA, na região, com este pretexto.

Mas esses não são fatos isolados da história. Desde a década de 1950, os EUA têm montado comandos militares para se concentrar na América Central e do Sul, embora o Comando Sul só tenha sido definido como tal em 1963. E foram períodos de atividade intensificada entre os promotores do golpe na região, que viu uma proliferação de regimes militares brutais com ligações já demonstradas com autoridades e as políticas dos EUA.

Entre as aproximadamente 80 bases militares estrangeiras na América Latina e no Caribe, muitas são ou podem ser usadas pela OTAN. Uma delas é a base do Reino Unido nas Ilhas Malvinas, usurpadas do povo argentino. É mantida lá para dissuadir a Argentina de tentar recuperá-la e para fazer parte de uma política de “ameaça e controle” para a região. Embora alguns especialistas e líderes convidados para seminários e conferências de imprensa da OTAN insistam em dizer que a aliança não tem um papel na América Latina – porque os EUA têm bons parceiros na região e todos podemos contar com uma Organização intervencionista dos Estados Americanos (OEA) para “promover a segurança e a democracia” – sabemos que todas essas maquinarias estão interligadas.

Ainda assim, como muitos apontam, o aumento da presença militar estrangeira, especialmente estadunidense, na América Latina e Caribe, integra os esforços da OTAN de se tornar e se manter global.

Em nossa região, isso se liga às políticas neocoloniais promovidas pelos mesmos membros da OTAN através de outras frentes, apesar da forte resistência das forças regionais, democráticas e progressistas, que promovem a soberania através da Unasul e da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), por exemplo, uma mudança progressista baseada na defesa da nossa como uma Zona de Paz, que também se atreveu a promover abertamente uma defesa regional, autônoma e coletiva. E estes são os verdadeiros desafios contra os quais lutam as forças imperialistas e as reacionárias locais.

Em suma, como reafirmamos nas resoluções, campanhas e declarações do CMP, como fizemos na Assembleia no Brasil, que Cebrapaz teve a grande honra de acolher, nossa força está no aprofundar e ampliar nossa luta contra a militarização do planeta às custas dos direitos dos povos e da soberania das nações.

Neste sentido, ficou reforçado nosso compromisso com a campanha “Sim à Paz! Não à OTAN!”, a dissolução das bases militares estrangeiras, a eliminação das armas de destruição em massa, o fim do colonialismo, do neocolonialismo, das guerras, das agressões, das interferências e ocupações militares, da promoção de golpes e outros mecanismos e táticas que fazem parte da estratégia imperialista de hegemonia global.

*Este artigo é baseado na fala da autora, que representou o Cebrapaz na Conferência do Conselho Mundial da Paz contra a OTAN em Bruxelas, Bélgica, em 24 de maio de 2017.

Moara Crivelente é doutoranda em Política Internacional e Resolução dos Conflitos, diretora de Comunicação do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz) e assessora da Presidência do Conselho Mundial da Paz.

Fonte: Vermelho.

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