Por Elissandro Santana, para Desacato.info.
A pandemia me assusta, a guerra me deixa perplexo, a morte me coloca triste, o racismo me dilacera (por perceber que em pleno século XXI ainda estamos presos à ideia, tacanha e ultrapassada, de supremacia racial), a violência policial me apavora, a homofobia me faz chorar, o machismo faz com que eu tremule e me paralise angustiado, os perdidos (aqueles que não sabem reconhecer os verdadeiros inimigos) me fazem questionar sobre onde foi que erramos, os terraplanistas me dão nos nervos, os gordofóbicos (inclusive, entre eles, pessoas que pregam uma revolução) abatem-me, a geopolítica do poder e do domínio das nações periféricas arranca-me qualquer esperança em justiça planetária, as colonialidades externas e também aquelas que ocorrem no interior das nações pobres (por meio das elites periféricas subservientes ao capital estrangeiro e malignas em relação à exploração dos próprios irmãos do Sul Mundo) estupram-me a alma, o preconceito contra os idosos me deixa trêmulo já pensando no futuro, o abandono ou o maltrato de animais me põe furioso com minha espécie e a ganância político-econômica que dilacera o meio ambiente, do qual somos parte, me faz lacrimejar como se vivesse uma rinite ambiental perene de dor.
O quadro acima corrobora a ideia que me persegue há anos – a de que a inteligência morreu ou está na UTI de nossa incapacidade mental para percebermos que outras rotas, diferentes das que tomamos, são necessárias, e que o despertar é urgente.
O retrato brasileiro nesta pandemia (e bem antes dela) me apavora, mas o que me desequilibra para valer é saber que tudo isso é fruto de algo maior – da morte da inteligência ou o que é pior – do coma da empatia, já que muitos entraram em um estado de torpor que os impedem de discernir entre o que é ético de aético, justo de injusto e moral de imoral. Sem saber que não sabem, seguem para o abatedouro com as próprias pernas e apoiam os exterminadores do futuro com bíblia nas mãos e uma bandeira no peito. Defendem (a partir de um nacionalismo ao inverso) aquele que sonha em destruir, totalmente, a educação pública, a saúde pública e até mesmo a economia (o que é uma antítese, já que este é o pilar que move os apoiadores da destruição).
Para chegar à conclusão de que a inteligência está quase morta, ou já morreu, basta observar a tolice diária de milhões de brasileiros, agora minoria, se comparados ao total da população, mas ainda em número significativo, no apoio àquilo que não se pode defender, na negação do que está às caras com comprovação científica, mas que mesmo assim desconstroem a ciência em nome de um fundamentalismo econômico-cultural-religioso, no discurso da Terra Plana mesmo com todos os registros aeroespaciais, na incapacidade de costurar argumentos que se sustentem e sejam éticos, no culto à cloroquina e mitificação de um insano como um ser de Deus só porque tem Messias no nome em uma tentativa malograda de controle do prazer alheio. Essa mentalidade insana é um dos resquícios coloniais mais doentios que precisa ser combatido, pois ao mitificar, os loucos compram todas as ideias do mitificado. Isso se confirma quando vemos nas ruas verdadeiras cópias reproduzidas em palavras e atitudes de brasileiros que, em plena pandemia, diante tantas mortes, ainda assim, como zumbis, vagueiam sem máscaras, lutam contra o isolamento e compram a ideia do discurso falacioso sobre a suposta eficiência de um medicamento que além de não ser eficiente no combate à Covid provoca efeitos colaterais que podem levar a morte. A imagem sociopolítica brasileira demonstra que estamos sob a égide da pior das pandemias – a ignorância.
Há cinco séculos a colonialidade se mostra eficiente, impedindo milhões de brasileiros de elaborarem leituras em torno de paradoxos simples como o que o tal do Presidente usa como jargão desde as eleições “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos!” e a subserviência dele em relação aos interesses estadunidenses no culto lacaio ao governo Trump. Essa incapacidade de análise discursivo-semiótica leva a galera aos corredores da morte e isso também fica muito visível nas ruas quando você se depara com o tal “cidadão de bem” que não usa uma simples máscara (em desrespeito à vida dos demais) ou quando a utiliza a deixa no queixo, só para mostrar que concorda em tudo com as atitudes do presidente dadá.
Enfim, mesmo os defensores do caos já perceberam que a covid não é só uma gripezinha, ainda que muitos não consigam reconhecer o erro, e que somente uma vacina trará alento ao povo brasileiro, mas a solução não passa somente pelo combate ao coronavírus. Precisamos, com urgência, destruir a celeuma da desinformação e nos vacinarmos contra a pior de todas as doenças que assola o Brasil – a ignorância, este mal que é bem mais letal do que a Covid-19.
Por tudo o que disse e que vivenciamos neste país continental, resta-me, caro/a leitor/a, inclusive você, defensor de Bolsonaro, GRITAR que o Brasil atual nos mostra que saímos da caverna e até possuímos, em algum nível a inteligência artificial (refiro-me assim, pois ainda somos quase que totalmente dependentes da tecnologia dos países desenvolvidos), mas, ao que tudo indica, experimentamos uma espiral em um eterno movimento de evolução e involução, pois quando pensávamos que estávamos avançando como nação e como povo, ainda que minimamente, regredimos ao ponto em que estamos neste momento pandêmico com decréscimo em todos os campos neste país que parecia decolar em direção ao mundo dito desenvolvido.