A lógica capital predatória inviabilizará o turismo em Porto Seguro

Imagem: Google Earth
Imagem: Google Earth

Por Elissandro dos Santos Santana, Porto Seguro, para Desacato.info.

A lógica do capital que prevalece nas práticas do turismo em Porto Seguro inviabilizará a continuidade da atividade na região e isso não demorará muito, basta analisar o quadro de estresse ambiental pelo qual passa o município. A possível inviabilização do turismo na cidade é, no mínimo, preocupante, dado que ele é o principal eixo na matriz de produção de geração de emprego e renda para a população.

A cada ano, o fluxo turístico aumenta e, consequentemente, crescem as pegadas ecológicas das atividades turísticas na cidade. Atualmente, por conta do turismo insustentável, um dos mais graves problemas é a especulação imobiliária, pois tal fator tem contribuído para o crescimento horizontal acelerado, com a ocupação de espaços naturais e desencadeamento de estresses na fauna e na flora. Além disso, o crescimento urbanístico, a partir dos muitos condomínios em construção na cidade, tem alcançado áreas próximas a aldeias e reservas indígenas, e isso acarreta algum tipo de prejuízo que, na conjuntura atual, a partir da semântica equivocada de progresso como crescimento da cidade, todavia, em um primeiro momento não fica muito evidente, pelo menos, não para a sociedade como um todo.

A urbanização tem se dado de forma rápida, fator que impressiona, dado que os licenciamentos ambientais, geralmente, demandam tempo, mas, em decorrência da velocidade com que a cidade cresce, parece que eles se dão na mesma rapidez com que a mancha urbana se alarga. Essa rapidez ocorre devido à eficiência, competência e comprometimento dos órgãos ambientais? Essa é uma pergunta que toda a sociedade deveria fazer.

Em Porto Seguro, o turismo insustentável vende a imagem da cidade-paraíso, um pacote-objeto a ser consumido e isso interfere, diretamente, no crescimento urbanístico. Essa urbanização, muitas vezes, ocorre por meio da especulação imobiliária que destrói áreas verdes a olho nu.

O incrível é que, geralmente, nos imaginários societários porto segurenses fica a noção de que os principais agentes de destruição ambiental no que tange ao crescimento urbanístico seriam os pobres, mas isso é falacioso, dado que uma observação atenta a partir de imagens de satélite, por meio do Google Earth, prova que os grandes condomínios são os que mais estão ocupando espaço no município.

No artigo “Sugestão de pesquisa em torno das ações insustentáveis e déficits socioambientais no turismo de Porto Seguro–Bahia”, publicado na Revista Letrando, apresento alguns roteiros da cidade que sofrem algum tipo de impacto por conta do turismo. “Há pontos estratégicos para o turismo na cidade. Começando pelo centro, há a Passarela do Álcool, onde, diariamente, são armadas barracas para vendas de alimentos, bebidas e artesanatos locais, com a circulação de milhares de pessoas. Esse ponto turístico também é o local para a realização das festas mais importantes da cidade, com bandas e circulação de trios elétricos. O problema é que essa parte está localizada às margens do Rio Buranhém, que desagua no mar, e, após as festividades, são visíveis os impactos ambientais com a presença de resíduos sólidos como garrafas plásticas, de vidro e de metal no leito do rio. Na Orla Norte há grandes empreendimentos como barracas e hotéis com festas na praia, em que é possível verificar o acúmulo de resíduos sólidos e líquidos. Além desses problemas, vários rios e riachos desse perímetro estão contaminados com o despejo de esgotos e outros resíduos. Para piorar a situação, novos empreendimentos e condomínios são construídos nessa parte da orla a cada ano. Do centro de Porto Seguro para o Arraial d’Ajuda (outro ponto muito importante para o turismo) há a travessia de balsa pelo Rio Buranhém e tais embarcações são abastecidas às margens do próprio rio, o que demanda cuidado e política sólida de fiscalização ambiental, pois há o risco de contaminação da água com o vazamento de óleo. Do outro lado, há engarrafamentos na Estrada do Arraial até o Centro do Distrito e isso provoca, além dos ruídos que perturbam aves e outros animais da fauna local, poluição com o lançamento de CO2. Saindo do Arraial, há o turismo ainda mais luxuoso no Distrito de Trancoso e, nesse espaço, a natureza passa por um acelerado processo de desgaste, em que grandes hotéis são construídos e o distrito, por conta do sucesso econômico advindo do turismo, atrai um contingente de pessoas de outras partes do município e de outras cidades da região, ocasionando o crescimento urbano e populacional desordenado com o surgimento de bairros sem condições sanitário-ambientais.”.

