A história apertou o passo, mas a saída da crise está na capacidade de luta e organização dos trabalhadores

Nota da direção do DIEESE sobre a crise

Caasos acumulados de Covid-19 até 25 de março de 2020. Universidade John Hopkins

O risco da crise econômica – somada à grave pandemia do Covid-19 – conduzir à uma grande recessão global, é praticamente certo. Os governos dos países do mundo todo estão adotando medidas extremas (ainda que insuficientes), o que indica que as informações são ainda mais graves do que as divulgadas até o momento. Por exemplo, o governo britânico anunciou, em menos de duas semanas três pacotes de medidas, totalizando R$ 2,5 trilhões (34% do PIB brasileiro) para a economia do Reino Unido enfrentar a crise decorrente da doença. Estes recursos serão usados, dentre outras coisas, para garantir o pagamento de 80% dos salários dos trabalhadores do Reino Unido pelo período de três meses, a partir de 1º. de março. A garantia de pagamento dos salários, inicialmente é para três meses, entre março e maio. Mas, se a crise se aprofundar o prazo será estendido. O governo britânico afirmou, ademais, que não há limites para o valor que pretende gastar.

No Brasil não existe um plano nacional de enfrentamento da pandemia, as ações vão sendo encaminhadas (ou não) de forma empírica, à medida que os problemas vão surgindo. Alguns estados e municípios mais ativos, estão se virando como podem. Mas na maioria dos entes federativos, e principalmente ao nível federal, o enfrentamento do coronavírus praticamente se limita a mandar as pessoas se isolarem em casa. O problema é que ao que tudo indica, essa crise sanitária não terminará em 15 ou 30 dias, mas poderá durar dois, três, ou seis meses, e apenas uma parte minoritária da população (de classe média e ricos) conseguirão ficar em casa nesse período. Para começar, do ponto de vista técnico, o trabalho a partir de casa, é possível para apenas uma parte minoritária da classe trabalhadora. Para parcela majoritária da população o trabalho não pode ser desenvolvido a partir das residências, mas pressupõe a presença física.

Além disso, apenas os ricos, e um segmento superior da classe média – que dispõem de reservas monetárias – conseguirão se isolar em suas casas, tendo suas rendas garantidas. Muitas empresas, se nada de absolutamente decisivo for feito, irão quebrar. A esmagadora maioria das empresas no Brasil são micro, pequenas e médias. Quantas delas dispõem de gordura financeira para ficar um, dois ou três meses sem funcionar? Se a contaminação provocada pelo coronavírus acabasse neste momento, a crise econômica já seria muito grave porque a economia parou. Mas a pandemia não irá acabar tão cedo, tudo indica que está só começando. Sem ajuda estatal, como na Europa, bares, padarias, pequenos negócios em geral irão à falência porque não dispõem de recursos para ficar sem faturar, nem por alguns dias.

O governo federal insiste em mandar as pessoas para casa porque não custa dinheiro, é uma solução barata. O dinheiro público, na verdade está sendo disponibilizado para as empresas. Por exemplo, o governo confirmou que distribuirá cupons a pessoas sem assistência social e à população que desistiu de procurar emprego, no valor médio de R$ 191. O valor será pago por três meses, totalizando uma despesa de R$ 15 bilhões. No mesmo dia que anunciou este benefício, divulgou também que passará a comprar títulos soberanos do Brasil denominados em dólar (global bonds) das instituições financeiras nacionais, dos bancos. O estoque desses títulos é de US$ 31 bilhões (R$ 161 bilhões). Ou seja, para a população pobre (que receberá um valor entre R$ 89 a R$ 205, desde que a pessoa não receba nenhum benefício outro social), está sendo destinado apenas uma minúscula fração dos valores destinados aos bancos.

Nessa mesma linha, no domingo, 22, o governo publicou a Medida Provisória (MP 927/2020), que autorizava suspensão do contrato de trabalho por até 4 meses. Neste período o empregado deixaria de trabalhar, mas a empresa não pagaria salários. A empresa deverá nesse período oferecer cursos de qualificação online aos seus trabalhadores (algo que obviamente não irá acontecer) e manter benefícios. Essa é uma medida para não gastar dinheiro público com trabalhadores, e que certamente não irá funcionar. Mesmo que as empresas ministrassem os cursos online, o problema neste momento não é esse, e sim como os trabalhadores irão sustentar suas famílias. A MP publicada no dia 22, na realidade, facilita ainda mais a demissão de trabalhadores. Um dos aspectos da MP, inclusive, é que a negociação individual se sobrepõe aos acordos coletivos e legislação trabalhista, tirando assim completamente os sindicatos da situação. Em função da saraivada de críticas, o governo (que está completamente perdido) suprimiu o artigo 18, que tratava da suspensão do contrato de trabalho por 4 meses. Mas a Medida, e todos os seus malefícios, continua em vigor.

