Por José Álvaro Cardoso.
Em 22 de janeiro de 2024 o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI) entregou ao presidente da República, o texto da Nova Indústria Brasil (NIB), que tem ações previstas até 2033, ou seja, ações para uma década. Por si só, o cronograma da NIB é interessante, porque o Brasil, em função de suas condições sociais e históricas, trabalha pouco com prazos mais longos. Na melhor das hipóteses, estabelece metas de médio prazo.
Isso é importante, ainda que tenha seus problemas, especialmente em países como o nosso, no qual a situação política e econômica pode mudar rapidamente. Por exemplo, o golpe de 2016 interrompeu milhares de obras de infraestrutura no Brasil, previstas no PAC e em outras iniciativas, que foram retomadas, pelo menos em parte, neste an
A nova política busca “estimular o desenvolvimento produtivo e tecnológico, ampliar a competitividade da indústria, nortear o investimento, promover mais e melhores empregos e impulsionar a presença qualificada do país no mercado internacional”. Presença qualificada aqui significa, por exemplo, exportar produtos de maior valor agregado, aquilo que o presidente da República chama de “exportar inteligência”.
O Brasil tem presença internacional, mas muito aquém do que poderia. Para termos dimensão, o país exportou US$ 339 bilhões no ano passado, a China exportou cerca de US$ 3,3 trilhões, 10 vezes mais.Estão previstos na NIB R$ 300 bilhões para financiamentos destinados à nova política industrial até 2026. Esses recursos são provenientes de diferentes fontes e são redirecionados para dar suporte ao financiamento da indústria. O Plano definiu metas para cada uma das seis missões que norteiam as ações previstas até 2033. Essas metas estão sugeridas no Plano de Ação 2024-2026 eserão submetidas à avaliação do CNDI nos próximos 90 dias. O objetivo principal da política é reverter a desindustrialização precoce do país, ou seja, a desindustrialização que ocorre antes do país
desenvolver a sua renda per capita, antes do país se tornar desenvolvido.
A nova política prevê a articulação de diversos instrumentos de Estado: linhas de crédito especiais, recursos não-reembolsáveis, ações regulatórias e de propriedade intelectual. Prevê também uma política de obras e compras públicas, com incentivos ao conteúdo local, para estimular o setor produtivo em favor do desenvolvimento do país. Juntamente com a política, o CNDI apresentou um plano de ação para ser desenvolvido entre 2024 e 2026, indicando as áreas estratégicas prioritárias para aplicação dos recursos ao longo dos próximos três anos. Algumas medidas já vinham sendo lançadas dentro das linhas da Nova Política Industrial, como o programa Brasil Mais Produtivo, que destina R$ 2 bilhões para transformação digital de micro, pequenas e médias indústrias; e do Mais Inovação Brasil,
que já iniciou a disponibilização de parte dos R$ 60 bilhões em linhas de crédito para o financiamento de inovação da indústria brasileira. Também nessa linha, estão os programas lançados no final de 2023, como o Mover (Mobilidade Verde e Inovação), que eleva exigências de sustentabilidade na cadeia automotiva, e o chamado Depreciação Acelerada, visando a renovação do parque industrial brasileiro.
A Nova Indústria Brasil tem metas relacionadas a cada uma das missões, que serão submetidas à aprovação do CNDI e deliberada nos próximos 90 dias. A NIB tem 6 eixos, chamados de missões:
Missão 1: Fortalecimento das cadeias agroindustriais, para melhorar a segurança alimentar da população. Tem como meta garantir 70% dos estabelecimentos de agricultura familiar mecanizados (atualmente apenas 18% o são). Além da modernização da agricultura familiar, a NIB prevê que 95% dessas máquinas devem ser produzidas nacionalmente. Entre as prioridades relacionadas a essa missão estão, entre outras, a fabricação de equipamentos para agricultura de precisão, máquinas agrícolas para a grande produção, e a otimização da capacidade produtiva da agricultura familiar para a produção de alimentos saudáveis;
Missão 2: Na área da saúde, a meta é ampliar a participação da produção no país de 42% para 70% das necessidades nacionais em medicamentos, vacinas, equipamentos e dispositivos médicos, entre outros, o que contribuirá para fortalecer o Sistema Único de Saúde e melhorar o acesso da população à saúde.
