Por Guilhermina Cunha Salasário Ayres.*
Perguntam-me sempre sobre porque nós queríamos tanto poder casar de papel passado; sobre a real necessidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo e/ou identidades de gênero iguais e por isso escrevi o que vem a seguir.
Quando começamos nossa luta pelo casamento, era Marta Suplicy quem estava na câmara nos defendendo, ela tentou por anos, mas nunca conseguiu, isso porque as bancadas da Câmara e do Senado não estão ficando conservadoras ou reacionárias, elas sempre foram. O que difere o ontem do hoje, é que esses senhores nunca precisaram sair a tona, pois, durante a ditadura, éramos náufragas e náufragos tentando não morrer afogados e a partir dos anos 2000, e com maior relevância política, depois de 2002, não só tínhamos direito de querer e propor mudanças, como aprendemos a fazer e a ter políticas publicas que nos defendessem e que nos equiparassem com o restante da população brasileira.
Sendo assim, vejam, isso é dito por quem esteve muitas vezes fazendo advocacy tanto na Câmara quanto no Senado, saliento em letras maiúsculas pra que todas e todos vejam NINGUÉM DO LEGISLATIVO TEM COMO PRIORIDADE OS DIREITOS HUMANOS, temos aliadas, temos aliados, temos até LGBT, mas nem esses e essas tem direitos humanos como prioridade.
Bom, coloco isso, pra dizer, que, mesmo que o casamento homoafetivo, seja, de certa forma, rentável para os cofres empresariais, seja esse do comércio, indústria, turismo, serviços, etc, ele nunca chegou perto de ser aprovado no legislativo e foi por isso que o levamos ao judiciário, pois entendemos que o que queríamos era, além dos direitos humanos os direitos civis. O tribunal seria o melhor lugar de conseguirmos isso, por necessidades jurídicas (compra ou venda de imóveis, pensões, maternidade/paternidade, planos de saúde, imposto de renda, etc), vimos também que, pelo fato de não podermos casar, tínhamos ceifados tantos direitos jurídicos que sequer poderíamos visitar a companheira no hospital, caso sua família biológica não quisesse.
Por esses motivos brigamos primeiramente pela união estável, a qual vimos que não nos ajudava, pois a família poderia contesta-la e se o fizesse ganharia, pois não haviam normas especificas que nos defendesse, por isso passamos a lutar pela conversão dessas uniões em casamento o que conseguimos, após muitas lutas judiciais e políticas, em 2013
Falaram que era pra gente esquecer essa coisa de casamento LGBT, por que ninguém queria, mesmo as lésbicas amigas diziam que não precisava. Mesmo assim continuamos, fomos em inúmeras reuniões nos ministérios, muitas mais no STF, como nosso grande Ayres Brito, que tanto nos apoiava, na câmara, no senado, até com a presidência da Republica, ainda assim amigas falaram que não precisava, porque não queriam casar e etc.
Como se não bastasse os heterossexuais discriminadores, nos falando no ouvido o tempo todo: “isso não vai dar certo”, “vocês vão se arrepender por querer isso”, “isso não é de deus”, “isso não é normal” e por aí vai….
Pessoal, nós insistimos, nós continuamos a lutar pelo casamento, lutamos por muito mais, lutamos pelas cirurgias de readequação de sexo no SUS, lutamos pela Saúde Integral de pessoas LGBT. Lutamos pela adoção por pessoas LGBT, lutamos e continuamos lutando, pela criação de uma lei que puna a homofobia, lesbofobia, bifobia e a transfobia. Mas os que aí estão acham que matar gay, lésbica, travesti e transexual é um bem pra humanidade cristã, os mesmos que se usavam máscaras brancas pra matar negros, indígenas e ciganos, os mesmos que, nas quebradas, estupram até mesmo suas filhas, os mesmos que (quando não são da família) dizem que pessoas com deficiência nem deveriam nascer.
Bom, falei demais, pra quem só queria dizer que vale a pena lutar, pois se não conseguimos tudo, conseguimos algo que, pelo menos, nos une como família e, como eles mesmo dizem, ela é o principio de tudo, então, não está muito longe o dia em que seremos iguais em direitos, mesmo com todas as nossas diferenças, as quais são nossos princípios básicos pela boa convivência!!!!
Enquanto tudo isso não chega, que tal voltarmos ao casamento entre pessoas LGBT:
Registro Civil 2014: Brasil teve 4.854 casamentos homoafetivos, significando um aumento de 31,2%, desses 2.050, foram no estado de São Paulo, 501 no Rio de Janeiro e, pasmem, 342 em Santa Catarina, ou seja, mesmo sendo tão conservador, tendo aquele Senhor como promotor em Florianópolis que, aliás é o primeiro município em casamentos de Lésbicas e gays no estado, esse estado está em terceiro lugar, na frente de Minas, Rio grande do Sul e Paraná.
Perguntaram-me muitas vezes sobre o percentual das pessoas LGBT que não casam e não querem casar para o que respondo que é uma questão de escolha, ou seja, querer casar ou não, também é um direito e, quando lutamos pelo casamento, lutamos pensando nas pessoas que, não apenas queriam, mas precisavam casar. Para falar a verdade casar é uma questão de escolha, eu mesma não pensava em casar, hoje sou casada, mas na época não era uma prioridade pra mim. No entanto era prioridade para muita gente por isso lutamos tanto.
Por isso a luta pelo registro civil do casamento é uma luta por direitos, afinal foi a falta desses direitos que nos fez lutar tanto para que o casamento seja hoje uma realidade. Quando tivemos as inúmeras reuniões que falei acima, eram justamente para falar da falta desses cerca de 120 direitos que não podíamos desfrutar por não poder registrar nossas uniões. Isso significou, principalmente nas décadas em que a AIDS era uma epidemia, muitos gays sem direito de visitar seu companheiro no hospital, isso foi usado pelas famílias dos que morriam, para expulsar, processar, enfim, tirar tudo o que haviam construído juntos, mesmo que houvesse provas da união. Ou seja, por não poder casar muitos dos que sobreviviam morriam a míngua e sozinhos.
Por tudo isso e muito mais que o direito ao casamento é uma conquista muito valorosa, uma conquista simbólica, mas que significa muito na equiparação de direitos entre pessoas heterossexuais, homossexuais e bissexuais independentemente de sua identidade de genro, raça, etnia, idade, região, capacidade e demais diferenças que possam usar para nos discriminar.
Referencia Bibliográfica:
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE http://www.ibge.gov.br/home/. Acesso em 02 de dezembro de 2015.
*Na foto: Guilhermina Cunha Salasário Ayres.