O atual desenvolvimento da chamada Quarta Revolução industrial coloca os meios técnicos e as forças produtivas em um patamar muito superior, fornecendo as condições objetivas, do ponto de vista tecnológico, para a melhoria de vida das pessoas. Porém, as relações sociais de produção atuais impossibilitam que tais avanços representem benefícios para toda a sociedade. Um dos principais efeitos dessa contradição é o desemprego tecnológico, ou seja, aquele causado pela introdução de novas tecnologias no processo produtivo. O uso de tecnologias mais eficientes permite produzir mais mercadorias em menos tempo de trabalho, ou seja, possibilita produzir com menor quantidade de trabalho humano.
O sistema provoca assim uma elevação do desemprego em decorrência do novo patamar tecnológico, criando uma força de trabalho excedente (em termos relativos), que tende a se expandir. As mesmas causas dos enormes ganhos de produtividade levam à existência de um grupo de trabalhadores que ficam sem espaço no mercado de trabalho. Quando muito, conseguem ocupar postos na economia informal, que paga menores salários, têm jornadas mais longas e condições de trabalho mais precárias. O exército de desempregados, e de trabalhadores na economia informal, são essenciais para a manutenção dos salários em baixos patamares.
Como a crise internacional é muito profunda, o sistema financeiro mundial, que é quem dá as cartas na economia mundial, quer mais e precisa extrair mais do país. Nos últimos anos, a partir do golpe de 2016, destruíram direitos, enfraqueceram os sindicatos, entregaram patrimônio público, fatiando a Petrobrás e privatizando a Eletrobrás de maneira completamente ilegal. Além disso, desmontaram o setor público e acabaram com direitos históricos dos servidores. A destruição de direitos durante os governos golpistas, e o processo de empobrecimento dos trabalhadores, visavam colocar o Brasil em uma situação semelhante ao período anterior à revolução de 1930, em que praticamente não havia direitos no país. A partir da aprovação da Reforma Trabalhista de 2017, o Brasil assistiu ao maior ataque da história contra a CLT: foram alterados mais de cem pontos nas leis trabalhistas, trazendo, entre outras violências, o trabalho intermitente, o trabalho parcial, as terceirizações para as atividades-fim, a exposição de trabalhadoras grávidas a ambientes insalubres de trabalho etc.
O desemprego tecnológico se soma, claro, ao desemprego clássico, decorrente das crises e do baixo crescimento. O fato é que, se um salto tecnológico da Quarta Revolução Industrial gera um excedente de trabalhadores em função dos ganhos de produtividade, isso pode se converter em uma redução da jornada de trabalho para toda a classe trabalhadora, o que
evitaria o crescimento do desemprego, ao mesmo tempo em que possibilitaria a todos um ganho de tempo, para dedicação às demais esferas da vida (convivência com a família, cuidados com a saúde, prática de esportes, estudos etc.). Evidentemente esse tipo de conquista não é uma decisão administrativa do dono do capital, que venha a ocorrer por escolhas técnicas. Ela é uma decorrência da luta organizada dos trabalhadores, que, dependendo da intensidade e aderência na classe, força o capital a rever suas posições e
readequar sua administração.
Este é um bom momento de intensificar a luta pela redução da jornada de trabalho sem redução de salários. Estes, que já eram baixos, foram ainda mais achatados, pelas políticas do golpe a partir de 2016. Segundo o Dieese, cerca de 60 milhões de brasileiros referenciam seu rendimento pelo salário-mínimo, que atualmente não consegue comprar duas cestas básicas para uma pessoa adulta. Por outro lado, a tecnologia não para de avançar, o que oferece as condições técnicas para saltos de produtividade. É possível, com a tecnologia existente atualmente, e com melhorias na gestão, fazer em quatro dias o que se realiza atualmente em cinco.
A melhoria de vida da classe trabalhadora, com uma eventual redução da jornada, tende a se irradiar para a sociedade como um todo, já que o trabalho está no centro da vida social. Quem não depende diretamente, depende indiretamente do trabalho. Inclusive os patrões, cujos lucros dependem das riquezas produzidas pelos trabalhadores. A redução da jornada abrirá espaço para novas contratações nas empresas, resolvendo em parte o problema do desemprego.
Na atual correlação de forças, mesmo uma vitória modesta dos trabalhadores irá depender muito da força e da mobilização sem tréguas. A redução da jornada sem redução de salários não seria uma conquista trivial, mas algo histórico e na contramão do que vem ocorrente no mundo. Mas toda luta que tenha sentido histórico e consistência social, começa pequena, discutindo fundamentos, desmistificando o senso comum. Não podemos aceitar que, a essa altura do campeonato, uma revolução tecnológica, ao invés de melhorar as condições de vida do povo, piore tais condições e beneficie exclusivamente o grande capital, que no Brasil ganha dinheiro como nunca, através de vários mecanismos.
