As notícias mais recentes de queda da produção industrial de 1,53% neste ano (a expectativa anterior era de um declínio de 1,15%), e de um crescimento do PIB de 0,86% (projetava-se um avanço de 0,90%), foram acompanhadas das reações habituais de espanto, indiferença ou sugestões pontuais, quase sempre sob o clima pré-eleitoral.
A falta de uma estratégia clara para a economia, entre governistas e oposicionistas, parece a causa mais provável da dificuldade para relativizar o comportamento dos indicadores. A economia não anda bem, sabe-se, mas não há uma tragédia, como admite a própria oposição. E não se sai disso. A análise concentrada, salvo exceções, em dados de curtíssimo prazo, dificulta avaliações abrangentes.
A profusão de informações fragmentadas atordoa. O PIB projetado caiu, mas a previsão para o IPCA deste ano passou de 6,41% para 6,39%, na terceira queda consecutiva, algo “muito raro”, segundo o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini. As estimativas para a indústria pioraram, mas a produção automobilística, carro-chefe do setor, aumentou 8,6% em julho, após cair 21% em junho. Projeta-se um déficit de 81,45 bilhões de dólares em conta-corrente, diante dos 81,65 bilhões anteriores. A balança comercial encerrou julho com superávit de 1,575 bilhão, ante o déficit de 1,899 bilhão há um ano. E assim vai.
Se os altos e baixos do ritmo de curtíssimo prazo, importantes para as aplicações financeiras, podem confundir, é indiscutível a existência de uma forte tendência de declínio da produção industrial e do PIB. Nos dois indicadores, cada nova queda chega a um ponto inferior ao atingido na redução anterior.
Ao contrário da China, mobilizada para constituir grandes players industriais como a Huawei, que desbancou a Siemens do posto de maior fabricante de equipamentos de telefonia do mundo, e dos Estados Unidos, empenhados na reindustrialização do país, a começar pela devastada Detroit, outrora o maior polo mundial da indústria automobilística, o Brasil, na iniciativa privada e no governo, parece não ver a conexão estrutural entre o afundamento da indústria e a quase estagnação do PIB. Mas os números indicadores dessa inter-relação são eloquentes. A queda da indústria arrasta para baixo o PIB e a balança comercial afunda puxada pela manufatura, único setor consistentemente deficitário, como mostram os gráficos. O desprezo pela indústria no Brasil choca também por desconsiderar uma evidência consagrada em inúmeros trabalhos acadêmicos, empresariais e governamentais, inclusive de brasileiros, da dominância dos produtos industriais entre os mais dinâmicos no mundo.
Quase todos reconhecem entre as causas da débâcle da manufatura a valorização do real, mas não há uma soma de esforços para debelar o problema. A CNI e a Fiesp até lembram dos efeitos cambiais, mas se apegam muito mais à agenda do aumento da competitividade, da redução da carga tributária e dos gastos do Estado e da multiplicação de acordos comerciais internacionais. A presidenta da República tem a sua própria lista de pontos. Em debate recente com candidatos na CNI, detalhou a pauta da política industrial do governo: desoneração de tributos, crédito subsidiado, compras governamentais, formação técnica e científica de pesquisadores, recuperação do planejamento, constituição de novos marcos regulatórios, redução da burocracia, parceria com o setor privado no planejamento e na execução de projetos estruturantes. Nenhuma palavra sobre câmbio e juros. Nem os candidatos da oposição encaram esses dois tópicos, tão explosivos quanto importantes. Feitas as contas, não é possível chamar de política industrial a lista de medidas específicas apresentada por Dilma.
Vários economistas consideram a indústria um pouco fora de moda, dado o êxito indiscutível e bem-vindo do agronegócio e o crescimento do setor de serviços. Um dos exemplos mais mencionados pelo economista Jorge Arbache, entre outros, é o do iPad, com 97% do preço final composto por serviços (transporte, marketing, estrutura de vendas etc.) e apenas 3% correspondentes ao produto físico. Não lhes parece ocorrer que, na ausência do iPad físico representado por mísero um dígito no preço, não haveria o que propagandear, comercializar, transportar e distribuir. Vista desse prisma, a importância multiplicadora da indústria contemporânea é muito superior à de antes da invenção do computador. “Caímos no conto de que a manufatura não tinha importância. O Brasil está abrindo mão da sua manufatura, esse é um problema estrutural da economia brasileira e é o maior desafio que o próximo presidente vai ter de enfrentar”, afirmou o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, na palestra “Diagnóstico da economia brasileira e recomendações para o próximo presidente”, na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, na segunda-feira 4.
Belluzzo vê semelhanças entre a situação do Brasil, com déficit em transações correntes e crescimento baixo e em desaceleração, e a da Inglaterra dos anos 1920. O governo estabeleceu a taxa de câmbio de 4,86 libras por dólar, muito alta em relação às da França e dos Estados Unidos, que desvalorizavam suas moedas. “Keynes viu o problema e recomendou taxas de câmbios fixas, mas ajustáveis. No texto “As consequências econômicas de Mr. Churchill”, ele diz: ‘Você vai destruir a indústria inglesa’. E Churchill realmente destruiu a indústria inglesa.” No Brasil, “estamos ainda nas consequências econômicas de Mr. Cardoso. Foi ele quem fez a primeira “estripulia” de valorizar o câmbio”, apontou Belluzzo, em entrevista ao blog da Associação Keynesiana Brasileira, da qual é patrono e homenageado. A ideia de Keynes, diz o economista, é que você não pode valorizar o câmbio em um mundo supercompetitivo, como o enfrentado agora pelo Brasil, pois a valorização cambial destrói a estrutura industrial nacional. “Qualquer recuperação passa pela reconstituição e pelo fortalecimento da indústria. Entendo que se trata de um problema estrutural.” Com câmbio valorizado e competição feroz, nada garante, como sugeriu o economista Edmar Bacha em entrevista recente, que, “para escapar do pibinho, o caminho é a abertura”.
Apreço ao câmbio valorizado e pouca consideração à indústria são simétricos, como mostra este relato de uma reunião entre industriais brasileiros e representantes do governo, seis meses depois da posse do presidente Itamar Franco. O diretor do Banco Central, Gustavo Franco (posteriormente presidente da instituição, no período FHC), informou a todos que o País tinha uma moeda forte e não sabia. Sugeriu a Jacks Rabinovich, dono da Vicunha, a maior indústria de fibras têxteis do Brasil na época, que fosse produzir tecidos na China, porque era mais barato. E propôs a Hugo Miguel Etchenique (recentemente falecido), dono da maior fabricante de compressores do Brasil, não produzi-los mais aqui, mas na República Tcheca, pela mesma razão. “Em todos os lugares, exceto no Brasil, os setores-chave cabem ao empresário local”, disse Rabinovich.
Para quem considera a economia brasileira às portas do inferno, algumas avaliações permitem um alívio. “Não há problemas insolúveis na economia brasileira”, disse o diretor de pesquisas macroeconômicas do Bradesco, Octavio de Barros, em palestra a analistas do mercado de capitais na terça-feira 05/08. “Não estamos aqui olhando para amanhã ou depois de amanhã. Não somos americanos, não queremos resultados em três meses”, afirmou o presidente para a América Latina da Mitsubishi Corporation, Seiji Shiraki, durante o Fórum Econômico Brasil-Japão, na segunda-feira 4. “O Brasil tem uma economia promissora, para ser olhada no longo prazo. Estamos aqui há 60 anos e queremos crescer nas próximas décadas”, reiterou Shiraki.
Fonte: Carta Capital