Quem não entender que o petróleo está no centro do processo golpista na América Latina, por muito tempo terá dificuldades em compreender a conjuntura político-econômica nacional e continental. Os EUA, que dão as coordenadas dos golpes atuais na América Latina, têm uma necessidade dramática de fontes de suprimentos de energia, já que que é o maior consumidor de petróleo do mundo, mas não produz em quantidade suficiente para suprir suas necessidades. A agressividade dos EUA em relação aos países da América do Sul, tem uma explicação de caráter estratégico, que é definitiva: o petróleo barato de produzir não tem nenhum substituto. Ele acabou, e o mundo já há algum tempo sofre as consequências políticas, sociais e militares deste problema. Esse fato vem sendo atenuado, em parte, pela produção de petróleo não convencional (o chamado shale oil, produção a partir de xisto betuminoso), pelos EUA. O shale oil vem adiando um pouco o momento em que a produção mundial de combustíveis irá diminuir em termos absolutos.
Os estrategistas estadunidenses sabem muito bem disso, daí a agressividade do golpe no Brasil e em outros países sulamericanos, e na tentativa de derrubar de qualquer jeito o Governo de Maduro. A determinação da “intervenção humanitária” dos EUA na Venezuela – cujo desfecho é muito difícil prever – mostra o nível de consciência que os estrategistas do Estado norte-americano têm do problema energético, especialmente quando se refere ao item petróleo. Desde a tentativa de golpe contra Chávez em 2002, revertido pela reação popular em três dias, os EUA vêm tentando de tudo para derrubar o governo legitimamente eleito. Já foram algumas tentativas de atentado ao presidente, de golpes de Estado, conspiração no interior das forças armadas, mobilização da extrema direita do pais, enfim um vasto arsenal de recursos visando derrubar um governo democraticamente eleito.
Boa parte da oposição ao governo de Maduro, financiada pelos EUA, tem, inclusive, características indiscutivelmente fascistas. Alguns desses grupos atearam fogo em várias pessoas, por serem suspeitas de “serem chavistas”. Somente em 2017 foram 30 destes casos. Relatos de pessoas que sobreviveram a este tipo de ataque revelam que a metodologia é a mesma de grupos fascistas no mundo todo, e que o objetivo é exterminar as vítimas, âs vezes pelo simples fato de estarem de camisa vermelha. Tal postura de beligerância e agressividade tem várias razões políticas e econômicas. Mas a principal é o roubo da maior reserva de petróleo do mundo, algo em torno de 300 bilhões de barris, ação que os EUA já fizeram em vários países.
Como o governo venezuelano, corretamente, vem se preparando para resistir a mais uma agressão do vizinho imperialista, o governo Trump vem cada vez mais elevando o tom contra o governo de Maduro. A estratégia até agora tem sido aumentar o cerco sobre o governo, através de todos os meios, Recentemente aumentou as sanções econômicas contra o país, visando estrangular a economia venezuelana, que tem muita dependência do petróleo. Financia, além disso, grupos de oposição, tentando construir as condições para um golpe de Estado como fizeram em 2002.
O processo de prolongada depressão econômica e hiperinflação na Venezuela é gravíssimo. Alguns analistas mencionam uma queda do PIB em 50% nos últimos 5 anos, e o boicote liderados pelos EUA leva à falta de medicamentos e alimentos. Escassez de produtos essenciais, com consequente elevação de preços, constroem as condições para a desestabilização econômica e para um clima de desespero, especialmente dos mais pobres. O fato é que as sanções econômicas do governo norte americano são criminosas, e visam destruir o país economicamente, preparando assim as condições para a tomada do poder através de um golpe de Estado. Essa prática de “guerra econômica”, que força o desabastecimento de produtos essenciais, e que mata pessoas por falta de remédios e alimentos, é proibida por várias convenções internacionais, inclusive na Organização do Estados Americanos (OEA).
Como elemento da guerra de informações, os dados divulgados na grande mídia latino-americana distorcem completamente a situação. Se fala, por exemplo, numa “emigração em massa” da população venezuelana. Porém, entre janeiro e agosto de 2018, a Comissão Mexicana de Assistência aos Refugiados recebeu 3.500 solicitações de refúgio de venezuelanos; no mesmo período a referida Comissão recebeu um total de 6.523 pedidos de refúgio para os cidadãos hondurenhos (que é quase o dobro). Com o detalhe nada insignificante que a população de Honduras (8,8 milhões) equivale a 27,5% da população da Venezuela (32 milhões).
Apesar de nos faltarem informações mais detalhadas, não parece que a Venezuela irá jogar a toalha. A essa altura dos acontecimentos, com o aprendizado político que a população obteve, principalmente a partir de golpe de 2002, a maioria dos venezuelanos sabe que os virulentos ataques dos EUA ao governo de Maduro, nada têm a ver com “reestabelecimento da democracia” ou “ajuda humanitária”. Ao longo dos 20 anos os chavistas montaram uma estrutura estatal de atendimento à população que beneficia cerca de 20 milhões de pessoas (numa população total de 32 milhões). Atualmente 2,1 milhões de idosos recebem pensão ou aposentadoria, o que representa, 66% da população da chamada terceira idade. Isso explica em boa parte o apoio da população mais pobre ao governo, apesar da guerra econômica e da extrema gravidade da crise.
A questão da Venezuela é crucial para a conjuntura brasileira. O ataque àquele pais é o mesmo que fazem aos trabalhadores brasileiros, com a diferença que lá tem um governo popular, as forças armadas estão do lado da população, e boa parte do povo está preparado para reagir. É bem possível que aconteça uma invasão militar por parte dos EUA, o que irá impactar toda a América Latina, sob todos os pontos de vista. Se conseguirem derrubar o governo na Venezuela, como fizeram no Brasil (neste caso sem precisar disparar nenhum tiro), toda a América Latina será impactada, com retrocesso ainda maior na democracia e nos direitos. Os incautos no Brasil, que ficam reproduzindo que nem zumbis, a máquina de calúnias estruturada pelo governo dos EUA, sem ganhar nada com isso, além do risco de atrair uma guerra fraticida num país irmão, deveriam dominar sua crueldade e colocar as barbas de molho.
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José Álvaro Cardoso é economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.
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