Missão 3: melhoria do bem-estar das pessoas nas cidades. Esta missão envolve infraestrutura, saneamento, moradia e mobilidade sustentáveis. Entre as metas está a de contribuir para reduzir em 20% o tempo de deslocamento das pessoas de casa para o trabalho (atualmente esse tempo é, em média, de 4,8 horas semanais no país, segundo a Pesquisa Nacional de Saúde do IBGE). Na mesma missão, a política propõe ampliar em 25 pontos percentuais a participação da produção brasileira na cadeia da indústria do transporte público sustentável. Hoje, a participação nacional representa 59% da cadeia de ônibus elétricos, por exemplo;
Missão 4: Transformar digitalmente. O objetivo é tornar 90% da indústria brasileira digitalizada (hoje é 23,5%) e triplicar a participação da produção nacional nos segmentos de novas tecnologias. Essa missão passa por aumentar o investimento na indústria 4.0, além da priorizar o desenvolvimento de produtos digitais, produção nacional de semicondutores e outras ações semelhantes;
Missão 5: Bieconomia, descarbonização e transição e segurança energéticas. A meta nessa missão é ampliar em 50% a participação dos biocombustíveis na matriz energética de transportes. Segundo o governo, atualmente os combustíveis verdes representam 21,4% dessa matriz, ou seja, seria um avanço significativo. O governo também espera aumentar o uso da biodiversidade pela indústria e, ainda, diminuir em 30% a emissão de carbono da indústria nacional, cujo volume está em 107 milhões de toneladas de CO2 por trilhão de dólares produzidos.
Missão 6: Defesa. A meta aqui é alcançar autonomia na produção de 50% das tecnologias críticas de maneira a fortalecer a soberania nacional. Será prioritário aqui as ações voltadas ao desenvolvimento de energia nuclear, sistemas de comunicação e sensoriamento, sistemas de propulsão e veículos autônomos e remotamente controlados. Os R$ 300 bilhões disponíveis para financiamento até 2026 serão geridos por BNDES, Finep e Embrapii e serão ofertados através de linhas específicas, não reembolsáveis ou reembolsáveis, e por meio de mercado de capitais. São recursos que estão organizados dentro do Plano Mais Produção, um conjunto de “soluções financeiras”, com o objetivo de viabilizar o financiamento da política industrial nos próximos três anos. Algumas dessas iniciativas já estão em andamento, como o Programa Mais Inovação (R$ 60 bilhões), operado pelo BNDES e pela Finep, sendo R$ 40 bilhões em crédito a condições de Taxa Referencial (TR) + 2%. Segundo dados do governo, essa modalidade representa os menores juros já aplicados para financiamento da inovação, no Brasil.
A Nova Política Industrial também vai utilizar o potencial de compras públicas para estimular o desenvolvimento de setores estratégicos para a indústria brasileira. No dia do lançamento da NIB, 22 de janeiro, o presidente da República assinou dois decretos que abrem caminho para essa estratégia. O primeiro decreto define áreas que poderão ficar sujeitas a exigência de aquisição ou ter margem de preferência para produtos nacionais nas licitações do Novo PAC. Entre elas, estão as cadeias produtivas relacionadas à transição energética, economia de baixo carbono e mobilidade urbana.