No Brasil atual existe uma realidade de extremos. De um lado, muitos estão desempregados e, de outro, grande número de pessoas trabalha cada vez mais, realizando horas extras e de forma muito mais intensa devido às inovações tecnológicas e organizacionais e à flexibilização do tempo de trabalho. O desemprego de muitos e as longas e intensas jornadas de trabalho de outros têm como consequência diversos problemas relacionados à saúde como, por exemplo, estresse, depressão, lesões por esforço repetitivo (LER).
Aumentam também as dificuldades para o convívio familiar, que tanto podem ter como causa a falta de tempo para a família, como sua desestruturação em virtude do desemprego de seus membros. Como se sabe o custo com salários no Brasil é um dos um dos mais baixos no mundo, o peso dos salários no custo total de produção no Brasil, é relativamente baixo. Esse fato, em si extremamente negativo, fornece uma base técnica para realizar a redução da jornada.
A redução da jornada de trabalho sem redução salarial é um dos instrumentos para preservar e criar empregos de qualidade e possibilitar a construção de melhores condições de vida. Porém, esta redução pode significar bem mais que isso, e impulsionar a economia e dinamizar seu ciclo virtuoso levando à melhoria do mercado de trabalho. Isto permitiria a geração de novos postos de trabalho, diminuição do desemprego, redução da informalidade e da precarização, aumento da massa salarial e produtividade do trabalho. Tudo isso teria como consequência o crescimento do consumo, que por sua vez, levaria ao aumento da produção, completando o chamado círculo virtuoso.
A redução da jornada de trabalho tem se mostrado um instrumento útil para a geração de novos postos de trabalho, se adotada no momento adequado e se vier acompanhada de outras medidas igualmente necessárias. Atualmente, a redução da jornada, para ter efeito significativo sobre a geração emprego, teria que responder, pelo menos, à redução demandada pela campanha das centrais (para 40 h semanais) e estar acompanhada da
limitação de horas extras. Não adianta reduzir a jornada em 15 minutos semanais, tem que ser um número de horas que faça a diferença, provocando uma melhoria da vida do trabalhador empregado e induza a contratação de novos trabalhadores.
Na maioria dos países, como no Brasil, foi através da luta sindical que os trabalhadores conquistaram sucessivas reduções da jornada de trabalho até chegar aos patamares atuais. Nos primórdios do capitalismo, com a inexistência de legislação trabalhista, a exploração do trabalho se dava por meio de salários muito baixos, jornadas de trabalho muito longas e da
utilização habitual de crianças na produção com remuneração bem menor que a de adultos. A quantidade de horas diárias tendia a se estender até o limite da capacidade humana, atingindo quase sempre 15 a 16 horas de trabalho. À medida que a classe trabalhadora se organizou e conquistou melhorias nas condições de trabalho e redução do tempo de trabalho, os trabalhadores europeus passaram ter suas conquistas garantidas por leis que limitam a jornada.
Ao longo da história, a luta pela redução do tempo dedicado ao trabalho teve diversos focos. Num primeiro momento foi uma luta pela sobrevivência. Depois, durante um longo período, o objetivo era mais tempo livre, ou seja, a conquista de uma vida melhor. Hoje a redução da jornada de trabalho tem como objetivo a luta contra o desemprego, o que significa, de certa forma, um retrocesso em termos históricos, porque se volta à luta pela sobrevivência.
Com o passar dos anos, o movimento sindical conquistou, além da redução da jornada diária ou semanal, também férias remuneradas, licenças maternidade e paternidade, descanso aos sábados e domingos e, em muitos países, o fim do trabalho de crianças. O problema é que enquanto a classe trabalhadora foi reduzindo seu tempo de trabalho, por meio de todas essas conquistas, o capital procurou maneiras de apropriar-se do tempo livre
conquistado pelos trabalhadores, através de vários mecanismos, como a criação e expansão da realização de horas extras. Além disso, foi intensificado o tempo contido na jornada de trabalho por meio da inovação tecnológica e organizacional que tem como um de seus objetivos aumentar o ritmo de trabalho e reduzir as pausas individuais e coletivas.
Além desses, há inúmeros outros mecanismos utilizados para aumentar a exploração do trabalho. Parafraseando um ditado popular, que se refere ao ato de plantar árvores, o primeiro melhor momento para desenvolver uma campanha pela redução da jornada seria há 20 anos atrás. O segundo melhor momento é agora.
José Álvaro Cardoso é economista, coordenador do DIEESE/SC e colunista no Portal Desacato.
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