A partir do início da guerra da Ucrânia, com o desencadeamento da operação intitulada “Operação Militar Especial na Ucrânia”, dentre outros efeitos, desenvolveu-se uma onda de sanções econômicas à Rússia, a maior que o país já conheceu. Visando enfraquecer a economia russa, os países ocidentais “congelaram” quase metade das reservas externas de Moscou, algo próximo a 300 bilhões de euros (R$ 1,8 trilhão). Destes, cerca de 200 bilhões de euros estão na União Europeia (UE), principalmente na Euroclear, instituição financeira belga que presta serviços financeiros especializados, mantendo ativos de bancos, bolsas e investidores. Esses ativos russos retidos na Europa geram, há quase três anos, bilhões de dólares em pagamentos de juros. Valores esses que foram, inclusive, desviados pela UE, neste ano, para compor um pacote de financiamento para a Ucrânia, visando ajudar a financiar a guerra com a Rússia.
As sanções impostas à Rússia são as mais graves já sofridas pelo país, quem sabe as piores que qualquer país já sofreu. Desde fevereiro de 2022, os EUA, o Reino Unido e a UE, e outros países, como Austrália, o Canadá e o Japão, impuseram mais de 16,5 mil sanções à Moscou. A maioria das medidas tem sido contra a moeda da Rússia. Além do congelamento das reservas internacionais, já mencionado, cerca de 70% dos ativos dos bancos russos também foram congelados. Algumas dessas instituições foram excluídas do Swift, um serviço de mensagens de alta velocidade entre bancos. Várias outras sanções foram colocadas em prática: proibiram exportações russas de tecnologia militar; proibiram as importações de ouro e diamantes da Rússia; sustaram voos com origem na Rússia e assim por diante.
A intenção dos países organizadores das sanções era a de paralisar a economia da Rússia e, como consequência, conduzir o país a uma derrota na Ucrânia. Essa não é uma guerra travada entre Rússia e Ucrânia, mas contra todos os países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), liderados pelo império norte-americano. O fato é que, contra a maioria das previsões, 31 meses após o início do conflito a economia da Rússia cresce acima da média do crescimento global. O Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta um crescimento de 3,2% para o país neste ano, estimativa superior ao crescimento projetado para todas as economias que compõem o G7. A previsão do FMI, a propósito, pode ser superada com folga, se levarmos em conta o crescimento do primeiro trimestre, que chegou a 5,4%, segundo relatório divulgado pelo escritório de estatísticas da Rússia, Rosstat.
O boicote tinha também o objetivo de desabastecer o mercado nacional de produtos e serviços fundamentais, gerando grande insatisfação entre a população, que assim, deixaria de apoiar o governo na guerra na Ucrânia. De fato, a partir das sanções uma série de empresas deixaram o mercado russo, seguindo a orientação política de seus respectivos governos. O fato, no entanto, é que o país continuou recebendo a maioria dos produtos por meio de rotas alternativas e não houve desbastecimento significativo no mercado russo. O país conseguiu compensar as sanções impostas, com acordos bilaterais com países que não aderiram ao boicote, garantindo o suprimento dos produtos essenciais. Uma prova disso foi o 27º Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo, realizado de 5 a 8 de junho último, que contou com a presença de delegados de mais de 130 países e territórios. Pelas informações divulgadas, o referido fórum praticamente não sofreu os efeitos das sanções. Por exemplo, segundo dados divulgados pela organização do evento, em 2023 mais de 900 acordos foram assinados, totalizando um valor de quase US$ 43 bilhões em negócios.
A partir das sanções o país começou a ampliar novos mercados no Leste Asiático e no Sul Global. Como a Rússia é um país com muitos recursos naturais (o Banco Mundial estima que o valor total dos recursos naturais da Rússia chegue a US$ 75 trilhões) e dispõe de uma indústria bastante razoável (petróleo e gás, produtos químicos, defesa, componentes eletrônicos, construção naval etc.), vem conseguindo contornar as dificuldades decorrentes do boicote, encontrando alternativas. Dentre outras medidas, uma ação estratégica do país foi redirecionar quase 100% de suas exportações de petróleo para a China e Índia. Antes da guerra, entre 40 e 45% do volume total exportado de petróleo e produtos petrolíferos tinha como destino a Europa, volume que atualmente está na casa dos 4% ou 5%.
Nesse reposicionamento do tabuleiro geopolítico, a Rússia se transformou no maior fornecedor de petróleo para a China, o que aproximou ainda mais os dois países no período recente, em termos políticos e diplomáticos. Ao mesmo tempo, as exportações de manufaturados chineses para a Rússia aumentaram expressivamente. Com o boicote dos países do ocidente, a China tornou-se a grande fornecedora de equipamentos e produtos tecnológicos vitais para a Rússia, que vão de máquinas industriais a smartphones. Esse processo elevou para US$ 240 bilhões de dólares o comércio bilateral no ano passado, crescimento superior a 25% em relação ao ano anterior.