No mesmo artigo acima, pontuo que o turismo é uma atividade que possibilita o trânsito de pessoas, de cultura, de saberes e de geração de riquezas, por isso, conforme Coriolano, Leitão e Vasconcelos (2009, p. 29): “é um campo afeito a tensões e antinomias.” Essas tensões e antinomias, segundo os autores mencionados, encontram explicação no fato de que as imagens do turismo consolidadas ao longo do século XX produziram signos e símbolos impregnados de significados simultaneamente criativos e destrutivos. Tais antinomias são frutos, em parte, da própria complexidade das atividades turísticas, pois, segundo Ricco (2012, p. 167) o turismo: “(…) é um fenômeno extremamente complexo, dinâmico, que opera de múltiplas formas e nas mais diversas circunstâncias, sendo difícil apreendê-lo em sua totalidade por meio de uma única perspectiva teórica ou mesmo de uma única ciência.”.

Para tentar compreender parte dessas tensões, é oportuno recorrer ao que afirmo no artigo “Ações insustentáveis no turismo de Porto Seguro-Bahia”, quando elucido, em parte, porque o turismo ocorre em vias insustentáveis na região, quando pontuo o seguinte: “(…) frente às condições socioeconômicas frágeis, os atores sociais envolvidos com o turismo desenvolveram práticas exploratórias do capital natural e essa concepção também aparece no discurso do turista que concebe a região como pacote-objeto a ser consumido. A partir do consumo/exploração, o que deveria ser espaço de troca cultural, histórica e convivência com a natureza, converte-se em relações depredatórias que vão desde a poluição de praias e rios com resíduos sólidos, à depredação de recifes em decorrência da presença não controlada de pessoas nessas áreas de ampla biodiversidade marinha, à irresponsabilidade de gestores públicos em relação a políticas de educação ambiental, além da ausência da aplicação de legislação ambiental, planejamento e zoneamento ambiental para a cidade.

No artigo “Caminhos possíveis para um turismo sustentável em Porto Seguro”, afirmo que a lógica de exploração do turismo na cidade de Porto Seguro coaduna com a visão do capitalismo exploratório, onde prevalece a concorrência com foco somente no lucro. E, para mostrar os pontos negativos de um turismo que se ancora nas vertentes capitalistas, recorro a Boff (2014, p. 34) quando este autor externa o seguinte: “É notório que o sistema capitalista imperante no mundo é consumista, visceralmente egoísta e depredador da natureza. Está levando toda a humanidade a um impasse, pois criou uma dupla injustiça: a ecológica, por estar devastando a natureza, e outra social, por gerar imensa desigualdade social.”.

O capitalismo, distante de uma preocupação social, visando somente à pecúnia lucrativa, tem contribuído para o esgotamento dos recursos naturais na cidade. Esse esgotamento, em pouco tempo, inviabilizará as atividades turísticas nas áreas do município, pois o turista que chega a Porto Seguro vem em busca justamente das belezas e atrativos ambientais que a região oferece e, na ausência desse capital natural, não teremos mais o turista, já que esse é o elemento principal de atração do visitante.

