A liberdade dos neoliberais e o papel do Estado. Por Jair de Souza.

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Por Jair de Souza.

A primeira exclamação feita por Javier Milei após ser eleito presidente da Argentina foi: “Ganó la libertad, carajo!”. E, algumas semanas atrás, o dono de uma das maiores fortunas do planeta, o multibilionário Elon Musk, deslanchou uma forte campanha internacional contra o governo brasileiro encabeçado pelo Presidente Lula sob a alegação de defender a liberdade de expressão, que estaria sendo cerceada em nosso país.

Mais recentemente, em relação com a tragédia climática que se abateu contra o estado do Rio Grande do Sul, o deputado bolsonarista Gustavo Gayer divulgou pelas redes sociais uma nota em que cobrava do governo federal que se mantivesse afastado dos trabalhos de socorro aos atingidos para não atrapalhar aquilo que os cidadãos e empresas privadas estariam fazendo. Novamente, seria uma questão de liberdade.

Por que gente plenamente identificada com o neoliberalismo, como os bolsonaristas e os abertamente neonazistas, vive falando sobre liberdade? Quais seriam as motivações para que pessoas que sempre demonstraram o máximo desprezo a tudo o que pudesse simbolizar respeito à dignidade humana apareçam agora com a pretensão de serem tidas como os campeões da liberdade? O que seria a liberdade para um neoliberal, um bolsonarista ou um neonazista?

O primeiro e mais importante ponto a levar em consideração em relação a esta questão é ter clareza de que, para um adepto do neoliberalismo, não há o que possa estar acima do sagrado direito de propriedade. De propriedade particular, para que não subsista nenhuma dúvida. Portanto, tendo isto em mente, é possível entender que todos os demais direitos devem funcionar em sintonia com o propósito de defender a possibilidade de que um indivíduo goze e usufrua de suas propriedades livremente, sem nenhum impedimento que o atrapalhe e inviabilize quanto a isto.

Portanto, esta compreensão vai ser fundamental para entender como, por exemplo, o governo do libertário Javier Milei tenha tido como uma de suas primeiras medidas a retirada de mecanismos estatais que serviam para amparar a população necessitada e, ao mesmo tempo, tenha exercido forte repressão policial contra a população que saiu às ruas para protestar.

Mas, não seria este caso uma flagrante contradição contra o ideal da defesa irrestrita da liberdade por parte dos neoliberais e neonazistas, como Javier Milei? A resposta é: absolutamente, não! É que, como já mencionamos, antes de quaisquer outros direitos está o da propriedade privada. Então, nenhuma liberdade que ponha em risco esse direito deve ser tolerada. Por outro lado, toda e qualquer medida repressiva será útil e aceitável se servir para garantir o respeito ao direito mais sagrado e fundamental. Difícil de entender a lógica? Não, para quem estiver imbuído do espírito do neoliberalismo que, reiterando, é defendido, entre outros, pelos bolsonaristas e por todos os neonazistas.

Segundo a ideologia neoliberal, a liberdade é e deve ser ilimitada, desde que sirva para a preservação daquilo que lhe é mais sagrado. Por isso, uma liberdade que ponha em risco a propriedade privada absoluta será, na verdade, uma espécie de antiliberdade. Portanto, cabe a um governo libertário coerente dificultar e reprimir a organização das massas trabalhadoras que venham a significar uma ameaça ao direito de os donos do capital aplicarem seus recursos da maneira que considerem mais apropriada, de pagar os salários que se disponham a pagar.

Por sua vez, o trabalhador tem todo o direito individual de aceitar ou rejeitar o que lhe foi oferecido. Porém, tudo deve ser uma questão individual, entre cada trabalhador e cada patrão. Ao juntarem os trabalhadores para fazer pressão por melhores condições salariais e de trabalho, os sindicatos estariam violando o sagrado direito de propriedade, o que, no fundo, acabaria interferindo na liberdade.

Com isto em mente, fica muito fácil entender que nem as autoridades dos Estados Unidos, nem Elon Musk, nem os bolsonaristas, nem Javier Milei, sintam que tenha sido um atropelo à liberdade de expressão a condenação e o castigo aplicado a Julian Assange por ter ele divulgado os crimes praticados pelas forças militares estadunidenses no Iraque. Eles também não viram nada de contraditório quando o sinal de Telesur foi bloqueado na Argentina, ou o de RT e todos os meios russos na Europa e nos Estados Unidos. Logicamente, como Assange e esses meios censurados estavam pondo em cheque o sagrado direito de o grande capital se impor livremente, é mais do que justo que tenham sido reprimidos.

Não é à toa que os neoliberais, os bolsonaristas e os neonazistas sejam adeptos do Estado mínimo em nível de atendimento social e máximo em nível de repressão contra as populações. Ao acabarem com as estruturas assistenciais do Estado, os neoliberais, os bolsonaristas e os neonazistas transformam as massas de trabalhadores em milhões de indivíduos isolados, que deverão se relacionar na base de cada um por si com os donos do capital. Tudo de mais justo, não é mesmo? Tudo muito igualitário: um Elon Musk, por um lado, um de seus empregados, por outro; um veio da Havan, por um lado, um de seus funcionários, por outro. Assim, conforme a filosofia dos neoliberais, dos bolsonaristas e dos neonazistas, a justiça se imporá e o mais sagrado dos direitos acabará por prevalecer. Ou seja, o capital vencerá!

Portanto, o que os neoliberais, os bolsonaristas e os neonazistas menos desejam neste momento em que a tragédia catastrófica se abateu sobre o Rio Grande do Sul é que o Estado demonstre ser um ente indispensável para o bom funcionamento da vida de nossas populações. Então, a campanha de disseminação de mentiras e desorientação que os neoliberais, os bolsonaristas e os neonazistas estão deslanchando a mansalva pelas redes sociais está em perfeita sintonia com a filosofia e a ideologia que defendem.

Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.

A opinião do/a/s autor/a/s não necessariamente representa a opinião de Desacato.info.

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