A Rússia dispõe de uma série de aspectos estruturais e conjunturais que, se bem articulados, podem garantir o desenvolvimento econômico, a começar pela disponibilidade de matérias-primas. Mas sem dúvida, um dos motores da economia russa neste momento tem sido a guerra. Em 2024, por exemplo, os gastos militares aumentaram em quase 70%, em relação ao ano passado. Desde o início da guerra as fábricas de armamento da Rússia passaram a trabalhar a pleno vapor, para produzir o equipamento necessário, o que gerou a movimentação da produção de insumos e componentes, e empregos em toda a cadeia de produção de armamentos.
Com a economia crescendo acima da média mundial, os salários no complexo industrial-militar vêm aumentando em termos reais, efeito que tem sido irradiado para os demais setores da economia. Além disso, a taxa de desemprego na Rússia, atualmente, é de 2,4%, o que significa pleno emprego. Na realidade, o debate atualmente no país, trata justamente da escassez de força de trabalho, que já se encontra, segundo alguns estudos, em níveis muito preocupantes. Em suma, não é que a Rússia tenha vencido completamente as sanções comerciais, porque elas são muitas e envolvem alguns dos principais países industriais do mundo. Mas, até o momento o país encontrou uma forma de lidar com as sanções e reduzir seus impactos sobre a economia e a sociedade russas.
Os EUA “acusam” Pequim de fortalecer a economia de Moscou, mandando componentes industriais essenciais, escassos no país a partir do bloqueio comercial. Segundo o governo americano os insumos industriais da China estão ajudando a Rússia a fabricar munições, mísseis, blindados e demais equipamentos militares. Os críticos afirmam, por exemplo, que a China é o maior fornecedor de semicondutores para a Rússia, muitas vezes utilizando empresas de fachada, localizadas em terceiros países. Segundo os dados disponíveis, a China exporta para a Rússia mais de US$ 300 milhões mensais em produtos de dupla utilização, ou seja, aqueles que têm aplicações militares e comerciais ao mesmo tempo. A pergunta que se pode fazer é porque a China, um país soberano e que não aderiu ao boicote imposto pelos países imperialistas, não poderia comercializar o que bem entenda com a Rússia? O que poderia impedir um país soberano de comercializar bens industriais com seus aliados, em benefício do comércio nacional?
Alguns analistas acusam a Rússia de ser um país “imperialista”, no sentido moderno do termo, ou seja, no aspecto econômico. Mas um dado que enfraquece muito essa tese é o de que praticamente a metade de todas as receitas do governo russo decorrem da venda de petróleo e gás. Essa é uma pauta exportadora típica de países atrasados. Nações desenvolvidas seguem uma regra básica, que é não basear suas exportações em commodities, agrícolas ou minerais. Com o boicote, a Rússia deixou de vender para os Estados Unidos, Reino Unido e países da União Europeia. As importações chinesas compensaram essa perda de receita, decorrente das sanções.
Os países do G7 tentaram inclusive impor um limite ao preço global do petróleo, visando limitar as receitas da Rússia e tornar o boicote econômico mais eficaz. Mas a China ignorou essa iniciativa e seguiu comprando petróleo russo acima do preço limite estabelecido. A Índia, que também não aderiu às sanções, continuou comprando petróleo russo, se beneficiando inclusive de atraentes descontos. No ano passado a China importou 8 milhões de toneladas de gás liquefeito de petróleo (GLP) da Rússia, através do gasoduto Power of Sibéria 1, em funcionamento desde 2019. A intenção dos dois países é ampliar esse comércio, com a fabricação de um novo gasoduto, que já está sendo encaminhado.
Apesar da guerra e das sanções, a Rússia tem conseguido fazer sua economia crescer acima da média mundial. O país conseguiu nos últimos anos ampliar o volume de comércio em 60% com a Ásia e 42% com a América Latina. A Rússia tem demonstrado também capacidade de absorver as mudanças tecnológicas, no setor financeiro, no comércio eletrônico e na administração pública. A resiliência da economia russa é bastante surpreendente, dado o nível de sanções que sofreu, que poderia afundar a economia do país. O Kremlin evitou uma recessão com base na renda do petróleo e direcionando seus gastos para o esforço de guerra, que hoje representa um terço do orçamento federal. Tais escolhas políticas obviamente produzem suas consequências, como o aumento da dependência da exportação de petróleo e gás e dos gastos militares. Mas um país que tem a maior extensão territorial e o maior volume de recursos naturais do planeta (especialmente petróleo e gás) e tem sido ameaçado há séculos pelos inimigos, pagaria um preço muito mais alto pela hesitação e inércia.
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