Diante da tragédia em Brumadinho (MG), expressões de solidariedade vêm dos lugares mais distantes. Lamentavelmente, as vidas humanas ceifadas pela ganância do capital também despertam oportunismo. Caso do Estado de Israel, cuja violação de direitos humanos fundamentais é praxe. Frente ao espetáculo midiático em torno da ação dos seus mais de 130 soldados na região desde a última segunda-feira (28), pode ser vista por pessoas bem intencionadas com bons olhos. Natural.
Contudo, não é o caso. Nada mais fake do que a “ajuda humanitária” oferecida pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, anunciada por Bolsonaro em declaração à mídia brasileira em 26 de janeiro – dia seguinte à ruptura de quatro barragens de rejeitos na região. Ao contrário da propaganda que vem sendo feita, essa oferta israelense não tem nada de nobre, sequer é necessária. Visa transmitir ao mundo imagem positiva diante das denúncias do contínuo apartheid, colonização e ocupação desumanos a que estão submetidos os palestinos todos os dias, há mais de 70 anos. Nos territórios invadidos em 1967 – Gaza, Cisjordânia e Jerusalém Oriental –, a ocupação israelense ceifou quase 300 vidas palestinas somente em 2018 e coloca 2,5 milhões de pessoas necessitadas de assistência humanitária, além de 1,6 milhão em situação de insegurança alimentar, segundo relatório da Coordenação de Assuntos Humanitários da Organização das Nações Unidas de dezembro de 2018 (confira clicando aqui).
A ação israelense, repleta de “segundas intenções”, é denominada Aid Washing – em português, algo como “lavar de ajuda”. Por essa razão, tem motivado indignação e repúdio. Sem contar que a presença israelense se dá em violação a lei federal (nº 1.079/1950), que determina que o Presidente da República precisa da anuência do Congresso Nacional ao trânsito de tropas estrangeiras em território nacional. A autorização dada por Bolsonaro, passando ao largo do Legislativo, portanto, constitui crime de responsabilidade passível de impeachment.
É a primeira vez que Israel recorre a Aid Washing no Brasil, mas não é novidade no mundo. Entre os exemplos recentes, ação em setembro de 2017 durante o terremoto na Cidade do México que deixou mais de 300 mortos e, em julho de 2018, no resgate dos meninos tailandeses presos em caverna nesse último país – ambas tragédias que causaram comoção mundial, como essa da ruptura das barragens em Brumadinho. Relações públicas a serviço de encobrir crimes contra a humanidade e ampliar seus acordos com os governos cúmplices do apartheid na Palestina, que em nada beneficiam a sociedade local, seus trabalhadores e trabalhadoras.
Israel não é o único na história a usar tragédias: estudos demonstram que o regime de apartheid na África do Sul, que perdurou de 1948 a 1994, fez muita propaganda na intenção de vender imagem positiva ao mundo, antes de a campanha internacional de boicote se consolidar e mesmo na busca por contrapor-se a essa ação poderosa de solidariedade. Segundo reportagem publicada pela BBC em 1º de dezembro de 2017, a África do Sul realizara o primeiro transplante de coração do mundo em 1967, que serviu à campanha de relações públicas para encobrir a segregação que os negros enfrentavam no país. “No livro, ‘Cada Segundo Conta: A Extraordinária Corrida pelo Primeiro Transplante de Coração Humano’, publicado em 2006, o escritor sul-africano Donald McRae destaca que, minutos após ser informado do transplante, em 3 de dezembro de 1967, o primeiro-ministro John Vorster escreveu um memorando interno ao seu gabinete: ‘Nós podemos associar esse momento histórico da medicina a uma imagem positiva do país, após toda essa propaganda contrária a nós pelo mundo’(…).” Documentário intitulado “Terra, paz e propaganda” demonstra que, ao lado dos investimentos militares, com a ajuda de bilhões de dólares do imperialismo estadunidense, Israel conta com fortes inversões em relações públicas. Somente em ajuda militar, os Estados Unidos, ainda durante o Governo Obama em 2016, anunciaram o montante recorde de US$ 38 bilhões por dez anos.
Sem eficácia
Tecnologias como as que foram trazidas para Brumadinho são desenvolvidas com tais recursos. Não obstante, como se destinam à limpeza étnica e à manutenção da ocupação ilegal na Palestina, não tem eficácia para salvar vidas. Ao portal Folha/UOL de 28 de janeiro, o tenente-coronel Eduardo Ângelo, comandante das operações de resgate, afirmou que os equipamentos israelenses trazidos a Brumadinho “não são efetivos para esse tipo de desastre”. Ele acrescentou: “O ministro de Israel se pronunciou a respeito das dificuldades que eles tiveram. O imageador que eles têm pega corpos quentes, e todos os corpos [na região] são frios. Então esse já é um equipamento ineficiente.” Do alto da arrogância e falta de sensibilidade de quem representa um projeto colonial, o embaixador de Israel no Brasil, Yossi Shelley, também à mídia, desqualificou a declaração, dizendo que “há pessoas com ciúmes”. E completou: “Quem estiver frustrado com a melhora no relacionamento entre Israel e Brasil, que se acostume e ‘engula o chapéu’.”
Causa estranheza que o Governo de Minas e a Presidência da República saúdem a vinda israelense como necessária nesse momento, ao mesmo tempo em que recusam ajuda local, seja de bombeiros voluntários de outros estados, como São Paulo, seja de efetivo das Forças Armadas Brasileiras. É o que vem ocorrendo, conforme reportagem da Agência Estado de 28 de janeiro. Segundo a notícia, militares das Forças Armadas estão de prontidão desde dia 25 em Belo Horizonte “para serem empregados, em um primeiro momento, na tentativa de salvamento de pessoas que poderiam estar em áreas isoladas ou em meio à lama por causa do rompimento da Barragem em Brumadinho, e depois para auxiliar no resgate de corpos, para diminuir o sofrimento dos que estão em busca de seus parentes”. Contudo, segundo a matéria, o Governo de Minas não os requisitou, afirmando que há pouco espaço para manobra, a área é restrita e o risco de contaminação, elevado. “Penso que já deveriam ter usado (o pessoal das três Forças). Eu penso que a ajuda dos homens do Exército, da Marinha e da Aeronáutica é muito importante nesta hora. Eles têm experiência. O momento é de unir forças”, declarou ainda à Agência Estado o deputado Fábio Ramalho (MDB-MG).
Logo após a visita do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu ao País, a “ajuda” a Brumadinho, ao que tudo indica, vai ao encontro da aproximação explicitada pelos representantes sionistas e por Bolsonaro, como amplamente anunciado já durante a campanha eleitoral. Esse governo declara abertamente seu amor por Israel e promete mais acordos bilaterais. Assim, a ação traduz-se também em publicidade para a venda ao Brasil de mais tecnologias testadas sobre as “cobaias” humanas que Israel converte os palestinos cotidianamente. Na contramão do que reivindica o movimento de BDS (boicote, desinvestimento e sanções), que traz as reivindicações básicas ao fim da ocupação, entre elas que se cumpra o legítimo direito de retorno dos milhões de refugiados palestinos às suas terras. E algo bem distante da verdadeira solidariedade internacional – expressa às vítimas de Brumadinho também por palestinos em todo o mundo.