Como pontua Boff, o capitalismo consumista, além das injustiças sociais, também provoca a injustiça ecológica e isso se manifesta de várias formas. Nesse sentido, é possível concatenar o que afirma o autor supracitado com as injustiças ambientais na cidade. Os déficits ambientais em decorrência do turismo, direta, ou, indiretamente, já são perceptíveis em várias partes do município. Como exemplo, cito a morte da Lagoa Azul. No mesmo artigo apresentado acima, discorri sobre a destruição desse espaço natural em decorrência das práticas insustentáveis do turismo, pontuando o seguinte: “no sentido Arraial d’Ajuda-Trancoso, em um passado não muito distante, havia um espaço conhecido por/como Lagoa Azul que, por conta de ações insustentáveis no turismo, seja com a entrada sem controle de visitantes, seja pela retirada da cobertura vegetal que se localizava próximo às falésias, em especial, na parte de cima, ou pela construção civil, houve a morte desse ambiente natural. No referido espaço, os turistas, além de todos os encantos naturais do local, banhavam-se e se lambuzavam na argila, tida por especialistas e moradores da região, como medicinal. Com o extermínio da lagoa, ficou uma lacuna, um déficit em relação a espaços de exploração do turismo na cidade.”.

A Lagoa Azul é só um entre tantos exemplos que corroboram como o turismo de Porto Seguro, infelizmente, ainda está alicerçado na vertente positivista de concepção de subjugação da natureza. No entanto, outro turismo é possível, arvorado nos princípios da sustentabilidade, com o uso dos espaços a partir do princípio do cuidado e da utilização responsável.

Por último, para explicar a necessidade de outra lógica econômica para o turismo  na cidade, ainda no artigo “Ações insustentáveis no turismo de Porto Seguro”, afirmo que é possível outra lógica econômica para a utilização dos espaços naturais no turismo na região quando mencionei que para a compreensão da complexidade das atividades turísticas na cidade, faz-se necessário entender as consequências das ações antrópicas em ambientes diversos em Porto Seguro, levando-se em consideração que elas ocorrem em áreas marinhas, lacustres e ecossistemas em geral. No que concerne à relação economia e meio ambiente, já que o turismo de Porto Seguro ocorre a partir desses dois pilares, é importante recorrer ao que afirma Braga et al. (2002, p. 226): A Economia ecológica constituiu uma reação àquilo que considera como insuficiência dos princípios-base da economia tradicional, em face da natureza dos processos ecológicos nos ecossistemas e na biosfera, que são determinantes do equilíbrio e da qualidade do ambiente. Na sua visão, a economia deve ser entendida como um subsistema (o subsistema econômico) originado da atividade humana, mas subordinado às leis fundamentais que regem os ecossistemas da biosfera.

Referências bibliográficas

SANTANA, Elissandro dos Santos. Sugestão de pesquisa em torno das ações insustentáveis e déficits socioambientais no turismo de Porto Seguro-Bahia. Paripiranga: Revista Letrando ISSN 2317-0735, 2016.

Ações insustentáveis no Turismo de Porto Seguro Bahia, artigo de Elissandro dos Santos Santana. Revista Ecodebate.

BOFF, Leonardo. A grande transformação: na economia, na política e na ecologia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

Caminhos possíveis para um turismo sustentável em Porto Seguro, Bahia, artigo de Elissandro dos Santos Santana. Revista Ecodebate.

BRAGA, B. et al. Introdução à engenharia ambiental: o desafio do desenvolvimento sustentável. São Paulo: Pratice Hall, 2002.

CORIOLANO, Luzia Neide M. T., LEITÃO, Cláudia S. e VASCONCELOS, Fábio P. Turismo, cultura e desenvolvimento na escala humana. In: CORRÊA, Maria Laetitia; PIMENTA, Solange Maria; ARNDT, Jorge Renato Lacerda. Turismo, sustentabilidade e meio ambiente. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009.

 

 

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