No dia 23.03, o Banco Central (BC) anunciou que irá injetar no sistema financeiro, ou seja, nos bancos R$ 1,216 trilhão, equivalente a 16,7% do Produto Interno Bruto (PIB). Para termos ideia do que significa esse montante, na crise financeira global de 2008 o socorro aos bancos foi de R$ 117 bilhões, durante toda a crise. O valor que estão aplicando agora nos bancos é, portanto, mais de 10 vezes àquele valor. Ou seja, o governo, ao mesmo tempo em que aproveita a crise para desmontar direitos dos trabalhadores, injeta bilhões de recursos públicos, que agora deveriam estar ao serviço do povo, nos bancos. Sendo que os ganhos acumulados somente dos 4 maiores bancos do país, no ano passado, somaram R$ 81,5 bilhões ante R$ 69,1 bilhões em 2018. Isto num ano em que a economia como um todo cresceu meros 1,1%, a indústria permaneceu estagnada, e os indicadores de desigualdade explodiram.

No Brasil, antes da pandemia, a crise do emprego já era absolutamente dramática. O país tem 12,6 milhões de pessoas desocupadas e a população subutilizada na força de trabalho (trabalhadores desocupados e subocupados por insuficiência de horas trabalhadas) atingiu o maior número da série histórica da PNAD, 27,6 milhões de pessoas em 2019. Há um número enorme de pessoas no Brasil que, sem pandemia e sem crise econômica, já estavam numa situação de extrema dificuldade. Por exemplo, os idosos pobres, que vivem de uma aposentadoria ou renda do Bolsa Família, como irão se recolher, se não têm condições de se isolar em casa e nem dispor de alimentação adequada? O Brasil tem cerca de 40 milhões de trabalhadores informais, cujo rendimento é “da mão para a boca“, ou seja, não dispõem de nenhuma espécie de fundo de reserva ou capacidade de poupança para momentos de desemprego. Como os trabalhadores informais, autônomos, estimados em 40 ou 50 milhões no Brasil (por ironia chamados de “empreendedores de si mesmo”) vão ficar em casa um, dois ou três meses, se não têm reservas de qualquer tipo, e nem direitos sociais, que lhes garantam a sobrevivência? Uma parte dos trabalhadores de carteira assinada, que têm FGTS, poderá se defender da fome por alguns meses, até o pior da crise passar. Mas e os milhões de trabalhadores informais, como irão fazer?

Calcula-se que existe mais de meio milhão de brasileiros que estão em situação de extrema pobreza, quase completamente desassistidos pelo governo antipopular e antinacional de Bolsonaro. Recentemente o governo congelou o Bolsa Família em 200 municípios pobres e a estimativa é que a fila já esteja em mais de 1 milhão de pessoas. As pessoas que estão na fila já tiveram seus dados checados, não têm nenhum problema técnico ou de qualquer outra ordem. São pessoas miseráveis, com filhos, que têm direito a ingressar no Programa. Elas não entram no Programa porque o governo não quer gastar com pobres.

Um aspecto visível dessa situação são as centenas de milhares de moradores de rua, idosos, crianças, cujos números aumentaram exponencialmente nos últimos anos em todos os aglomerados urbanos. Os moradores de rua são um dos segmentos mais vulneráveis à pandemia. Dormem em locais insalubres, se alimentam mal, não tem acesso à remédios, não conseguem nem mesmo manter hábitos simples de higiene. Até para o simples ato de lavar as mãos fica difícil, muitas vezes se lavam em poças de água. Quando o emprego estava crescendo até 2014, e as políticas públicas de atendimento à pobreza estavam em funcionamento, tínhamos parado de ver esse tipo de população miserável nas ruas. São milhões de pessoas desempregadas, subempregadas, passando fome (esta cresce rapidamente), fila de trabalhadores rurais na previdência, fila para receber o Benefício de Prestação Continuada (BPC), destinados a pessoas com deficiência. Todo esse descaso com os pobres, numa conjuntura que combina duas crises simultâneas (econômica e sanitária), conduz a uma situação verdadeiramente desesperadora.

A experiência recente dos acontecimentos no Brasil aponta que as saídas para essa grave crise estão na capacidade de luta e organização dos trabalhadores. Nessa hora decisiva a direção sindical do DIEESE em Santa Catarina reforça seu compromisso com os trabalhadores, e lembra que o Escritório Regional do DIEESE, conforme orientação do Escritório Nacional, está trabalhando a partir das residências dos funcionários. Nossa equipe em Santa Catarina, como ao nível nacional, continua à disposição do movimento sindical, e do país, para superar essa brutal crise financeira, sanitária e política. Todos os trabalhos e o atendimento técnico continuam a ser realizados. O DIEESE inclusive, em face da gravidade e da velocidade dos acontecimentos, vem multiplicando nos últimos dias sua produção de notas técnicas, abordando temas fundamentais na conjuntura.

Saudações Sindicais,

DIREÇÃO SINDICAL DO DIEESE EM SANTA CATARINA:

Ivo Castanheira (coordenador da direção sindical e diretor da FECESC))

Anésio Schneider (Sitratuh)

Carlos Magno da Silva Bernardo (FETEESC)

Tatiane de Castro (FETESSESC)

Jorge Luiz Putsch (Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Brusque)

Landivo Fischer (FETIESC)

Moacir José Effting = FETIGESC (Federação dos Trabalhadores Gráficos de SC

Rodolfo de Ramos (Sindicato dos Trabalhadores Metalúrgicos de Joinville).

25 de março de 2020.

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