Por Douglas F. Kovaleski para Desacato. info.
Apesar da crise econômica aprofundada pela pandemia, um poderoso setor cresce de vento em popa, a indústria farmacêutica. Expansão essa que traz lucros magníficos para as indústrias e seus acionistas. Por exemplo, a farmacêutica alemã Bayer registrou uma forte alta, de mais de 20%, equivalente a € 1,5 bilhão (mais de R$ 9 bilhões), no lucro do primeiro trimestre de 2020. Segundo a imprensa, os resultados são em virtude do aumento na procura dos produtos da empresa, em decorrência da pandemia, ocasionada pelo novo coronavírus (Covid-19).
Multiplicam-se os projetos que têm como objetivo acelerar a descoberta de vacinas, testes e tratamentos eficazes contra o coronavírus a partir de investimentos na indústria farmacêutica que já chegam a US$ 9 bilhões. Esses projetos são custeados direta ou indiretamente por recursos públicos. Um grande número de países, como EUA, Reino Unido, Espanha, dentre muitos outros já compraram vacinas de grandes indústrias, mesmo elas ainda não existindo. Por meio de contratos, os países compram a vacina ainda em desenvolvimento sem garantias de que essa vacina seja efetiva.
Um levantamento realizado pela Bloomberg aponta que as nações ricas já garantiram 1 bilhão de doses das principais candidatas a vacina. O último acordo foi fechado entre Japão com a Pfizer, garantindo ao país 120 milhões de doses no primeiro semestre do ano que vem.
O governo Trump por exemplo, não divulga nem para o congresso americano quantos e quais são os contratos existentes. A falta de transparência nos EUA é gritante, normas do governo federal proíbem a divulgação de informações sobre o processo de avaliação dos projetos, de modo que não dá para saber por que uns são contemplados e outros, não. E também não dá para saber nada sobre a negociação necessária para se estabelecer o valor de cada incentivo financeiro. Além disso, o governo Trump está contratando consultores que têm vínculos com as empresas beneficiadas. E esses contratos não preveem a divulgação de potenciais conflitos de interesse, ou seja, as indústrias do setor ganharão muito dinheiro dos contribuintes.
No mesmo caminho, o Ministério da Saúde, a Fiocruz e a farmacêutica AstraZeneca assinaram o memorando de entendimento que alinha os detalhes para a produção da vacina desenvolvida pela Universidade de Oxford. O documento é um meio de caminho entre as negociações iniciadas em junho e o acordo final, que deve ser fechado na semana que vem. E, segundo a Fiocruz, traz uma boa notícia, pois preconiza a transferência de tecnologia para que a fábrica Bio-Manguinhos tenha condições de produzir a vacina de forma independente.
Na contramão da falta de transparência, a Itália é o primeiro país a exigir que as empresas farmacêuticas divulguem dados secretos sobre quaisquer subsídios públicos que possam ter recebido para o desenvolvimento de medicamentos, tratamentos e vacinas. As companhias também serão obrigadas a fornecer informações sobre receitas de vendas, custos de marketing, o status das suas patentes e ainda os preços que negociam com outros países. Com isso, as autoridades poderão negociar com o setor privado em igualdade de condições. A Agência Italiana de Medicamentos considera que ter informações é vital quando você está negociando.
Foi da Itália que surgiu, no ano passado, uma proposta para que a transparência no mercado de tecnologias para saúde se tornasse uma regra mundial. Essa proposta foi encaminhada para a Assembleia Mundial da Saúde em Genebra. Essa proposta queria obrigar que as empresas abrissem todos os custos ao longo da cadeia de produção: quanto gastam com pesquisa, desenvolvimento, testes clínicos, marketing, etc. A proposta queria considerar que parte dos custos, principalmente na fase de pesquisa e desenvolvimento e dos testes clínicos, são bancados com dinheiro público. As indústrias, recusaram indiretamente a resolução. Representantes de seus países sede: Alemanha, França, Reino Unido, Suíça entraram em cena para enterrar a proposta. Entretanto, no último momento a deliberação foi aprovada, passou com mudanças – como a substituição da palavra ‘tecnologias de saúde’ por ‘produtos de saúde’. Com essa proposta, os países devem trocar entre si os preços que pagam e as informações sobre as patentes que concedem.
Na Itália, a aprovação das regras sofreu atraso, por conta da crise política. Mas espera-se que o decreto italiano inspire outros países. Essa é uma bandeira de luta importante para o SUS.
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Douglas Francisco Kovaleski é professor da Universidade Federal de Santa Catarina na área de Saúde Coletiva e militante dos movimentos sociais.
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