O segundo decreto assinado por Lula cria a Comissão Interministerial de Compras Públicas para o Desenvolvimento Sustentável (CICS) e define os critérios para a aplicação de margem de preferência para produtos manufaturados e serviços nacionais e para bens reciclados, recicláveis ou biodegradáveis. Ficou estabelecido também o conceito de Margem de Preferência, que permite que a administração pública priorize, em compras e contratações, produtos produzidos no país, visando políticas estratégicas de emprego, renda e inovação industrial. As propostas de órgãos públicos para o uso das compras públicas como instrumento de desenvolvimento socioeconômico serão analisadas pela CICS (Comissão Interministerial de Compras Públicas para o Desenvolvimento Sustentável).
Por detrás da NIB está um diagnóstico importante do governo brasileiro, de que existe uma janela de oportunidades, histórica para o Brasil, decorrente da reorganização das cadeias de produção globais, em curso na economia mundial. Como se trata de “briga de cachorro grande”, cabe acompanhar os desdobramentos e verificar se o Brasil aproveita mesmo essa janela.
A proposta da NIB tem algumas metas para serem alcançadas até 2033: Aumentar a participação do setor agroindustrial no Produto Interno Bruto (PIB) agropecuário para 50%; alcançar 70% de mecanização nos estabelecimentos de agricultura familiar; produzir internamente 70% de toda a demanda interna por medicamentos, vacinas, equipamentos e demais insumos e tecnologias; reduzir o tempo de deslocamento de casa para o trabalho em 20% (na parte de moradia e mobilidade); transformar digitalmente 90% das empresas industriais brasileiras, com priorização de novas tecnologias, como robótica avançada; reduzir em 30% a emissão de gás carbônico na indústria e ampliando em 50% a participação dos biocombustíveis na matriz energética de transportes; obter autonomia na produção de 50% das tecnologias críticas para a defesa (na parte sobre a defesa nacional).
Na semana anterior ao anúncio da nova política industrial o governo federal já tinha anunciada a retomada das obras da Refinaria Abreu e Lima (RNEST), em Ipojuca, no Litoral Sul de Pernambuco. O objetivo anunciado pela Petrobras é o de dobrar a capacidade de refino de petróleo e produção de óleo diesel no país.
A empresa anunciou investimentos de R$ 17 bilhões até 2028, sendo que até R$ 8 bilhões serão investidos na RNEST. As obras na refinaria estavam paralisadas desde 2015. A retomada da construção da refinaria faz parte dos investimentos previstos no PAC e tem meta de aumentar a capacidade de processamento da refinaria, dos 100 milhões atuais, para 260 milhões até 2028. O objetivo do governo é reter ao máximo a renda petroleira no Brasil e aproveitar todo o potencial de geração de emprego e renda possibilitado, pela longa e densa cadeia do petróleo.
O Brasil precisa achar o rumo do desenvolvimento econômico, isto é, crescer e distribuir os resultados com a maioria da população. A retomada do crescimento é um pressuposto, por exemplo, da geração de empregos formais, tarefa que também se faz urgente no país. Num programa de desenvolvimento nacional é fundamental o programa de recuperação da indústria e da inovação, contido no NIB. Este, por enquanto é só um conjunto de boas intenções (e algumas medidas concretas, já). O desafio é fazer o programa decolar, pois o Brasil tem muitos inimigos do desenvolvimento, como se pode verificar em várias manifestações na mídia, chamando a inicativa de “retrógrada”, “atrasada”, “fadada ao fracasso”.
Os grandes grupos monopolistas que controlam a economia brasileira, e parcelas significativas dos capitais de origem nacional, não gostam de desenvolvimento econômico, que melhore a distribuição de renda e eleve a soberania do país. Não gostam também de fortalecimento da indústria nacional, que está previsto nas ações da NIB (que poderiam inclusive ser mais ousadas). O que realmente entusiasma esses grupos são programas do tipo que está sendo implantado na Argentina, que visa desmantelar a indústria nacional e colocar os direitos sociais e trabalhistas, de volta ao Século 19.
José Álvaro Cardoso é economista, coordenador do DIEESE/SC e colunista do JTT do Portal Desacato.
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