A imperfeita Constituição do Egito

 Por Paul R. Pillar*.

O palco parece preparado, no Egito para mais um surto de tensão política e muito drama nos próximos dias, depois que o presidente Mohamed Mursi definiu a data de 15/12/2012 para um referendo sobre a nova Constituição que acaba de ser redigida.

O resultado do referendo será, sem dúvida, visto como teste de força entre a Fraternidade Muçulmana de Mursi e a oposição secular, deva ou não ser assim definida.

O documento será visto como obra da Fraternidade, uma vez que os cristãos e os liberais secularistas boicotaram a Assembleia Constituinte, e Mursi reclama poderes especiais para impedir que o Judiciário boicote o trabalho da Constituinte, na qual a Fraternidade tem maioria de votos [obtidos em eleições].

A pressa com que se concluiu a minuta da Constituição e com que agora está sendo posta em votação dá a muitos egípcios a impressão de que algo estaria sendo atropelado no processo. O recente pronunciamento de Mursi, que a muitos lembrou os pronunciamentos de Mubarak, com referências a ameaças de “conspirações”, pouco ajudou a desanuviar a atmosfera.

A minuta de texto constitucional, redigida às pressas, tem algo para desagradar cada grupo que hoje se confronta aos demais no Egito, mas a democracia egípcia não corre risco de vida ou morte dependente, exclusivamente, do resultado do referendo. Nem o equilíbrio do poder entre islamistas ou secularistas depende só disso.

A oposição a Mursi bem faria se suspendesse a resistência e deixasse andar o processo, até o país ter, novamente vigente, alguma Constituição.

Em certo sentido, essa via de ação esvaziaria o movimento autoritário de Mursi: os poderes que reclamou para si, à custa do Judiciário, deixariam de existir; e o presidente, na vigência da nova Constituição, terá menos poderes que os que Mursi invocou para si em tempos de nenhuma Constituição. E, como o próprio Mursi já disse, a Constituição sempre poderá ser emendada.

Os secularistas talvez se consolem, ao ver que os salafistas estão tão insatisfeitos com a Constituição que já anunciaram boicote ao referendo. Os salafistas reclamam de que o documento investe o povo – não Deus – de soberania plena.

O Egito carece desesperadamente de algum tipo de estrutura constitucional, para que se possam travar novos debates sobre os rumos do país, e para que haja debates ordeiros, não como parte de um jogo cujas regras tenham de ser definidas já com a disputa em andamento.

Sistemas representativos têm de começar com algum tipo de regra, que tem de ser criada por alguém que, necessariamente, age sem qualquer autoridade previamente reconhecida; o que não podem é perpetuar-se sem qualquer legitimidade reconhecida.

É claro que Mursi não pode virar-se contra qualquer autoridade amplamente reconhecida e exigir para si o poder de baixar o decreto que baixou há alguns dias, mas os demais atores, no jogo político egípcio, tampouco tem melhor base legal para fazerem o que estão fazendo.

Qualquer funcionário dos EUA ou outros norte-americanos que se apresentem como conselheiros dos egípcios durante esse interessante momento político bem poderão lembrar a experiência dos EUA, no momento de estabelecer uma primeira ordem constitucional, quando a nação engatinhava. Os homens que redigiram a Constituição dos EUA com certeza exorbitaram a autoridade que tinham quando, em vez de apenas emendar os “Articles of Confederation”, criaram documento completamente novo e original e decidiram que aquele documento seria vigente, apesar de não ter recebido a aprovação unânime de todos os estados.

Nem todos os estados participaram da redação daquela Constituição. Rhode Island nem enviou representante; os delegados de New Hampshire chegaram atrasados; a maioria dos delegados do estado de New York partiram antes do fim da reunião; e vários dos que ficaram até a conclusão dos trabalhos recusaram-se a assinar o documento ali produzido. Persistiu por bom tempo uma oposição significativa ao documento, e o clamor por emendas foi forte o bastante, a ponto de a missão de redigir as dez primeiras emendas ter sido a primeira tarefa do primeiro Congresso.

A lição a extrair disso é que o sucesso de uma Constituição e o respeito que venha a merecer é função de hábitos políticos e de atitudes que se desenvolvem com o tempo – e absolutamente nada têm a ver com a base legal sobre a qual a Constituição tenha sido inicialmente redigida; nem dependem de quem estava no poder ou de quem se deu ou não se deu por plenamente satisfeito com a Constituição, quando a leu pela primeira vez.

Paul R. Pillar*, com experiência de 28 anos na Agência Central de Inteligência (CIA), passou a ser um dos seus principais analistas. Atualmente também é professor visitante na Georgetown University para estudos de segurança. (Este artigo apareceu pela primeira vez como um post de blog no site The National Interest na Internet. Aqui reproduzido com a permissão do autor).

Fonte: http://redecastorphoto.blogspot.com/

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