Por José Álvaro de Lima Cardoso.*
O mundo enfrenta grave crise, com crescimento lento da economia, sob o comando do capital financeiro, que sufoca a produção e o desenvolvimento industrial em todos os quadrantes. Como o cobertor da economia mundial ficou mais curto, se transfere o pesado ônus da crise, para os trabalhadores e os países periféricos. Por isso aumentou a voracidade dos países imperialistas na direção dos recursos naturais dos países dependentes, especialmente daqueles recursos de uma só safra e não renováveis, como minerais estratégicos e água.
Não é casual a ferocidade dos ataques à Petrobrás e a tentativa das multinacionais de tomar os recursos do pré-sal na “mão grande”. O regime de Partilha, que regula a exploração dos bilhões de barris existentes no pré-sal, é excessivamente “distributivista”, para o tamanho da cobiça e da ganância das multinacionais do petróleo. Um dos aspectos de fundo do intrincado xadrez dos acontecimentos políticos atuais na América do Sul, é o esgotamento dos recursos naturais dos Estados Unidos e Europa. Governos com algum apreço pelas soberanias dos seus países, significam um obstáculo inaceitável para os interesses dos países imperialistas.
A intrincada crise que se desenrola no Brasil está longe de ser casual. É fruto, dentre outros processos paralelos, de um projeto de recolonização continental, que procura enquadrar as políticas dos países sul americanos aos interesses do Império. Os métodos de consecução do referido objetivo variam a depender do país. O importante é implantar as reformas neoliberais (rejeitadas sistematicamente pelas urnas em toda a região), viabilizando por consequência, o acesso aos recursos naturais para as empresas estrangeiras. Dois eixos importantes da proposta para a Região são a redução da intervenção do Estado na economia e a maior liberdade de fluxos de capitais, o que pressupõe maior alinhamento com o capital financeiro internacional.
Um outro objetivo central do golpe, no caso do Brasil, é o de interromper os avanços que, ainda com limitações, vêm sendo implementados na última década, na direção de uma sociedade civilizada e socialmente justa. Direitos como 13º salário, férias remuneradas, pagamento de horas extras e outros serão colocados em discussão imediatamente à implantação de um eventual governo, advindo de um golpe via parlamento. Direitos representam custos, e a ordem é reduzir custos do trabalho. Aparece com força, ainda que os golpistas tentem dissimular, a ideia de aprovar uma legislação que permita aos sindicatos negociarem direitos, mesmo os que constem da CLT. Com a recessão, e o recuo do Produto Interno Bruto (PIB) per capita no Brasil, em 2015 e 2016, que pode alcançar 11%, é fácil prever o que significaria na prática a ideia de “prevalecer o negociado sobre o legislado”.
A atual política de reajustes do salário mínimo também está na mira dos que tramam a antecipação do fim do atual governo, rasgando a Constituição Federal. Há uma avaliação entre eles que não é possível manter uma política de valorização do mínimo que aumenta custos das empresas. Haveria também uma desvinculação do piso mínimo da previdência ao salário mínimo, o que provavelmente fará com que uma parte dos trabalhadores ganhe menos que um salário mínimo por seu benefício da Previdência Social. Há uma avaliação de que a Previdência Social gasta demais, inviabilizando a realização de superávit primário, eixo fundamental da proposta.
Em relação aos programas sociais a proposta é limitar ou acabar iniciativas como Minha Casa, Minha Vida, Bolsa Família, Mais Médicos, Fies, Pontos de Cultura, Seguro-desemprego, etc. Tudo isso representa, para esse grupo, gastos considerados improdutivos e sem retorno ao processo econômico. Não por acaso, um dos nomes mais cotados para futuro ministro da fazenda, Armínio Fraga, defende abertamente estas e outras propostas, reforçando sempre a necessidade de retirar direitos e diminuir o tamanho do Estado, para possibilitar a retomada do crescimento.
Parece que nós brasileiros teremos que adiar, momentaneamente, a conquista do sonho de uma sociedade civilizada, onde a maioria desfrute de dignidade e conquiste seus direitos básicos, previstos na Constituição de 1988. Mas, como declarou José Mujica recentemente: “toda derrota e todo triunfo são passageiros. Acima da terra, os únicos derrotados são os que deixam de lutar”. Não há outro jeito. É hora de fortalecer as resistências e intensificar as lutas.
*Economista e supervisor técnico do DIEESE em Santa Catarina.